Crianças e jovens em maior risco, pobres estão mais pobres e um em cada 10 trabalhadores não tem dinheiro: o retrato da pobreza em Portugal

A propósito de mais um Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinala esta quinta-feira, a Pordata, a base de dados estatísticos da Fundação Francisco Manuel dos Santos, divulga um conjunto de dados que retratam o atual panorama e a evolução da pobreza da população em Portugal, um dos desafios mais urgentes que o país enfrenta.

Este é um retrato que se centra nos dados sobre a pobreza e na sua evolução, mas também noutros temas que a influenciam diretamente, tais como o preço da habitação em comparação com o nível salarial em Portugal. Além disso, analisa-se também a posição portuguesa no contexto europeu.

Quais as principais conclusões?

A taxa de risco de pobreza teve uma ligeira subida, pela primeira vez em sete anos, de 0,6 p.p, passando de 16,4% para 17%, em 2022; que foi no grupo de crianças e jovens que a taxa de risco de pobreza mais se agravou, bem como nas famílias com crianças dependentes; que os pobres estão mais pobres, com o maior aumento da taxa de intensidade de pobreza da última década; que um em cada dez trabalhadores é pobre; ou que, no contexto europeu, o conforto térmico das casas é a dificuldade económica que faz Portugal destacar-se pela negativa, reportando a mais elevada proporção de pessoas a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida.

QUASE UMA EM CADA TRÊS FAMÍLIAS MONOPARENTAIS COM CRIANÇAS DEPENDENTES VIVE COM MENOS DE 591€ POR MÊS. AS CRIANÇAS E OS JOVENS MENORES DE 18 ANOS SÃO O GRUPO COM MAIOR VULNERABILIDADE.

De acordo com o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR), em 2022, 1,9 milhões de pessoas em Portugal encontravam-se em risco de pobreza, ou seja, viviam com rendimentos inferiores a 591 euros mensais. Este valor aumenta para 2,1 milhões de pessoas se se considerar a população que não tem capacidade financeira para adquirir bens essenciais (risco de pobreza e exclusão social).

A taxa de risco de pobreza após transferências sociais, que tinha vindo a descer após a crise financeira [com exceção de 2020, ano de pandemia], teve uma ligeira subida – pela primeira vez em sete anos, de 0,6 p.p, passando de 16,4% para 17%, em 2022.

Foi entre no grupo de crianças e jovens (menos de 18 anos) que a taxa de risco de pobreza mais aumentou (+ 2,2 p.p em relação ao ano anterior, situando-se nos 20,7% em 2022). É também este o grupo que evidencia maior vulnerabilidade, já que apresenta taxas de risco de pobreza superiores ao conjunto nacional (17%) e aos outros grupos etários (17,2%, entre as pessoas com 65 ou mais anos, e 16% entre os 18 e os 64 anos).

Mas, para além das faixas etárias, a pobreza não atinge os diferentes tipos de famílias por igual. São as famílias monoparentais com crianças e as pessoas que vivem sozinhas que apresentam maiores fragilidades – quase uma em cada três famílias monoparentais (31,2%) vive com menos de 591€ por mês, já incluindo as transferências sociais recebidas. Foi também nesta composição de famílias que se registou o maior aumento de um ano para o outro (de 3,2 p.p.). Em praticamente todos os diferentes agregados domésticos com crianças dependentes se registou um agravamento na taxa de pobreza de um ano para o outro (excetua-se a categoria ‘Outros agregados com crianças dependentes’ onde a taxa diminuiu 0,8 p.p.).

OS POBRES ESTÃO MAIS POBRES

Olhando para a intensidade de pobreza, verifica-se o maior aumento desde 2012: 3,9 p.p, situando-se nos 25,6% em 2022 (21,7% em 2021). A taxa de intensidade de pobreza mede a distância do rendimento mediano da população que está em risco de pobreza, face ao valor do limiar da pobreza, como percentagem deste último. Por outras palavras, mede a profundidade da pobreza. Em Portugal, metade dos pobres tinham, em 2022, um rendimento monetário disponível 25,6% abaixo da linha de pobreza e esta profundidade aumentou face a 2021.

UM EM CADA DEZ TRABALHADORES É POBRE, UMA REALIDADE QUE SE TEM MANTIDO PRATICAMENTE INALTERADA

A população desempregada é um grupo social especialmente vulnerável à pobreza. A incidência da pobreza neste grupo, que tinha diminuído entre 2020 e 2021, voltou a registar uma subida de 3,3 p.p. face a 2021, aliás uma das subidas mais elevadas da última década (com exceção do ano de pandemia) sendo a mais elevada entre a população portuguesa (46,7%), permanecendo assim o desemprego, como um dos principais fatores de pobreza.

Mas ter emprego não significa evitar a pobreza. A proporção da população empregada que vive em situação de pobreza diminuiu de 10,3% para 10%, e tem-se mantido próxima destes valores na última década. Haver um em cada dez indivíduos que apesar de ter emprego é pobre, deve ser encarado, a par dos valores de outros indicadores, como um fator de preocupação.

O PREÇO DAS CASAS MAIS DO QUE DUPLICOU FACE A 2015, ENQUANTO OS SALÁRIOS AUMENTARAM 35%

Um dos temas mais discutidos na atualidade prende-se com a subida dos preços das casas. Em 2023, Portugal viu mais do que duplicar o preço de compra das casas , comparativamente a 2015: 106%, valor acima do registado a nível da União Europeia, de 48%. Confrontando este aumento com a variação da remuneração média dos trabalhadores por conta de outrem, verificamos que, face a 2015, os salários em Portugal aumentaram 35%, muito aquém do aumento de 105% das casas.

