A queda repentina de Bashar al-Assad no passado domingo, marcada pela tomada de Damasco pelos rebeldes do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), marca o fim de uma dinastia que governou a Síria durante 53 anos. O colapso do regime trouxe consigo uma reconfiguração política e estratégica no Médio Oriente, levantando questões cruciais sobre quem emerge como vencedor ou perdedor neste novo cenário sírio.
A ofensiva do HTS começou a 27 de novembro, com um ataque surpresa lançado a partir de Idlib, que rapidamente capturou Alepo dois dias depois. No início de dezembro, os rebeldes tomaram Homs, um símbolo da resistência síria, antes de alcançar os arredores de Damasco. Na madrugada de domingo, a capital caiu nas mãos do HTS, e Bashar al-Assad fugiu para Moscovo, onde obteve asilo político por razões humanitárias, segundo declarações do Kremlin.
A facilidade com que o regime caiu surpreendeu tanto observadores internacionais como o próprio povo sírio. Durante mais de uma década, al-Assad conseguiu resistir à guerra civil, apoiado por aliados como a Rússia e o Irão. No entanto, a perda de apoio estratégico de Moscovo e Teerão revelou-se fatal.
O papel dos conflitos globais no colapso do regime
O desmoronamento de al-Assad deve-se em grande parte a fatores externos. A Rússia, atolada na sua guerra na Ucrânia, viu-se incapaz de continuar a apoiar militarmente o regime sírio com a mesma intensidade de anos anteriores. Sem os recursos necessários para sustentar o governo de Damasco, o presidente russo, Vladimir Putin, priorizou os seus interesses no teatro ucraniano.
Já o Irão, envolvido em múltiplos conflitos regionais e sob pressão devido à guerra em Gaza e Líbano, também não conseguiu prestar assistência significativa. A queda de al-Assad representa um golpe severo ao que Teerão chama de “Eixo de Resistência”, a sua aliança destinada a combater a influência israelita e ocidental na região.
Israel e a sua posição estratégica
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reagiu positivamente à queda de al-Assad, descrevendo-a como um “resultado direto das ações de Israel na região”. Contudo, a ascensão do HTS, um grupo com raízes na al-Qaeda, representa um potencial risco estratégico. Apesar da sua oposição a al-Assad, o HTS mantém uma posição ideologicamente hostil a Israel, complicando a dinâmica no Médio Oriente.
Israel rapidamente consolidou a sua presença na zona-tampão entre os Montes Golã e a Síria, anteriormente controlada por tropas de al-Assad, numa tentativa de mitigar possíveis ameaças futuras.
Turquia: um dos principais vencedores?
A Turquia emerge como um dos maiores beneficiários da queda de al-Assad. Embora reconheça o HTS como uma organização terrorista, o governo turco, liderado por Recep Tayyip Erdoğan, demonstrou apoio tácito ao fim do regime. Ancara já apoia abertamente o Exército Nacional Sírio (SNA) no norte da Síria e poderá reforçar a sua influência no novo governo sírio.
Erdoğan, que nos últimos meses tentou sem sucesso reconciliar-se com al-Assad, agora vê uma oportunidade para moldar a política síria de acordo com os interesses turcos, especialmente no combate às forças curdas das Unidades de Proteção Popular (YPG), consideradas uma extensão do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK).
Impacto nos Estados Unidos
O impacto desta mudança para os Estados Unidos é ambíguo. Por um lado, a redução da influência russa na Síria parece vantajosa para Washington. No entanto, a possível hostilidade do HTS em relação a Israel complica a equação. A segurança de Israel continua a ser uma prioridade fundamental para os EUA, e a administração de Donald Trump, que assumirá em breve, terá de lidar com esta nova realidade.
Da mesma forma, o futuro das forças curdas, aliadas dos EUA no combate ao Estado Islâmico, permanece incerto. A Türkiye poderá pressionar por uma retirada mais ampla do apoio americano às YPG, forçando Washington a rever a sua estratégia na região.
Com a queda de al-Assad, a Síria enfrenta um futuro incerto. A ascensão do HTS, apesar de significativa, não representa estabilidade. A presença de múltiplas facções, interesses internacionais conflitantes e a devastação de mais de uma década de guerra criam um cenário volátil.
O impacto da saída de al-Assad será sentido não apenas na Síria, mas em todo o Médio Oriente, enquanto potências regionais e globais lutam para definir o próximo capítulo da história do país.














