Lisboa e Madrid continuam a recuperar das consequências do apagão que, ontem, afetou praticamente toda a Península Ibérica. A origem da falha, que provocou cortes generalizados de eletricidade, interrupções nas comunicações móveis e fortes perturbações nos transportes e na atividade económica, está agora a ser analisada por especialistas. Um deles, o espanhol Carlos Cagigal, assegura que este tipo de incidentes pode repetir-se nos próximos meses.
Em declarações ao programa Al Rojo Vivo, da estação televisiva espanhola La Sexta, Cagigal, especialista no setor energético, incluindo energias renováveis e gás, foi taxativo: “O que aconteceu hoje [segunda-feira] já vínhamos a alertar há uma semana. Estávamos há vários dias no fio da navalha”, afirmou, referindo-se aos sinais prévios de um possível colapso no sistema elétrico. Segundo explicou, a produção de energia renovável estava a ultrapassar os 100% da procura, um fenómeno que, embora positivo do ponto de vista da sustentabilidade, exige uma gestão técnica muito rigorosa para manter o equilíbrio do sistema.
Contrariando algumas especulações iniciais, Carlos Cagigal afastou por completo a hipótese de um ciberataque como causa do apagão. “É muito difícil que um país externo consiga executar um ciberataque sobre as nossas infraestruturas energéticas”, garantiu. Esta ideia, segundo o especialista, será descartada “nas próximas horas”, com base na análise técnica dos eventos.
A verdadeira origem da falha estará, de acordo com o especialista, num desequilíbrio na tensão elétrica provocado por uma sobrecapacidade de produção. “Não se trata de termos perdido 15 gigawatts de energia. O problema está nos nós de ligação das subestações, que estão saturados. É aí que se integram as renováveis na rede, e hoje coincidiu a sua produção com a das centrais de ciclo combinado e nucleares, criando uma capacidade excessiva que desestabilizou o sistema”, explicou.
Para ilustrar o fenómeno, Cagigal recorreu a uma analogia doméstica: “É como quando em casa temos um pico de energia e os disjuntores disparam”. A sobrecarga causou flutuações na tensão que acabaram por provocar o colapso da rede elétrica em larga escala.
Falta de capacidade de armazenamento agrava o risco
Um dos principais problemas identificados por Carlos Cagigal prende-se com a falta de capacidade de armazenamento de energia elétrica em Espanha. “Estamos a fazer as coisas bem em termos de transição energética, mas estamos muito atrasados no armazenamento. Geramos demasiada eletricidade que não conseguimos guardar”, alertou.
Este défice de infraestruturas adequadas de armazenamento — como baterias de grande escala ou sistemas de bombagem hidroelétrica — representa, segundo o especialista, um ponto fraco do sistema peninsular e poderá originar novos incidentes semelhantes ao registado esta semana.
Apelo à preparação da população
O alerta mais preocupante de Carlos Cagigal vai para os próximos meses. “Este não é um caso isolado. Temos de preparar a população, porque isto vai voltar a acontecer”, avisou, reforçando a necessidade de se melhorar urgentemente a resiliência do sistema energético ibérico, sobretudo perante o crescimento da produção renovável.
Segundo o especialista, poderá demorar entre 12 a 24 meses até que as infraestruturas espanholas estejam preparadas para lidar eficazmente com estes picos de produção, através da expansão de sistemas de armazenamento e de reforço dos pontos de ligação à rede.
Enquanto isso, Portugal e Espanha continuam a avaliar os danos provocados por um incidente que afetou milhões de pessoas, com repercussões em setores tão distintos como os transportes ferroviários, a aviação, o comércio, os serviços de saúde e a comunicação digital. A falha foi já descrita por várias entidades como “absolutamente excecional” pela sua escala e impacto, mas a perspetiva de que se possa repetir impõe agora uma reflexão urgente sobre a segurança e estabilidade da rede elétrica ibérica.