UM EM CADA 4 INQUILINOS ESTAVA EM SOBRECARGA FINANCEIRA COM DESPESAS COM A HABITAÇÃO

Em 2023, 27% dos inquilinos estava em situação de sobrecarga financeira com as despesas com a habitação, valor que apresentou uma descida de 2,4 p.p. em relação a 2022. Isto significa que mais de um em cada quatro inquilinos gasta pelo menos 40% do seu rendimento com custos da renda da casa e água, luz e gás. Na UE27, a sobrecarga financeira com a habitação atinge um quinto dos inquilinos (20,8%) e, desde que há registos, nunca ultrapassou os 27,1%.

PORTUGAL TEM A 13ª MAIOR TAXA DE RISCO DE POBREZA OU EXCLUSÃO SOCIAL

Em Portugal, uma em cada cinco pessoas vive em risco de pobreza ou exclusão social. Entre os 27 Estados-membros da UE, esta é a 13ª maior taxa de risco de pobreza ou exclusão social, com Portugal logo abaixo de França e acima de Malta. A Roménia tem a taxa mais elevada (32%) e a Rep. Checa a mais baixa (12%).

Este indicador estatístico de população em risco de pobreza ou exclusão social combina indivíduos em risco de pobreza ou a viver em agregados com intensidade laboral per capita muito reduzida ou em situação de privação material e social severa. Por outras palavras, contabiliza as pessoas que enfrentam, pelo menos, uma destas três situações no seio familiar:

1. Pouco dinheiro face ao resto da população – risco de pobreza;
2. Pouco trabalho – intensidade laboral per capita muito reduzida;
3. Poucas condições de vida – privação material e social severa.

Segue-se o retrato de cada uma destas três situações:

17% é a proporção da população que fica abaixo da linha de pobreza fixada para Portugal, mesmo contabilizando as pensões resultantes de uma vida de trabalho e os apoios sociais distribuídos pelas famílias, seja para educação, habitação, doença, invalidez, desemprego ou combate à exclusão social.

Portugal tem a 11ª taxa de risco de pobreza mais elevada da UE, abaixo do Luxemburgo e acima de Malta. Letónia e Estónia partilham a taxa de risco de pobreza mais alta (22,5%). A Rep. Checa tem a mais baixa (9,8%).

Este ranking europeu deve ser interpretado com particular cuidado pois o valor da linha estatística da pobreza não é igual para toda a UE, variando de país para país. Por outras palavras, ser considerado pobre em Portugal não é o mesmo que ser considerado pobre no Luxemburgo ou na Bulgária. De facto:

• a linha da pobreza utilizada para chegar aos 17% da população portuguesa em risco de pobreza foi traçada nos €7.095 anuais. Dá uma média de €591 por mês, a décima mais baixa na UE.

• a linha de pobreza utilizada para chegar aos 18,8% da população luxemburguesa em risco de pobreza foi traçada nos €28.582 anuais. São €2.382 por mês, a mais elevada da UE.

• a linha de pobreza utilizada para chegar aos 20,6%% da população búlgara em risco de pobreza foi traçada nos €3.914 anuais. São €326 por mês, a mais baixa da UE.

Se olharmos para a intensidade laboral muito reduzida, verificamos que 6,3% da população do país com menos de 65 anos vive em agregados familiares com intensidade laboral per capita muito reduzida, ou seja, onde se trabalha menos de 20% do tempo possível.

Entre os 27 Estados-membros da UE, Portugal regista a 15ª maior taxa de intensidade laboral muito reduzida, posicionando-se logo abaixo da Letónia e da Bulgária e acima da Estónia. A Bélgica tem a taxa mais elevada (10,5%) e Malta a mais baixa (3,6%).

Por último, 4,9% da população vive em privação material e social severa. Isto significa que, por dificuldades económicas, falha, pelo menos, sete dos seguintes treze itens relacionados com a qualidade de vida das famílias e o bem-estar individual: 1) poder assegurar o pagamento imediato de uma despesa inesperada; 2) poder pagar uma semana de férias por ano, fora de casa; 3) evitar atrasos nos pagamentos regulares de rendas, prestações de crédito ou outras despesas; 4) poder ter uma refeição de carne ou de peixe de 2 em 2 dias; 5) poder manter a casa adequadamente aquecida; 6) poder dispor de automóvel; 7) poder substituir mobiliário usado; 8) poder trocar roupa usada por alguma roupa nova; 9) poder ter dois pares de sapatos de tamanho adequado; 10) poder gastar semanalmente uma pequena quantia de dinheiro consigo próprio; 11) poder participar regularmente numa atividade de lazer; 12) poder encontrar-se com amigos/familiares para uma bebida/refeição pelo menos uma vez por mês; 13) poder aceder à internet para uso pessoal em casa.

Portugal regista a 13ª mais elevada taxa de privação material e social severa da UE, a par da Dinamarca. A Roménia tem a mais elevada (19,8%) e a Eslovénia tem a mais baixa (2%).

No contexto nacional, são três as dificuldades económicas que afetam mais de 30% da população residente em Portugal:

• 39,8% das pessoas vivem em agregados sem capacidade financeira para substituir mobiliário usado;
• 38,9% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para pagar uma semana de férias por ano fora de casa;
• 30,5% das pessoas vivem em agregados sem capacidade para pagar uma despesa inesperada próxima do valor mensal da linha de pobreza, sem recorrer a empréstimo.

No contexto europeu, o conforto térmico das casas é a dificuldade económica que faz Portugal destacar-se dos parceiros europeus, pela negativa.

De facto, Portugal – a par da Espanha – reporta a mais elevada proporção de pessoas a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida. São 20,8% das pessoas, ou seja, uma em cada cinco sem dinheiro para aquecer a casa. No extremo oposto do ranking europeu, só 2,1% dos luxemburgueses reportam esta dificuldade económica.

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