Trump prepara-se para estragar o Brexit? Bruxelas já ‘esfrega as mãos’ com possível reaproximação, dizem diplomatas

A recente eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos trouxe uma nova dinâmica ao cenário internacional, com implicações preocupantes para o Reino Unido e a sua relação com a União Europeia. Embora o ex-presidente dos EUA se tenha, em tempos, autointitulado “Mr. Brexit”, o seu regresso à política com uma agenda “América Primeiro” e uma postura ambivalente em relação à NATO e à Ucrânia causa apreensão tanto em Londres como em Bruxelas. A sua influência poderá, ironicamente, reforçar os laços entre o Reino Unido e a UE, um desfecho que muitos britânicos que apoiaram o Brexit não esperavam.

Funcionários da UE veem a eleição de Trump como uma oportunidade para fortalecer as relações com o Reino Unido, especialmente num momento em que ambos os lados consideram redefinir as suas parcerias. “Duas pessoas já me disseram que a resposta política a Trump envolve um investimento maciço em defesa, gestão de tarifas e novos acordos de segurança com países terceiros, e o Reino Unido estava no topo da lista”, afirmou um alto funcionário da UE, que preferiu o anonimato, ao POLITICO. Outro diplomata da UE destacou que, dada a posição protecionista de Trump, existe uma “lógica política” que poderia levar a uma colaboração mais estreita entre Londres e Bruxelas, com o apoio à Ucrânia a ser um dos primeiros pontos de cooperação.

Londres entre a UE e os EUA

Líderes britânicos manifestam-se divididos. Kemi Badenoch, líder da oposição conservadora, apelou ao governo para que não se distancie dos EUA, acusando o Partido Trabalhista de ter o seu foco exclusivamente na UE. “Labour não se interessa por nada que não seja a União Europeia”, lamentou Badenoch, sublinhando a importância dos “vínculos históricos e familiares” de Trump com o Reino Unido.

Mas, em Bruxelas, o clima é de expectativa. A eleição de Trump fez muitos responsáveis europeus olharem com renovada esperança para o Reino Unido. “Vejo uma oportunidade para aprofundar a cooperação com o Reino Unido em defesa e segurança”, afirmou um diplomata da UE.

No entanto, a postura de Trump sobre a NATO e o apoio à Ucrânia provoca receios adicionais em Londres e em várias capitais europeias. Após as eleições, Donald Trump Jr., filho do presidente eleito, sugeriu que o apoio dos EUA à Ucrânia poderia ser drasticamente reduzido. Para muitos, isso pode empurrar o Reino Unido para uma posição de dependência estratégica da UE.

Impacto nas negociações comerciais e linhas vermelhas do Brexit

Desde que o líder do Labour, Keir Starmer, assumiu o compromisso de redefinir as relações com a UE, várias áreas têm estado em negociação: desde a cooperação energética e agrícola até às trocas juvenis e à defesa. Mas, para Londres, a abordagem protecionista de Trump complica as suas ambições de reforçar o comércio global pós-Brexit. Segundo estimativas da Universidade de Sussex, os planos de Trump para impor tarifas de 10 a 20% poderiam custar ao Reino Unido 22 mil milhões de libras em exportações anuais. “As linhas vermelhas do Reino Unido sobre o mercado único, a união aduaneira e a liberdade de circulação têm sido o principal obstáculo nas negociações com a UE”, afirmou um diplomata europeu. Sem um novo plano, “o Reino Unido arrisca-se a comprometer-se com uma direção que poderá não ser viável nas novas circunstâncias.”

O impacto económico do Brexit ainda pesa na economia britânica, e o Office for Budget Responsibility destacou recentemente que a fraqueza no comércio continua a ser um entrave ao crescimento, resultado da decisão de abandonar a UE. Se Trump mantiver a sua linha de tarifas elevadas e pressão económica, Starmer poderá não ter outra opção senão reconsiderar o reset nas relações com a UE.

Argumentos divergentes sobre o futuro das relações

Enquanto alguns analistas acreditam que o Reino Unido poderia reforçar simultaneamente as suas relações com os EUA e a UE, outros têm dúvidas sobre a possibilidade de um equilíbrio estável entre as duas alianças. O ex-economista-chefe do Banco de Inglaterra, Andy Haldane, defendeu recentemente que o governo deve buscar um melhor acordo com a UE, sem abrir mão de uma parceria comercial com os EUA, embora reconheça as dificuldades. “Devemos perseguir energeticamente um acordo melhorado com a UE”, afirmou Haldane ao The Guardian, reiterando que a cooperação com a UE e os EUA deve ser complementar.

Contudo, Kim Darroch, ex-embaixador britânico em Washington, mostra-se cético quanto à possibilidade de um acordo especial com os EUA, afirmando ao The Times que as políticas de Trump representam “um grande desafio para o Reino Unido.”

Richard Foord, deputado dos Liberal Democratas, expressou recentemente as suas preocupações numa reunião em Londres, argumentando que a presidência de Trump pode obrigar o Reino Unido a reconsiderar a sua posição europeia. “Temos um presidente isolacionista nos Estados Unidos. Precisamos de mais Europa no Reino Unido”, afirmou.

Nick Harvey, ex-ministro das Forças Armadas, sublinhou que o Reino Unido deve evitar tornar-se “o 51.º estado dos EUA” e, em vez disso, focar-se em ser “um player importante na defesa da Europa.” Harvey, agora presidente do European Movement U.K., foi enfático: “Fugir da ligação à UE pode ser suicida tanto em termos militares quanto económicos”.

Plano para uma parceria mais estreita

Um relatório recente da Independent Commission on UK-EU Relations propôs a criação de um “acordo básico” em segurança, que poderia ser expandido gradualmente. Esta parceria permitiria que o Reino Unido aderisse a projetos de defesa da UE e restabelecesse ligações com a Agência Europeia de Defesa, mas sublinha que as linhas vermelhas britânicas atuais ainda impedem uma reaproximação mais profunda.

No entanto, o primeiro-ministro britânico, quando questionado esta semana sobre a possibilidade de uma guerra comercial com os EUA, preferiu não especular. Starmer reiterou que o Reino Unido pretende manter boas relações tanto com a Europa como com os EUA: “Obviamente, os países europeus são os nossos parceiros comerciais mais próximos e temos uma longa história em comum, mas a relação especial com os EUA é também crucial.”

A posição de Trump e o seu regresso à política mundial adicionam complexidade à estratégia do Reino Unido, colocando o país numa encruzilhada decisiva entre reafirmar os seus laços com a UE ou tentar manter-se próximo de um parceiro cada vez mais imprevisível do outro lado do Atlântico.

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