“É o primeiro rio completamente morto da Europa”: Ucrânia denuncia ecocídio com envenenamento das águas pelos russos

A pequena vila de Slabyn, na região norte de Chernihiv, na Ucrânia, enfrenta uma tragédia ecológica sem precedentes após a poluição massiva do rio Desna, um dos principais afluentes do país. O presidente da câmara da vila, Serhiy Kraskov, observava com pesar um peixe morto a boiar nas águas outrora cristalinas. “É um peixe rutilo. Morreu recentemente, dá para ver porque os seus olhos ainda estão claros e não desfocados”, explicou Kraskov. Ao longo das margens verdes do rio, centenas de outros peixes jaziam sem vida, desde pequenos peixes até espécies maiores como lúcios e carpas. “Tudo está morto, desde os peixes mais pequenos até ao maior bagre”, lamentou o autarca.

O desastre ambiental que atingiu a região é resultado direto da guerra em curso. Segundo as autoridades ucranianas, a Rússia deliberadamente contaminou o rio Seym, que desagua no Desna, despejando nele resíduos químicos tóxicos, nomeadamente amoníaco, magnésio e outros nitratos perigosos. Esta poluição originou-se na aldeia fronteiriça russa de Tyotkino e foi detetada a 17 de agosto, no mesmo período em que combates intensos ocorriam na área circundante. As forças armadas ucranianas tinham lançado uma incursão surpresa em território russo, capturando áreas na região de Kursk.

A contaminação do rio rapidamente atravessou a fronteira e chegou à região ucraniana de Sumy, devastando o ecossistema natural do Seym. Os níveis de oxigénio na água caíram para quase zero, resultando na morte em massa de peixes, moluscos e lagostins. Kraskov foi alertado pelas autoridades sobre a catástrofe iminente e, a 11 de setembro, avistou os primeiros sinais de peixes mortos a boiar no rio. “No início, eram apenas alguns no meio do rio”, recordou. Uma semana depois, as margens do Desna estavam repletas de peixes em decomposição, cobrindo três metros de extensão. “O cheiro era insuportável. Mal se conseguia respirar. O rio estava silencioso, sem vida, exceto por alguns sapos”, descreveu.

Os habitantes locais, equipados com botas de borracha, máscaras e luvas, uniram esforços para recolher os peixes mortos e colocá-los em sacos, incluindo um bagre que media mais de um metro. Esses sacos foram transportados por tratores para um matadouro antigo da vila, onde foram enterrados numa vala improvisada. Serhiy Zhuk, chefe da inspeção ambiental de Chernihiv, afirmou que o que aconteceu foi um ato deliberado de ecocídio por parte da Rússia. “O Desna era um dos nossos rios mais limpos. Trata-se de uma catástrofe muito grande”, afirmou Zhuk, traçando no mapa a trajetória da mancha poluente que percorreu mais de 650 km. “Nenhum organismo sobreviveu. É o primeiro rio completamente morto da Europa”, destacou.

Zhuk afirmou que o Kremlin está a conduzir uma guerra total contra a Ucrânia, uma guerra que inclui a destruição do seu património natural. “Estão a lançar foguetes, a incendiar as nossas florestas e a ameaçar-nos com bombas nucleares. Podemos reconstruir uma ponte ou uma escola, mas a vida selvagem demora muito mais tempo a recuperar”, lamentou.

Em resposta à contaminação, as autoridades ucranianas proibiram atividades de pesca e natação, bem como o uso do rio para dar de beber ao gado ou irrigar plantações. Equipas científicas recolheram amostras de água a cada 15-20 km, e os resultados foram alarmantes. Na cidade de Baturyn, um antigo reduto dos cossacos, os níveis de oxigénio no rio caíram para zero a 29 de agosto. “Será necessário um longo tempo para o rio recuperar, e isso não acontecerá enquanto a luta continuar na região de Kursk, na Rússia”, alertou Zhuk. Até agora, foram recolhidas cerca de 44 toneladas de peixes mortos na região de Chernihiv, mas estima-se que haja muito mais submerso nas águas contaminadas.

Equipas de emergência têm utilizado compressores para bombear oxigénio nas águas do Desna, na esperança de salvar os poucos peixes sobreviventes. As recentes chuvas ajudaram a dispersar parte dos químicos tóxicos, e Zhuk acredita que estas medidas poderão evitar que a contaminação atinja a capital, Kyiv. No entanto, reconhece que o futuro é incerto. “Este é um ato de genocídio ecológico. A destruição russa da nossa natureza não cessará enquanto a guerra continuar”, enfatizou.

Nas margens do rio, Olga Rudenko, uma residente local, observava a situação com tristeza. “Esta é uma enorme tragédia ecológica. O rio tem um cheiro estranho”, comentou. Ela recordou que, no ano anterior, tropas russas destruíram o reservatório de Khakovka, na província de Kherson, causando inundações que devastaram aldeias e dizimaram a fauna. “Mais uma vez, é a Rússia a causar isto”, afirmou. “Costumávamos beber água da torneira e comprar peixe no mercado. Agora, não podemos.”

A ministra ucraniana da proteção ambiental, Svitlana Hrynchuk, assegurou que o abastecimento de água em Kyiv permanece seguro, graças a medidas especiais adotadas para eliminar os nitratos e a purificação da água antes de ser distribuída para consumo doméstico. “Não temos uma praga de peixes na região de Kyiv”, declarou.

Hrynchuk também referiu que o episódio é parte de um padrão mais amplo de destruição ambiental por parte das tropas russas. Desde a destruição de parques nacionais nas áreas ocupadas, a morte de animais, até a colocação de minas em milhares de hectares de floresta. “A Ucrânia está a lutar pelo seu futuro, e esse futuro tem de incluir a natureza. Precisamos de água limpa, ar puro, florestas – de tudo”, disse. “Temos um país bonito. Temos de salvá-lo e protegê-lo.”

Este desastre ambiental trouxe à memória do povo ucraniano a importância cultural do rio Desna. O cineasta soviético Oleksandr Dovzhenko, no seu romance de 1956, “O Desna Encantado”, descreveu o rio como uma parte vital da sua infância e das tradições ucranianas. Para Kraskov, que antes de ser presidente da câmara trabalhou na central nuclear de Chornobyl e ajudou a construir o sarcófago de betão que contém a radiação, esta situação representa mais um desafio. “Eu sei como enterrar substâncias perigosas”, afirmou com ironia. “E também sei como a burocracia funciona. Por isso, agimos rapidamente com os peixes mortos. Quando algo corre mal, os responsáveis procuram sempre um bode expiatório. É assim a nossa vida.”

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