O ataque da Ucrânia à Rússia está a fortalecer a posição de Kiev em eventuais negociações de paz, possivelmente utilizando uma estrutura que poderia prosseguir mesmo que o Kremlin se recuse a enviar os seus diplomatas para reuniões presenciais, indicou esta terça-feira o jornal ‘POLITICO’.
O modelo de paz cada vez mais discutido em Kiev encontra inspiração no acordo de julho de 2022, que permitiu à Ucrânia retomar as exportações de grãos do Mar Negro – nesse formato diplomático, a Rússia e a Ucrânia trabalharam acordos separados, supervisionados pelas Nações Unidas e Turquia, sem haver um acordo direto Kiev-Moscovo.
Na capital ucraniana acredita-se que o ataque relâmpago através da fronteira, rumo à região russa de Kursk, tenha reforçado a posição negocial ucraniana. “Na região de Kursk, podemos ver claramente como a ferramenta militar está a ser usada objetivamente para persuadir a Rússia a entrar mum processo de negociação justo”, destacou o conselheiro presidencial ucraniano Mykhailo Podolyak.
No entanto, o presidente russo, Vladimir Putin, insistiu que não está com vontade de conversar. “Que tipo de negociações podemos ter com pessoas que atacam indiscriminadamente a população civil e a infraestrutura civil, ou tentam criar ameaças a instalações de energia nuclear?”, indicou o presidente russo, sem um pingo de ironia, dado o histórico da Rússia de arrasar cidades ucranianas, matar civis e recorrer à chantagem sobre a central nuclear de Zaporizhia ocupada pela Rússia.
O modelo do Mar Negro superaria esse impasse, de acordo com dois altos funcionários ucranianos. “Esse é o plano que estamos à procura”, salientou um funcionário próximo ao gabinete presidencial ucraniano, sob condição de anonimato.
A base para o que a Ucrânia quer é um plano de 10 pontos elaborado pelo presidente Volodymyr Zelensky em 2022 — desde a segurança alimentar e energética, a restauração da integridade territorial da Ucrânia e a retirada das tropas russas. Esse formato agora foi acelerado com Andriy Yermak, chefe do gabinete do presidente e principal autoridade de política externa de Zelensky, que indicou, ao ‘European Pravda’, qu estão a ser criados para elaborar planos de ação e cronogramas 10 grupos de trabalho, que incluem embaixadores e especialistas.
Yermak também levantou o acordo do Mar Negro como um formato potencial: “Não tivemos negociações com a Rússia. Tivemos negociações com a Turquia e a ONU, e eles negociaram com a Rússia. Foi um sucesso. O corredor operou por um ano — houve muitos problemas, mas funcionou. Devemos reconhecer isso. Um formato semelhante poderia ser usado novamente.”
Mas ainda há um longo caminho para Kiev, que tem de trabalhar num plano de paz conjunto com países que concordaram em ajudá-la a implementar três pontos iniciais da fórmula de paz – segurança nuclear e energética, segurança alimentar e o regresso de prisioneiros – que foram acordados durante a primeira cimeira de paz na Suíça, em junho último.
O presidente ucraniano pretende que uma proposta de paz conjunta saia das reuniões que a Ucrânia iniciou durante a cimeira: os países aliados de Moscovo que participarem na implementação do programa de paz devem apresentar as suas propostas a Moscovo durante a segunda cimeira de paz que Kiev quer organizar até ao final do ano.
No entanto, a Rússia já disse que não pretende comparecer à cimeira, considerando a fórmula de paz da Ucrânia como “completamente inaceitável” para o Kremlin. Kiev decidiu que Moscovo precisava ‘de um incentivo’, garantindo que os ataques em solo russo cessariam quando fosse garantido um acordo de paz.
“Quanto mais cedo a Rússia concordar com a restauração de uma paz justa, em particular, com base numa fórmula que leve a tal paz, mais cedo os ataques das forças de defesa ucranianas em território russo cessarão”, sublinhou Heorhii Tykhyi, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia.
Por seu turno, a Turquia fez pouco segredo de seu desejo de agir novamente como intermediária para garantir um acordo de paz. “A Turquia, como sempre, está pronta para facilitar o processo”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hakan Fidan, em junho último. “Não hesitaremos em fazer mais esforços.”














