Como a Y Combinator, campeã das “pequena tecnológicas”, se tornou a maior máquina de Silicon Valley

Por: Ainsley Harris, Fast Company

O único som, para além da chuva constante que bate nas janelas, é o do  trabalho de dois parceiros da YC numa cozinha subterrânea improvisada, onde praticam uma receita de frango e salgados para servir a um grupo de novos fundadores. Tal como milhares de aspirantes antes deles, estes fundadores terão 12 semanas para se prepararem para um alinhamento entre mercado e produto e para obterem o tipo de métricas de crescimento que impressionam investidores no Dia da Demonstração, lançando as bases para o estatuto de unicórnio e possível glória em Silicon Valley – sem pressão. O aroma suave do alho sobe.
Garry Tan, um ex-participante na YC (Verão de 2008) que foi nomeado presidente e CEO há pouco mais de um ano, entra numa sala de reuniões envidraçada numa das extremidades do espaço do tamanho de um salão de banquetes, um antigo estaleiro. No X, anteriormente conhecido como Twitter, Garry Tan é conhecido pelo seu optimismo tecnológico arrogante e pelas suas políticas incisivas (a esquerda de São Francisco é um alvo frequente). Mas ao vivo, a sua voz invoca vibrações ASMR. Só a energia latente na sua postura, ao sentar-se para a frente na cadeira, dá a entender a intensidade da sua personalidade online.

Garry Tan viajou para Taiwan durante as férias, mas não escapou exactamente à comunidade YC. «Acontece que todos estavam em Taipé», afirma, mencionando que encontrou o cofundador e CEO da Coinbase, Brian Armstrong, «numa loja de noodles baratos». (O investimento de 280 mil euros de Garry Tan na Coinbase, uma participante na YC de 2012 que ele apoiou pessoalmente através da sua empresa de risco, a Initialized, valia 2,2 mil milhões de euros na altura da cotação pública da Coinbase em 2021, um retorno estimado de seis mil vezes.)
Se olharmos para São Francisco hoje, vemos que a comunidade de fundadores de startups da YC, agora com 10 mil pessoas, é igualmente omnipresente. As empresas da YC dominam as actuais classificações de unicórnios (Stripe, Faire, Brex, Rippling) e lideram as classes de IPO (Airbnb, DoorDash, Dropbox, Instacart). A startup mais badalada da cidade, a OpenAI, é liderada por Sam Altman, o menino-prodígio transformado em homem de Davos que abandonou Stanford para participar no primeiro lote da YC em 2005, tornou-se um protegido do fundador da YC, Paul Graham, e foi presidente da aceleradora de 2014 a 2019. No Outono passado, quando Sam Altman foi brevemente afastado da OpenAI (que passou pela YC no Inverno de 2016), a sua administração escolheu outro pilar da YC, o ex-CEO do Twitch Emmett Shear, para servir como líder interino. Ao mesmo tempo, Brian Chesky, cofundador e CEO da Airbnb (Inverno de 2009), apoiou Sam Altman em público e em privado, em conjunto com dezenas de outros fundadores da YC. Em poucos dias, a rede YC ajudou a reintegrar Sam Altman como CEO da OpenAI.

Esse momento deveria ter servido como um sinal de que a YC se tornara a força mais poderosa no sector da tecnologia. A YC afirma que 5,5% das startups que participaram nela se tornaram unicórnios, uma taxa pelo menos duas vezes superior à de aceleradoras rivais como a TechStars e a 500 Global. No total, as empresas que a YC formou valem mais de 560 mil milhões de euros.
O sonho de Paul Graham de criar um «substituto para a empresa tradicional» inegavelmente funcionou: a entrada no programa funciona como um bilhete para transformar o “construir” numa carreira e o “fundador” numa profissão. Quem é que precisa de trabalhar numa grande empresa, quando a rede YC funciona como uma versão menos desgastante de uma empresa?
No entanto, quando Garry Tan assumiu o cargo em Janeiro de 2023, a YC sofria exactamente do tipo de inchaço empresarial que Paul Graham abominava. Começando com a liderança de Sam Altman em 2014, a YC expandiu-se para tudo, de financiamento em fases posteriores a lotes drasticamente maiores, transformando o que fora um processo bastante artesanal de nutrir startups incipientes num modelo de produção de fábrica uniformizado. Um excesso de investimento manteve a linha de produção a funcionar… até que esse dinheiro parou abruptamente em 2022. As taxas de juros mais altas levaram a quedas abruptas nas negociações de capital de risco e nas avaliações de mercado, colocando as startups sob mais pressão para mostrarem tracção e receita iniciais – ou morrerem.

