Mães denunciam juiz de Mafra que alegadamente expõe crianças a situações de risco. MP confirma três queixas
Várias mães denunciam decisões judiciais que, segundo afirmam, colocam os seus filhos em situações de vulnerabilidade e desconsideram alegações de violência doméstica e abuso. Os relatos incluem processos judiciais onde, alegadamente, não foram respeitados direitos fundamentais das mães e das crianças, levando a situações de residência alternada que consideram prejudiciais.
A legislação portuguesa já permitia que os tribunais decretassem a residência alternada das crianças antes das recentes alterações à lei, o que significa que, na prática, a mudança legislativa tem um impacto reduzido. Segundo especialistas, a distinção entre guarda partilhada e residência alternada é fundamental para compreender estas decisões: a primeira diz respeito à partilha de responsabilidades parentais, enquanto a segunda determina a forma como a criança divide o seu tempo entre os progenitores.
Gameiro Fernandes, especialista na área do direito da família alerta à CNN Portugal, que denuncia os casos, para os perigos da utilização da teoria da alienação parental nos tribunais, considerando que esta é frequentemente manipulada. “A alienação parental como síndrome não existe, o que há é manipulação parental. Acusam as mães de alienação, mas ignoram que um pai que agride a mãe à frente do filho já comete alienação, destruindo a figura protetora da mãe”, sublinha. O advogado recorda um caso concreto em que “uma mãe superprotetora perdeu a guarda da filha para um pai agressor e, até agora, não teve sequer uma visita supervisionada”.
O caso de Adela Grejic: um “carrossel” burocrático e emocional
Adela Grejic, de 36 anos, mudou-se para Portugal em dezembro de 2018, depois de dar à luz a sua primeira filha em Malta. A relação com o então companheiro, um cidadão português, deteriorou-se rapidamente, culminando na sua saída de casa para um abrigo para vítimas de violência doméstica em outubro de 2019.
Depois de regressar ao domicílio conjugal, a situação piorou. “Voltámos e os primeiros dois anos foram ok, depois tive o meu segundo filho e o comportamento começou a repetir-se”, relata. No ano passado, o ex-companheiro surpreendeu-a com uma decisão unilateral: “Vou embora. Já mandei os papéis para o tribunal.” A partir desse momento, começaram as disputas judiciais e a instabilidade na vida dos filhos do casal.
O tribunal atribuiu inicialmente a guarda das crianças a Adela Grejic durante a semana, ficando o pai com os fins de semana, mas a decisão evoluiu para um regime de residência alternada. Grejic tentou contestar, alegando que o ex-companheiro era agressivo, consumia drogas e conduzia alcoolizado com os filhos no carro. A resposta do juiz deixou-a sem palavras: “Você é que escolheu este homem!”
Sem advogado eficaz, sem apoio familiar próximo e com dificuldades em entender o processo, sentiu-se desamparada. “Gritou comigo durante imenso tempo e eu não percebia metade do que dizia. O meu coração parecia que ia explodir”, recorda sobre a audiência em tribunal.
Entretanto, a sua situação agravou-se. O ex-companheiro continuava a entrar na casa onde ela vivia e, em julho, cortou o abastecimento de água, deixando-a nove dias sem acesso ao recurso básico. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) constatou que Adela Grejic cuidava bem dos filhos, mas que a casa não tinha condições.
A instabilidade refletiu-se nas crianças. No Natal, a filha regressou da casa do pai com pneumonia e o filho com uma infeção ocular. Grejic descreve outro episódio que a preocupou profundamente: “A mais velha tem um caderno de meditação onde desenha quando está zangada. Quando o abri, vi monstros, demónios, coisas sombrias. Estava tudo ali.”
A mãe apresentou uma queixa contra o juiz Joaquim Manuel Silva ao Conselho Superior de Magistratura (CSM), denunciando “uma série de erros processuais que levaram a um regime de guarda partilhada” contra a sua vontade. No entanto, o CSM arquivou o caso por não encontrar indícios de ilícito disciplinar.
Outras denúncias: abuso, agressões e decisões judiciais contestadas
A luta de Adela Grejic não é isolada. Helena Rodrigues viu a sua vida transformar-se num longo processo judicial depois de o seu filho, “Pedro”, ter relatado alegações de abuso por parte do pai durante um banho. As lesões foram confirmadas no Hospital Dona Estefânia, mas os relatórios oficiais não sustentaram as acusações, impedindo medidas mais rigorosas.
O tribunal suspendeu as visitas sem supervisão e passou a permitir apenas visitas supervisionadas no Núcleo de Infância e Juventude (NIJ) de Mafra. No entanto, Rodrigues e o seu companheiro afirmam que os episódios de agressão continuaram a ocorrer, apesar de os relatórios não os confirmarem.
“Posso dizer-lhe que não me surpreende”, afirma a advogada Patrícia Baltazar Resende, referindo-se à contradição entre os relatos das crianças e os pareceres técnicos. “Estes técnicos são do Estado, e o Estado tem bons técnicos, como também tem técnicos menos qualificados. Também é verdade que tem muitos processos”, sublinha.
Rodrigues relata que o juiz minimizou episódios passados de violência doméstica e ignorou o facto de o pai da criança não pagar pensão de alimentos. Além disso, afirma que o magistrado adotou uma postura hostil para com o seu atual companheiro: “Chamou-me intrusivo e disse que, mesmo que fosse pai, nunca saberia educar uma criança.”
A luta de Kirby Amour, que apresentou queixa ao CSM e fez uma greve de fome de 31 dias, tornou-se um símbolo da indignação de várias mães. A mobilização levou à troca do magistrado no seu processo, e a nova juíza determinou que as suas crianças estavam bem cuidadas com a mãe, revogando a decisão anterior.
O MP confirmou a receção de três queixas contra o juiz Joaquim Manuel Silva, tendo sido abertos quatro inquéritos, todos arquivados. O CSM, por sua vez, revelou que desde 2019 registou 13 comunicações relacionadas com o magistrado, mas todas as queixas foram arquivadas por falta de indícios de infração disciplinar.
As mães envolvidas nestes processos insistem que não se trata apenas das suas histórias, mas de um problema sistémico. “Nenhuma mãe protetora deve ter de fugir para manter os seus filhos a salvo de um sistema que deveria estar lá para os proteger”, desabafa uma das mulheres envolvidas.
Outras mães denunciam a falta de empatia e de rigor nos processos: “A ideologia de vários juízes não se aproxima da realidade, não podem obrigar as crianças a conviver com os seus agressores”; “Fui eu que recorri à Justiça e não fazia a mínima ideia daquilo em que me estava a meter.”
As mães exigem mudanças e maior responsabilidade na avaliação dos casos que envolvem crianças. “Como é que um pai que corta a água aos seus filhos, o elemento mais essencial à vida e à sobrevivência, não é questionado por isso?”, questionam.
Enquanto o sistema judicial não dá sinais de mudança, estas mães continuam a lutar pelo que consideram ser um direito fundamental: proteger os seus filhos.