Kremlin não vê condições de negociar cessar-fogo na Ucrânia com a Europa e elogia postura dos EUA sob Trump

O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reforçou que a Rússia continua disponível para encontrar uma solução para o conflito através de negociações diretas com Washington, excluindo os líderes europeus desse processo.

Pedro Gonçalves
Fevereiro 24, 2025
15:07

O Kremlin acusou esta segunda-feira a Europa de querer prolongar a guerra na Ucrânia, em contraste com os Estados Unidos, que, segundo Moscovo, estão a demonstrar vontade de negociar um acordo de paz. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, reforçou que a Rússia continua disponível para encontrar uma solução para o conflito através de negociações diretas com Washington, excluindo os líderes europeus desse processo.

Ao mesmo tempo, a União Europeia reafirmou o seu compromisso com a Ucrânia durante uma cimeira em Kiev, onde dezenas de líderes europeus, incluindo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o ex-primeiro-ministro português António Costa, sublinharam que qualquer negociação de paz deve incluir a Ucrânia. O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, alertou para os perigos de um acordo apressado com Moscovo, defendendo que uma paz duradoura só será alcançada com garantias de segurança sólidas para o seu país.

Em declarações aos jornalistas, Dmitry Peskov acusou os países europeus de insistirem na continuação do conflito.

“Os europeus continuam no caminho da sua convicção da necessidade de continuar a guerra”, afirmou o porta-voz do Kremlin, citado pela AFP. Segundo Peskov, esta posição contrasta com a abordagem dos Estados Unidos, que estariam a demonstrar maior abertura para um entendimento com Moscovo.

“Esta convicção dos europeus contrasta completamente com o desejo de encontrar um acordo sobre a Ucrânia, o que estamos atualmente a fazer com os americanos”, acrescentou.

Moscovo tem rejeitado consistentemente a inclusão da Europa nas conversações de paz, uma posição que tem sido criticada pelos líderes europeus, que insistem que um eventual acordo não pode ser decidido sem a Ucrânia e sem a participação dos aliados ocidentais.

No mesmo dia em que se assinalou o terceiro aniversário da invasão russa da Ucrânia, dezenas de líderes europeus reuniram-se em Kiev para reafirmar o seu apoio ao país. Ursula von der Leyen publicou um vídeo da sua chegada à capital ucraniana, acompanhada de António Costa, com a mensagem:

“Estamos hoje em Kiev porque a Ucrânia é a Europa. Nesta luta pela sobrevivência, não é apenas o destino da Ucrânia que está em causa. É o destino da Europa.”

António Costa reforçou a necessidade de Kiev estar presente em qualquer processo de negociação:

“Não haverá negociações credíveis e bem-sucedidas nem paz duradoura sem a Ucrânia e sem a União Europeia. Apenas a Ucrânia pode decidir quando existem condições para se iniciar uma negociação para a paz”, afirmou.

A cimeira europeia decorreu num momento em que os Estados Unidos e a Rússia avançam com discussões preliminares sobre um possível cessar-fogo, um processo que tem sido criticado por excluir a Ucrânia e os aliados europeus.

Durante a cimeira, Volodymyr Zelensky alertou para os riscos de um acordo precipitado com Moscovo.

“A paz não pode ser simplesmente declarada numa hora”, afirmou o líder ucraniano. “Putin não nos dará paz, nem a dará em troca de algo. Temos que conquistar a paz através da força, da sabedoria e da união, por meio da nossa cooperação com vocês”, declarou, dirigindo-se aos líderes europeus presentes.

Zelensky reiterou que uma solução de longo prazo para o conflito só será possível se a Ucrânia obtiver garantias de segurança firmes. Como ponto de partida para as negociações, defendeu uma troca de prisioneiros entre os dois países.

“O fim da guerra deve começar com medidas que restaurem a confiança. Tal medida poderia ser a libertação de prisioneiros, milhares de pessoas mantidas na Rússia”, disse. “A Rússia deve libertar os ucranianos. A Ucrânia está pronta para trocar todos por todos, e esta é uma forma justa de começar.”

Kiev não revelou números exatos, mas estima-se que mais de oito mil soldados ucranianos estejam atualmente detidos pela Rússia.

“Acredito que este ano deve ser o ano do início de uma paz real e duradoura”, apelou Zelensky.

O terceiro aniversário da invasão russa ocorre num período de grande incerteza para a Ucrânia, à medida que a política externa dos Estados Unidos sofre alterações com o regresso de Donald Trump à Casa Branca.

Com a nova administração, o apoio militar e financeiro dos EUA a Kiev está em risco, enquanto Washington procura aproximar-se de Moscovo. Esta mudança tem causado apreensão entre os aliados europeus, que foram apanhados de surpresa pelas decisões de Trump de iniciar negociações com a Rússia, deixando a Ucrânia e a Europa à margem.

“É evidente que as declarações vindas dos Estados Unidos nos deixam preocupados”, afirmou Kaja Kallas, responsável pela política externa da União Europeia, após uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em Bruxelas.

Ainda assim, Kallas procurou minimizar os receios de uma rutura transatlântica:

“É claro que a relação transatlântica vai mudar. Isso é muito claro, mas não devemos deitar por terra algo que tem funcionado bem até agora.”

Para reforçar o apoio a Kiev, a União Europeia anunciou um novo pacote de ajuda de 3,5 mil milhões de euros e prometeu acelerar a entrega de mais armamento e munições ao exército ucraniano. Além disso, foi aprovada uma 16.ª ronda de sanções contra a Rússia, que inclui a proibição da importação de alumínio russo e novas restrições ao setor energético.

O Kremlin vê com bons olhos a abordagem de Donald Trump à guerra na Ucrânia e considera que os Estados Unidos finalmente estão a analisar as “causas” do conflito.

“É isto que agradecemos e apoiamos”, afirmou Dmitry Peskov, citado pela Reuters. “Esperamos que Washington analise completamente as causas do conflito ucraniano – foi para isto que tentámos chamar a atenção dos nossos oponentes na Europa, mas que eles sempre recusaram, tal como o anterior governo dos EUA.”

Na semana passada, Trump chamou Zelensky de “ditador” e sugeriu que foi Kiev quem iniciou a guerra, declarações que reforçaram as preocupações dos aliados europeus sobre a possível redução do apoio norte-americano à Ucrânia.

Paralelamente, Moscovo mostrou-se cautelosa quanto à possibilidade de uma mudança de posição na Europa, especialmente com a chegada de um novo governo na Alemanha, liderado por Friedrich Merz, da CDU.

“De cada vez que há um novo governo, queremos esperar por uma abordagem mais sóbria à realidade, por uma abordagem mais pragmática aos problemas de interesse mútuo entre a Rússia e a Alemanha”, disse Peskov.

O porta-voz do Kremlin afirmou ainda que, por agora, não há razões para retomar o diálogo com os países europeus, classificando as novas sanções da UE como “previsíveis”.

A União Europeia reforçou que as medidas visam “enfraquecer ainda mais” a economia russa, incluindo a proibição da importação de certos produtos e a adição de 48 pessoas e 35 entidades à lista de sancionados. Além disso, foi imposto um bloqueio a 74 petroleiros utilizados pela Rússia para contornar as sanções.

A tensão entre Moscovo e o Ocidente mantém-se elevada, enquanto a guerra entra no seu quarto ano sem sinais claros de resolução, apesar das movimentações diplomáticas em curso.

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