A carga fiscal sobre os contribuintes com rendimentos mais baixos sofreu um aumento significativo na última década, enquanto o impacto nos escalões mais altos foi bem menos expressivo. De acordo com os dados mais recentes, o valor cobrado em IRS pelo Estado aos trabalhadores que auferem até 13.500 euros brutos anuais (cerca de 964 euros por mês) quase triplicou entre 2012 e 2022, passando de 282 milhões de euros para 826 milhões de euros, o que representa um crescimento de 193%.
Já nos três escalões mais elevados, que abrangem rendimentos superiores a 50 mil euros anuais (cerca de 3.571 euros por mês), o aumento da tributação foi de 105%, subindo de 4.331 milhões de euros para 8.877 milhões de euros no mesmo período. Apesar do crescimento em ambos os segmentos, a carga fiscal aumentou proporcionalmente mais para os contribuintes de menores rendimentos, revelam as contas do Jornal de Notícias.
O economista e professor catedrático da Universidade de Coimbra, José Reis, esclarece que este fenómeno não se deve a um aumento das taxas de IRS diferenciadas entre os escalões, mas sim a uma alteração na composição dos rendimentos declarados. “Aumentou o número de contribuintes que estão nos três escalões acima do salário mínimo. Isto não significa que as taxas tenham sido agravadas de forma diferenciada”, explica. Segundo o especialista, a atualização regular dos escalões fiscais avançou a um ritmo mais rápido do que o crescimento salarial, levando mais contribuintes a serem enquadrados em faixas de tributação superiores sem que isso significasse necessariamente um aumento real dos seus rendimentos.
O impacto destas mudanças é também visível na estrutura do mercado de trabalho. José Reis destaca que, “há alguns anos, apenas 4% dos trabalhadores recebiam o salário mínimo, mas atualmente essa percentagem já atinge os 22%”. O economista sublinha ainda que “três quartos da população empregada está em setores cuja produtividade é inferior à média”, especialmente nos serviços, com destaque para o alojamento e a restauração. Esta tendência revela um mercado laboral cada vez mais assente em salários baixos, o que influencia diretamente a tributação sobre os rendimentos do trabalho.
Outro ponto levantado é a progressividade do sistema fiscal, que, segundo José Reis, “existe, mas levanta questões quando se considera alguns regimes fiscais privilegiados”. Como exemplo, refere a discrepância entre a tributação do trabalho e dos rendimentos prediais: “Alguém que viva apenas do arrendamento de casas é tributado a 28%, enquanto um trabalhador com o mesmo rendimento paga sempre mais”, destaca. Essa diferenciação pode levar a situações em que contribuintes com menores rendimentos relativos acabam por suportar uma carga fiscal proporcionalmente mais elevada.
A campanha de entrega das declarações de IRS arranca esta terça-feira e traz algumas mudanças que vão impactar os contribuintes. A principal novidade prende-se com os reembolsos, que deverão ser mais baixos do que nos anos anteriores. Isto deve-se à revisão da retenção na fonte feita pelo Governo em 2023, que reduziu o valor descontado mensalmente no salário. Como resultado, os contribuintes pagaram menos IRS ao longo do ano, mas terão agora menos montante a receber no acerto anual.
Luís Leon, fiscalista da consultora Ilya, explica que “em 2023, o Governo alterou a fórmula do IRS mensal, tornando a retenção mais próxima de 1/14 do imposto anual. Além disso, em setembro, outubro e novembro, houve uma redução adicional nas retenções, funcionando como um reembolso antecipado”. No entanto, nem todos os contribuintes serão afetados da mesma forma. “Quem esteve de licença de maternidade ou no desemprego, por exemplo, não sentirá esse impacto”, esclarece o especialista. Para evitar surpresas, os especialistas aconselham a realização de uma simulação antes da submissão da declaração, que já estará disponível a partir de terça-feira.














