Dados pessoais: posso recusar dar informação privada? Em que situações é legítimo pedirem-me morada ou número de identificação fiscal?

Nome, morada, estado civil… contacto telefónico, e-mail, contactos do cônjuge e dos filhos, e, no final, um inevitável “concordo com a política de privacidade” da empresa que lhe está a pedir os dados. A única certeza, seja em presença, seja online, é que não poderá aceder àquele serviço sem ceder quase tudo sobre a sua vida. Só falta mesmo pedirem-lhe a cor dos olhos e a presença de algum sinal no corpo.

Será legítimo ou, até, legal pedirem-lhe tantos elementos sobre a sua vida? Se pretende usar um serviço acedendo-lhe pela net – da leitura de um jornal online a uma compra de supermercado –, é confrontado com a observação “este site utiliza cookies”. O que significa isto? É muito simples: é um aviso prévio de que irão extrair-lhe dados. Os cookies, também conhecidos como “testemunhos de conexão”, servem para memorizar automaticamente as preferências dos utilizadores. Muitas vezes, o acesso ao site depende do consentimento do consumidor à entrada dos cookies na sua navegação virtual.

O melhor será ver exemplos práticos. São muitas as perguntas.

Ao inscrever-me num ginásio, perguntaram-me o estado civil. É legítimo?

Quem solicita dados pessoais deve ter sempre em conta que essas informações devem ser adequadas, pertinentes e limitadas a realizar o objetivo do serviço. Ou seja, deve haver uma razão válida para as pedir. Por isso, para se celebrar um contrato deste género, não é preciso saber se o cliente é casado ou não, nem a identidade do cônjuge, se existir. Dificilmente, aliás, um ginásio conseguiria justificar esta exigência, mesmo que invocasse o regulamento interno. A recolha desse e de outros dados pessoais no âmbito de uma relação comercial como esta não é uma determinação legal. Ainda assim, o consumidor pode estar disposto a partilhar essa informação e a permitir o seu tratamento, mas o seu consentimento deve ser obtido de forma expressa, consciente e livre. O consumidor pode até recusar conceder informações pessoais cuja finalidade não seja indicada de forma clara. E mesmo que já as tenha concedido, e depois as queira eliminar, está no seu direito. Estes princípios também são aplicáveis aos dados exigidos após a celebração do contrato. De qualquer modo, a finalidade do tratamento dos dados e as categorias de dados pedidas estão estritamente limitadas à execução do contrato.

Se recusar, o ginásio pode não me aceitar como sócio?

Como já vimos, a recusa de prestar informações relativas a dados pessoais ou de consentir o seu tratamento não deve ser motivo para impedir uma inscrição. Já perguntar se se padece de algum problema de saúde poderia ser legítimo, se contratássemos alguns seguros, por exemplo. O consumidor que se sentir lesado nos seus direitos pode apresentar reclamação no livro de reclamações tradicional ou eletrónico. E ainda expor a situação na plataforma Reclamar.

É legal pedirem-me o número de contribuinte para confirmar uma consulta médica?

Se pedirem, tem igualmente de ser justificado. Tendo em conta que a confirmação de uma consulta visa apenas a planificação da agenda do médico, em princípio, parece excessivo exigir esse dado pessoal. O mesmo já não se aplicaria se o clínico ou o consultório exigissem um contacto telefónico, por exemplo. Neste caso, esta informação corresponde a uma necessidade evidente.

A escola que publica as pautas das notas escolares no átrio está a cometer alguma ilegalidade?

As classificações dos alunos incluem, de facto, dados pessoais, como o nome completo ou o número de aluno, por exemplo. Mas, a bem do princípio da transparência, prevalece o dever de publicitar certos atos, porque há informações que devem ser conhecidas dos pares. A mesma lógica se aplica à publicitação de lista de alunos admitidos numa determinada escola. Porém, as pautas só podem ser publicadas nos locais indicados para o efeito, no interior da escola. E delas deve apenas constar a informação resultante da avaliação sumativa de cada aluno, e a data de afixação da pauta. No ensino básico, há informações que ficam reservadas exclusivamente ao encarregado de educação. Já a publicitação das pautas na internet em página aberta é manifestamente excessiva por motivos óbvios: alarga substancialmente o leque de destinatários dessa informação.

