O Governo português aprovou esta quinta-feira um pacote de medidas destinado a endurecer as regras para a atribuição da nacionalidade e reforçar o controlo das fronteiras. As decisões foram tomadas durante a reunião do Conselho de Ministros, que decorreu desde as 9h30, e foram apresentadas em conferência de imprensa pelo ministro da Administração Interna, António Leitão Amaro.
“O que estamos a fazer é um conjunto de alterações imprescindíveis ao tempo que vivemos, à realidade que Portugal enfrenta, e ao resultado de escolhas e transformações dos últimos anos”, afirmou o ministro. Leitão Amaro sublinhou que estas mudanças são norteadas por um princípio claro: “a regulação deve ser tanto firme como humanista.”
Reforço das exigências na atribuição da nacionalidade
Entre as principais novidades está o reforço das exigências para quem pretende adquirir a nacionalidade portuguesa. “Há claramente um reforço da exigência na ligação à comunidade nacional e ao país”, explicou Leitão Amaro, referindo que as propostas de lei serão entregues na Assembleia da República nos próximos dias.
O ministro explicou que as alterações procuram responder ao que descreveu como “sete anos de imigração descontrolada” e políticas que facilitaram excessivamente os processos de atribuição de nacionalidade e residência. Apesar disso, garantiu que as propostas respeitam “a Constituição e os valores humanistas” do país.
No caso dos descendentes de estrangeiros a viver em Portugal, será agora necessário que os pais tenham residência legal no país e que o tempo de permanência passe a ser de, no mínimo, três anos. Além disso, a nacionalidade deixará de ser atribuída “por defeito ou silêncio administrativo”, ficando dependente de um pedido formal e da manifestação de uma vontade positiva por parte do interessado.
Quanto à naturalização, o prazo mínimo de residência legal vai ser aumentado. Passará a ser necessário um mínimo de sete anos para cidadãos oriundos de países de língua portuguesa e dez anos para os restantes. “O prazo só começa a contar a partir do momento em que se obtém o título de autorização de residência”, precisou o governante.
Os candidatos à nacionalidade terão ainda de demonstrar um conhecimento suficiente da língua e da cultura portuguesa, bem como dos direitos, deveres e da organização política do Estado. Para isso, serão realizados testes. Além disso, será exigida uma declaração formal de adesão aos princípios fundamentais do Estado de direito democrático. “Não se trata de escolhas de governação do momento”, frisou Leitão Amaro, sublinhando que o compromisso com os valores do Estado de direito deverá ser duradouro e transversal.
Outra novidade relevante é a exclusão de candidatos com antecedentes criminais graves: não será atribuída nacionalidade a quem tiver sido condenado a penas efetivas de prisão, independentemente da duração da pena.
Fim do regime de naturalização para judeus sefarditas
O Governo decidiu ainda pôr termo ao regime especial de naturalização destinado a descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal durante o período da Inquisição. Segundo António Leitão Amaro, “este regime teve o seu tempo” e deixará de existir.
Este processo permitia, desde 2015, que milhares de pessoas de origem sefardita em todo o mundo obtivessem a nacionalidade portuguesa. O ministro justificou a decisão com a necessidade de ajustar o regime às atuais circunstâncias.
Restrições à naturalização por ascendência
Além do fim do regime para judeus sefarditas, o Governo introduz também restrições no acesso à nacionalidade por ascendência portuguesa, que até agora era considerada um “caminho com pouca restrição”. A naturalização passará a ser limitada até aos bisnetos de portugueses.
Perda de nacionalidade para crimes graves
Outra das medidas anunciadas é a introdução de um mecanismo legal que prevê a perda de nacionalidade para cidadãos naturalizados que tenham a nacionalidade há menos tempo e sejam condenados por crimes de elevada gravidade. A retirada da nacionalidade será sempre determinada por um juiz e aplicável a crimes com penas de prisão efetiva iguais ou superiores a cinco anos.
Os crimes abrangidos incluem homicídio, violação, ofensas muito graves à integridade física, bem como atos de extrema violência e agressividade contra pessoas, e ainda crimes contra o Estado.