Ao assumir o controlo, Garry Tan deixou claro que pretendia recuperar as raízes da YC e concentrar-se em servir os fundadores em fase inicial, e as suas medidas têm sido dramáticas. Reduziu o tamanho dos lotes do seu pico de 2022, de
403 empresas há dois anos para 261 actualmente. Está também a reconfigurar a organização para que os seus parceiros de grupo, que supervisionam as admissões e a orientação, sejam responsáveis pelas relações com os fundadores ao longo da vida de cada startup. «Queremos que esse parceiro de grupo seja o guia, uma espécie de pastor e bodhisattva», explica. «Literalmente, como ajudamos esta empresa a chegar à terra prometida?»

10 mil fundadores passaram pela YC. Dos que regressaram…
A Y Combinator transforma a criação de uma empresa num percurso profissional. É mais competitiva do que as faculdades de elite e é tão valiosa que muitos regressam para o fazer novamente.
Além disso, de forma algo controversa, Garry Tan fechou o braço de investimento multimilionário da YC para fases posteriores, despedindo assim os seus 17 colaboradores apenas dois meses após o início das suas novas funções. «A grande coisa que temos vindo a tentar fazer», declara, referindo-se a si próprio e ao conselho de administração da YC, que inclui Paul Graham, a sua mulher e colega fundadora Jessica Livingston, e Chesky, «é transformar a YC numa instituição com 100 anos de existência. No final, o que conseguimos descobrir foi que é demasiado difícil fazer duas coisas totalmente diferentes, e que a base da YC foi sempre esse processo de avaliação de lotes.»

É mais difícil entrar na YC do que em Stanford
Mas se Garry Tan está a fazer uma retirada táctica prudente daquilo que descreve como a era do “foie gras” do Silicon Valley, seria errado assumir que as ambições da YC diminuíram. «Adoraria que 25% ou 50% das empresas da YC se tornassem unicórnios, o que seria uma loucura», afirma. «Mas na verdade, se pensarmos no valor da comunidade, esta torna-se ainda mais valiosa para os outros quando isso é verdade.»
O que parece ser a criação de riqueza a partir do interior da máquina pode parecer consolidação do poder a partir do exterior. Os ensaios de Paul Graham, que datam de 2006, anunciam “o poder do marginal” e o valor do outsider. A YC continua a abraçar esta ideia. Mas, à medida que o programa de Garry Tan se expande para novas esferas de influência, incluindo os corredores do poder em Washington, D.C., aumenta o fosso entre um branding inteligente e a realidade concreta. Basta perguntar a qualquer pessoa que se atreva a meter-se no caminho de Garry Tan.
A história da ascensão da YC e a história da ascensão de fundadores em Silicon Valley estão tão profundamente interligadas que são efectivamente o mesmo. No início, a YC era simplesmente uma voz no deserto, transmitida pelas publicações no blogue de Paul Graham e discursos públicos. A primeira iteração do programa era pouco mais do que três meses de orientação improvisada e comunidade, além de dinheiro suficiente para cobrir as despesas básicas. (A YC pagava 5500 euros por fundador em troca de cerca de 7% de participação accionista.) Normalmente, os capitalistas de risco apresentavam aos empreendedores termos predatórios e expulsavam os fundadores das suas empresas.
Paul Graham e Jessica Livingston serviam-lhes chili todas as terças-feiras à noite. «Lembro-me de me sentir em casa»,
comenta Daniel Rhodes (Verão de 2008), que fundou uma startup de vídeo que aproveitou a popularidade do YouTube e passou a trabalhar para as empresas da YC Heyzap (Inverno de 2009) e Atrium (Inverno de 2018), um percurso habitual para os antigos participantes que utilizam as ferramentas de networking e contratação da YC.