Mudei o crédito à habitação para outro banco. Posso exigir que o banco anterior apague os meus dados pessoais?

Os dados concedidos a um banco só poderão ser tratados pelo período durante o qual subsistir a relação comercial. Depois de o contrato terminar, o consumidor tem direito a pedir o apagamento dos dados. Mas a lei obriga os bancos a conservar a documentação relativa à sua relação com os clientes por determinados prazos, consoante a finalidade. Em geral, o prazo pode atingir os dez anos. No entanto, não poderá continuar a tratar esses dados após o pedido de apagamento. Depois do prazo legal, aplicado a cada situação em concreto, deve mesmo apagar todos os dados até aí guardados.

Como posso aceder aos dados associados ao cartão de fidelização do supermercado ou de uma gasolineira?

Pode aceder a esses dados gratuitamente e a qualquer momento, e esse acesso deve ser facilitado. Cada entidade cria os seus próprios mecanismos para aceder aos dados (através da área de cliente ou e-mail próprio, por exemplo), mas em última instância pode contactar o encarregado da proteção de dados da entidade em causa. As informações conservadas podem incluir não só dados que lhe dizem diretamente respeito, como nome, morada, contactos, mas também a frequência da utilização do cartão, os locais onde foi utilizado, os descontos de que usufruiu, entre outros.

Tenho recebido chamadas de um operador de telecomunicações a insistir para me tornar cliente, mas nunca dei qualquer consentimento para estes contactos. Onde posso apresentar queixa?

Trata-se do chamado “marketing direto”. Estas operações devem ser fundamentadas na existência de interesse legítimo e de consentimento. Pode também já ter sido cliente em tempos. Nesse caso, é legítimo que o contactem, desde que a ação diga respeito a produtos ou serviços semelhantes àqueles que tenham sido contratados no passado. O consumidor tem direito a opor-se, mas, enquanto não se manifestar claramente contra o fornecimento dos dados, é possível que continue a receber contactos. Se o consentimento expresso, informado, livre e fundamentado nos princípios de lealdade e transparência não foi recolhido, a lei exige que a empresa que o contacta o recolha. Os consentimentos para a utilização de dados pessoais para o marketing direto não devem ser ambíguos, nem pouco transparentes. O direito de oposição deve ser garantido tanto no momento da recolha de dados, como também a cada comunicação subsequente. Por isso, terá sempre o direito a recusar de forma fácil, intuitiva e gratuita quaisquer contactos. Se se opôs a receber mais contactos e continua a ser contactado, pode dirigir-se diretamente ao responsável pelo tratamento de dados (essa informação está disponível no site, por exemplo). Deve identificar-se previamente e solicitar expressamente o apagamento dos seus dados. Se não obtiver resposta no prazo de 30 dias, houver recusa injustificada ou considerar que os seus direitos não foram respeitados, pode apresentar queixa à Comissão Nacional de Proteção de Dados. Este procedimento é gratuito. Será útil juntar cópia do historial de pedidos.

Qualquer site que visite apresenta-me o aviso “este site utiliza cookies”. Em algumas situações, não consigo prosseguir se não aceitar. Que posso fazer?

Os cookies, ou “testemunhos de conexão”, servem para memorizar automaticamente as preferências dos utilizadores. Por vezes, o objetivo é, depois, transferir os dados obtidos para outras empresas, que os utilizarão para divulgar publicidade noutros sites que visitemos, por exemplo. Pode evitá-los seguindo a opção “aceitar apenas os cookies essenciais”, por exemplo, ou através de alguns programas que os impedem de rastrear as suas preferências.

A polémica com o pedido de dados pessoais nos Censos de 2021 foi notícia. O que originou o problema?

A polémica deve-se à forma como foram tratadas as informações relativas à saúde e à religião, que foram solicitadas nessa operação. A Comissão Nacional de Proteção de Dados considerou que o Instituto Nacional de Estatística não cumpriu os seus deveres de informação perante os cidadãos, que de forma maciça responderam aos questionários. Cabia-lhe informar clara e inequivocamente que aquelas categorias de dados pessoais são facultativas. Por não cumprir essa obrigação, os visados não puderam formar a sua vontade de forma consciente.