Autorizações de residência prorrogadas até outubro
Leitão Amaro abordou ainda a situação das autorizações de residência que têm vindo a ser prorrogadas automaticamente e que terminariam a 30 de junho. O ministro explicou que o segundo semestre deste ano será o período para resolver estes casos pendentes e, por isso, haverá uma prorrogação até 15 de outubro.
Durante este prazo, a Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA) abrirá um canal de comunicação específico para que os interessados possam solicitar a renovação, pagar as taxas e dar início ao processo. Com esta medida, o Governo pretende dar “mais um passo num conjunto de medidas cuja orientação já era conhecida antes das eleições e consta do programa do Governo”.
Estas mudanças, afirmou o ministro, são “indispensáveis” para garantir fluxos migratórios mais regulados, sempre respeitando as exigências de humanismo e de dignidade das pessoas.
Criação de uma nova polícia de fronteiras
Em paralelo com a revisão da Lei da Nacionalidade, o Governo aprovou quatro novas leis relacionadas com a fiscalização da imigração. Uma das mais significativas prevê a criação de uma Unidade de Estrangeiros e Fronteiras integrada na Polícia de Segurança Pública (PSP), com a missão de reforçar o controlo das entradas no território nacional.
“Portugal tem de ter uma polícia que controle as fronteiras à entrada, que faça a fiscalização em todo o território e execute o retorno de quem não cumpre as regras”, defendeu o ministro.
Com esta proposta, o Governo rejeita a transformação da Agência para a Imigração e Mobilidade (AIMA) numa força policial e também descarta a recriação do extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). A aposta recai antes numa nova unidade especializada dentro da PSP.
Regras mais apertadas para reagrupamento familiar e vistos
Na Lei de Estrangeiros, o Governo introduz alterações para regular três canais de entrada: CPLP, reagrupamento familiar e vistos de procura de trabalho.
Quanto a estes últimos, os vistos para entrada em Portugal sem contrato ou oferta de trabalho só passarão a ser concedidos para “funções altamente qualificadas”. O objetivo, sublinhou o ministro, é um “redirecionamento dos fluxos para atrair mais talento”.
Nesse sentido, será negociado um regime com as universidades, para garantir “previsibilidade e agilidade” na atração de investigadores, professores e estudantes estrangeiros. A AIMA criará ainda um departamento de Talento para gerir este processo. “Precisamos de continuar a transformar a economia nacional numa economia mais assente em conhecimento e valor acrescentado”, afirmou Leitão Amaro.
Quanto ao reagrupamento familiar, que o ministro classificou como “a mais difícil de todas estas regulações”, haverá regras mais apertadas. Exige-se agora um mínimo de dois anos de residência para que seja possível o reagrupamento — o prazo máximo permitido pela diretiva europeia — e o pedido só poderá ser feito para menores. Para outros familiares, o pedido terá de ser feito a partir do estrangeiro e através de um visto.
Serão também reforçados os critérios relativos a alojamento adequado, meios de subsistência — que não poderão depender de prestações sociais — e medidas de integração, como o domínio da língua portuguesa e a frequência do ensino obrigatório.
Além disso, a AIMA passará a organizar a resposta a estes pedidos, alterando o atual regime de deferimento tácito.
O Governo mantém a dispensa de parecer da AIMA para os vistos da CPLP, mas será obrigatória a verificação dos sistemas de segurança. Deixa também de ser possível pedir em território nacional autorizações de residência CPLP com base em vistos de turismo — será necessário apresentar um visto consular prévio.
Outras decisões do Conselho de Ministros
Na mesma reunião, o Governo aprovou ainda o regimento do Conselho de Ministros, reintroduzindo uma reunião dedicada a assuntos de investimento e reforçando o acompanhamento do Executivo no processo de decisão europeu.
Foi também aprovado um novo código de conduta para o Governo, “em linha com o anterior”, com a manutenção do plano de prevenção de riscos.
Finalmente, foram feitas alterações em cargos de nomeação: Madalena Oliveira e Silva foi nomeada presidente da AICEP, e Luís Pedro Proença foi designado como novo chefe da missão militar de Portugal na NATO.














