“É uma coisa surreal”: Zelensky acusa Guterres de “apoio oculto” à Rússia
Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia, criticou abertamente o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pela sua presença em Kazan, Rússia, durante a cimeira dos BRICS, descrevendo-a como “uma coisa surreal”. Em entrevista ao The Times of India, Zelensky afirmou que “entre o agressor e a vítima não pode haver neutralidade” e interpretou a posição de Guterres como um “apoio oculto à Rússia”. Para o líder ucraniano, os que participaram na cimeira e defendem a neutralidade no conflito russo-ucraniano parecem estar a favorecer Moscovo.
Zelensky, que se recusou a receber Guterres em Kyiv, considerou a participação do secretário-geral em solo russo “uma humilhação” para a Ucrânia. Para o presidente ucraniano, a presença do líder da ONU na cimeira de um bloco onde a Rússia exerce grande influência mina a credibilidade de uma postura verdadeiramente neutra. A cimeira dos BRICS, bloco composto pelas principais economias emergentes e que agora inclui também países do Sul Global, como Etiópia, Irão e Egito, reuniu líderes de estados que representam mais de 40% da população mundial e cerca de um terço da economia global.
Apelos à paz e críticas ao posicionamento da ONU
Na sua intervenção na cimeira, Guterres apelou ao “cessar-fogo imediato” em Gaza e pediu igualmente o fim das hostilidades no Líbano e na Ucrânia. O líder da ONU reiterou a necessidade de uma “paz justa” para a Ucrânia, que respeite a Carta das Nações Unidas, o direito internacional e as resoluções da Assembleia Geral. Guterres sublinhou a importância de que a resolução do conflito ucraniano respeite os princípios internacionais, evitando que o impasse militar prolongue ainda mais a crise humanitária e de segurança na Europa.
No entanto, a retórica de paz de Guterres não acalmou as críticas de Zelensky, que questiona a imparcialidade da ONU ao ver o secretário-geral a discursar numa reunião onde a Rússia, um dos principais intervenientes no conflito, exerce grande influência. Em solo russo, Guterres reiterou a sua mensagem de paz e de cessação dos combates, mas a sua presença levantou preocupações entre alguns aliados da Ucrânia, que receiam que a ONU possa não manter uma posição firme contra a agressão russa.
O grupo BRICS, composto atualmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, surgiu como um bloco informal em 2006, realizando a sua primeira cimeira oficial em 2009. Recentemente expandido, o grupo integra também a Etiópia, o Irão, o Egito e os Emirados Árabes Unidos, reunindo estados com forte impacto económico e político global. O objetivo do BRICS é promover uma ordem económica mais equitativa e inclusiva, em contraste com o domínio ocidental nas instituições financeiras globais.
Para alguns observadores, a postura de Guterres reflete a tentativa das Nações Unidas de se manterem abertas ao diálogo com os países do Sul Global e de emergentes, um bloco que tem vindo a aumentar a sua influência no cenário internacional. Contudo, a posição de neutralidade que muitos países do bloco defendem no conflito entre Rússia e Ucrânia é vista como um obstáculo ao apoio unificado à Ucrânia, o que suscita tensões com aliados ocidentais que pretendem uma condenação mais explícita de Moscovo.
Desde o início da invasão russa, a 24 de fevereiro de 2022, a Ucrânia tem sido palco de um conflito que levou à maior crise de segurança na Europa desde a Segunda Guerra Mundial. A Rússia mantém operações militares que já resultaram em inúmeras baixas civis e numa devastação significativa de infraestruturas ucranianas. A Europa e os EUA intensificaram sanções económicas contra a Rússia e ampliaram o apoio militar à Ucrânia, aprofundando uma crise geopolítica que polarizou o cenário internacional.
Para a Ucrânia, o apoio da comunidade internacional é fundamental para resistir à ofensiva russa. No entanto, a recente cimeira dos BRICS, onde participaram países com um impacto significativo na economia e na população globais, reflete o crescente papel do Sul Global no cenário internacional e o desafio de manter uma postura coesa contra a Rússia. O discurso de Guterres em Kazan, centrado na paz e na mediação, foi, para a Ucrânia e seus aliados, insuficiente para fazer frente ao que consideram uma crise provocada por uma agressão direta e injustificável.