Putin e Xi Jinping já ‘acertaram agulhas’ sobre resposta à guerra entre Irão e Israel. Que cenários estão em cima da mesa?

Num momento de máxima tensão no Médio Oriente, os presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping e Vladimir Putin, intensificaram a sua coordenação diplomática face ao conflito entre Israel e o Irão.

Pedro Gonçalves
Junho 20, 2025
13:28

Num momento de máxima tensão no Médio Oriente, os presidentes da China e da Rússia, Xi Jinping e Vladimir Putin, intensificaram a sua coordenação diplomática face ao conflito entre Israel e o Irão. Os dois líderes condenaram os ataques israelitas e apelaram a uma resolução pacífica, ao mesmo tempo que avaliam os próximos passos no xadrez geopolítico, atentos à possibilidade de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, decidir uma intervenção militar direta na região.

A crise agravou-se na quinta-feira, quando o embaixador de Israel no Japão, Gilad Cohen, acusou o cônsul-geral da China em Osaka, Xue Jian, de antissemita e de insultar a memória do Holocausto. A reação surgiu após um comentário publicado na rede X (antigo Twitter), onde o diplomata chinês comparava Israel ao regime nazi. A publicação foi posteriormente apagada, mas o incidente expôs a crescente hostilidade da máquina de propaganda chinesa em relação a Telavive.

Horas depois deste episódio, Xi e Putin emitiram uma declaração conjunta, após conversarem por telefone, na qual condenaram veementemente os ataques israelitas ao Irão. Ambos apelaram à contenção e rejeitaram qualquer solução militar para o conflito e para a questão nuclear iraniana. Xi Jinping, sem nunca mencionar diretamente os Estados Unidos, sublinhou que “grandes países com influência especial na região devem recorrer exclusivamente a instrumentos diplomáticos para acalmar os ânimos”. Por seu lado, o embaixador israelita em Pequim garantiu que os canais de diálogo com a China permanecem abertos, apesar das críticas.

Ponderação estratégica entre diplomacia e apoio indireto
Embora a retórica oficial de Moscovo e Pequim se mantenha no campo diplomático, analistas consideram improvável uma intervenção militar direta da China ou da Rússia, a menos que uma catástrofe atinja os seus interesses vitais. Moscovo tem cerca de 200 técnicos nucleares na central iraniana de Bushehr, enquanto Pequim é o principal comprador do petróleo iraniano, adquirindo cerca de 90% da produção do país persa.

Segundo Sanam Vakil, diretora para o Médio Oriente do centro de estudos Chatham House, “o cenário mais provável é que, sobretudo a China, se empenhe numa mediação indireta que lhe permita projetar a imagem de potência estabilizadora e responsável”. A estratégia visaria reforçar a posição chinesa no Sul Global e enfraquecer a hegemonia ocidental, sem, contudo, provocar um confronto aberto com Israel ou os Estados Unidos.

Tanto a Rússia como a China têm limitações claras. Pequim enfrenta fragilidades económicas, enquanto Moscovo continua enfraquecida militarmente devido à invasão da Ucrânia. Nesse sentido, a aposta passa por explorar vias diplomáticas através da Organização de Cooperação de Xangai e outras iniciativas conjuntas de paz, que possam consolidar o seu papel como alternativa ao eixo ocidental.

Um cenário de apoio indireto ao Irão, com reforço económico, político ou simbólico, só ganharia força caso o regime iraniano entre em colapso, os Estados Unidos intervenham militarmente ou Israel ataque infraestruturas sensíveis, como a central de Bushehr. Já uma assistência militar indireta — como fornecimento de tecnologia, reforço de defesas antiaéreas ou dissuasão naval — parece, por agora, remota. “Nem Moscovo nem Pequim desejam ser arrastados para um conflito aberto que ponha em causa o comércio global ou sobrecarregue os seus recursos”, avalia Vakil.

Entre interesses e cautelas: o pragmatismo oriental
Os bastidores diplomáticos revelam uma aproximação crescente entre China, Rússia e Irão. Tuvia Gering, especialista em relações sino-israelitas do CTI e do Atlantic Council, nota que os três países “têm mostrado uma coordenação mais estreita do que no passado e superaram a mera associação simbólica que definia os seus vínculos”. Dois encontros trilaterais recentes serviram para alinhar posições face ao programa nuclear iraniano e reforçar a resistência de Teerão à pressão ocidental.

Ainda assim, Gering frisa que esta relação “não constitui um eixo nem uma aliança militar”. O apoio chinês a Teerão limita-se ao plano diplomático, ao fornecimento de um salva-vidas económico e, possivelmente, à transferência encoberta de tecnologia de uso dual — embora este último aspeto esteja agora sob maior escrutínio devido ao agravamento das tensões.

Pequim procura evitar dois cenários extremos: o colapso do regime iraniano, que poderia resultar num “Estado-títere” pró-ocidental, e uma corrida armamentista na região caso o Irão desenvolva uma arma nuclear, o que comprometeria o regime global de não-proliferação. Uma guerra generalizada no Médio Oriente, com impacto nos preços do petróleo e na estabilidade regional, seria um golpe duro para a já frágil economia chinesa e colocaria em risco cidadãos e ativos chineses na região.

Paradoxalmente, um envolvimento prolongado dos Estados Unidos no conflito poderia servir os interesses de Pequim, desviando recursos e atenções de Washington do Indo-Pacífico para o Médio Oriente, enfraquecendo a postura global norte-americana.

Mensagens divergentes e recalibração estratégica
As declarações de Xi e Putin revelam diferenças subtis: enquanto Moscovo condenou explicitamente Israel, o comunicado de Pequim evitou essa linguagem, preferindo um tom mais equilibrado. Xi Jinping, na cimeira de Astana, defendeu um cessar-fogo imediato e uma solução diplomática, em linha com a postura pública chinesa desde o início do conflito a 7 de Outubro. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros da China, Wang Yi, e o embaixador junto da ONU, Fu Cong, foram mais incisivos nas críticas a Israel.

Ao mesmo tempo, cresce na China uma corrente de pensamento que defende um reajuste na relação com o Irão, dada a fragilidade estratégica deste após os recentes reveses militares e políticos. Segundo Gering, “em Pequim começa a ganhar força a ideia de que o Irão deve moderar as suas ambições e adotar uma postura mais pragmática que contribua para a estabilidade regional”.

A narrativa promovida pela China, que procura apresentar os Estados Unidos como responsáveis por alimentar o conflito, está a ganhar terreno sobretudo no Sul Global. Ao pintar Israel como violador flagrante do direito internacional, Pequim visa, por arrasto, minar a imagem de Washington.

Para já, Xi e Putin movem-se no tabuleiro global com cautela, reforçando a diplomacia e calibrando o seu apoio ao Irão em função dos desenvolvimentos no terreno e das decisões que vierem a ser tomadas em Washington.

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