Se me exigirem cópia do cartão de cidadão no check-in de um hotel, posso recusar?

A reprodução do cartão de cidadão por parte de qualquer entidade, pública ou privada, só é admitida nos casos expressamente previstos na lei: decisão de autoridade judiciária ou consentimento livre do titular. Isto aplica-se independentemente de se tratar de uma fotocópia ou de qualquer outro meio, como uma digitalização, por exemplo. O mesmo se se aplica à retenção ou à conservação do documento. Do cartão de cidadão consta um conjunto de dados que permitem identificar o seu titular, logo, a sua reprodução pode conduzir à circulação dessas informações, e ao seu eventual tratamento. Quando lhe pedirem para o reproduzir ou o reter, seja a reprodução por que meio for, deve questionar a finalidade da operação, e o fundamento jurídico, que não pode ser vago. Deve ainda questionar se não existe uma alternativa à cedência destes dados pessoais. E essa alternativa deve ser exequível. No caso concreto do check-in de um hotel, onde ainda é prática corrente extrair cópia do documento de identificação sem qualquer justificação, é irrefutável que existem alternativas. Uma possibilidade viável na maioria das situações é, por exemplo, a extração de cópia, ocultando os dados que não sejam relevantes para o efeito. Quando estes direitos do titular não forem respeitados, pode apresentar queixa junto do Instituto dos Registos e do Notariado.

A utilização dos novos meios de identificação à distância não colide com a proibição de reproduzir o cartão de cidadão sem consentimento?

Esta forma de identificação tem vindo a ser cada vez mais utilizada. É frequente poder usar essa tecnologia para entrar no homebanking, por exemplo. O Banco de Portugal já esclareceu que o cumprimento dos deveres de identificação, por parte das entidades bancárias, pode ser feito através de vários meios alternativos: utilização eletrónica do cartão de cidadão com recurso à plataforma da administração pública, após autorização do titular; chave móvel digital; ou recurso a plataformas de serviços públicos. Por isso, fez apelo aos bancos para estarem preparados tecnologicamente de forma a utilizarem os meios de identificação digital. Isto significa que a utilização dos novos meios de identificação à distância surge até como uma alternativa, o que vai ao encontro da lei. Recorde-se que, nos termos e condições do site Autenticação.Gov, está expressamente previsto que o utilizador pode solicitar, a todo o momento, a revogação da chave móvel digital ou da assinatura qualificada. Desse documento também resulta que estão implementadas medidas de segurança que asseguram a separação entre as diversas bases de dados utilizadas pelos sistemas de informação. Porém, antes da adoção de qualquer nova tecnologia que possa pôr em causa os direitos dos cidadãos, é de extrema importância obter o acompanhamento e a aprovação das autoridades de controlo, como a Comissão Nacional de Proteção de Dados, por exemplo.

Como posso gerir cookies?

Pode configurar o seu programa de navegação para que recuse sistematicamente todos os cookies. Esta opção pode perturbar, ou mesmo bloquear completamente, certas páginas na internet. Para evitar ficar, simplesmente, sem acesso às páginas, configure o seu navegador de modo a eliminar todos os cookies depois de cada sessão. Estes cookies não podem identificá-lo com base na sua visita anterior. Terá, depois, de fazer login de cada vez que visita um determinado site. É sensato remover todos os cookies que acumulou ao longo do tempo. Infelizmente, os programas de navegação não sabem quais são úteis e quais não o são. Assim, pode acontecer que, ao fazê-lo, também apague alguns cookies úteis. Mas terá, apenas, de repetir operações que já estariam em memória, como ver as últimas páginas visitadas. Desta forma, todas as páginas da internet continuarão a funcionar normalmente. A questão é que, como o seu nome de utilizador não é memorizado, não o reconhecerão na sua próxima visita. Ou seja, terá de o inserir com mais frequência. Saiba ainda que as diversas páginas voltarão a pedir-lhe autorização para utilizar cookies em cada nova sessão.

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