«A YC vê-se a si própria como uma instituição de ensino que, por acaso, ganha dinheiro – mas, se sou económico, é também um mercado», diz Justin Kan, cofundador da Twitch, que passou quatro startups diferentes pela YC (um recorde) e que também foi parceiro durante três anos. Na sua opinião, a capacidade da YC para reunir tanto os melhores fundadores como os melhores investidores é a chave para o poder de permanência do programa. «Podemos ler tudo isto [sobre empreendedorismo] e fazê-lo sozinhos, se quisermos», nota, referindo-se a recursos como os ensaios de Graham. Mas Justin Kan observa que o “pacote” é um investimento muito melhor: «Obtém-se a formação, o networking e o acesso a um mercado de investidores.»
Para os fundadores que passam pelo programa, esses três componentes são muitas vezes indistinguíveis. Christina Cacioppo, cofundadora e CEO da plataforma de segurança e conformidade Vanta (Inverno de 2018) e ex-analista da poderosa empresa de capital de risco Union Square Ventures, sediada em Nova Iorque, descobriu que os ex-participantes não estavam apenas dispostos a apresentar as suas opções de venda, mas também ofereciam feedback.

«Lembro-me de enviar emails a fundadores – empresas que estavam bem, tinham coisas muito melhores para fazer – e eles respondiam», refere Christina Cacioppo, «e às vezes era do tipo: “Ei, acho que sei o que estás a tentar dizer neste email. Este email é mau.» Outro fundador sugeriu que ela começasse com uma demonstração do produto ao apresentar a Vanta.
Essas aprendizagens deram frutos. No ano passado, três quartos das empresas do lote da YC tornaram-se clientes da Vanta; a Vanta apresenta no seu website as ex-participantes na YC Bend (Verão de 2022) e Belvo (Inverno de 2020), e também case studies. Os investidores anjos da Vanta incluem Geoff Ralston, antigo CEO da YC, e Jared Friedman, managing director e parceiro de grupo da YC (Verão de 2006).
A YC é famosa por dizer aos fundadores para «criarem algo que as pessoas queiram», mas também vai um passo mais além, fornecendo-lhes um público receptivo para esse “algo” especial. O exemplo mais bem-sucedido desta estratégia é a plataforma de pagamentos Stripe (Verão de 2009), que recrutou os primeiros utilizadores do seu grupo de pares da YC. Outros exemplos incluem a Gusto (Inverno de 2012) e a Rippling (Inverno de 2017) com as suas soluções de pagamentos e benefícios, e a Brex (Inverno de 2017) com os seus cartões de crédito empresariais. (O público cativo da YC não garante o sucesso: a Atrium, a quarta empresa de Kan vinda da YC, que oferecia serviços jurídicos tecnológicos a startups, falhou na sua abordagem.)

Os benefícios podem acumular-se bem depois da formatura. O fundador em série Immad Akhund participou na YC como
parte do grupo do Inverno de 2009 como cofundador da Heyzap, uma empresa de jogos para telemóveis adquirida por 42
milhões de euros em 2016 por uma empresa de publicidade. A partir de 2017, passou dois anos a desenvolver o Mercury, um serviço bancário para empresas tecnológicas que se tornou popular, como previsto, entre as startups da YC. Cerca de metade de cada lote da YC torna-se cliente da Mercury.
Immad Akhund é também um investidor anjo. Conta que já apoiou cerca de 300 startups, incluindo pelo menos 100 participantes na YC. A Rippling e a Rappi (Inverno de 2016), considerada a DoorDash da América Latina, estão entre as suas maiores vitórias até à data. «Já investi em três das empresas do lote [actual]», constata, «e provavelmente vou acabar por investir em mais três ou quatro.»
Todos os investimentos de anjos implicam uma transferência bancária, o que leva Immad Akhund a pensar numa versão do Mercury para uso pessoal. Talvez não seja coincidência, dado que muitos dos fundadores da YC trabalham como anjos, a banca pessoal é também a funcionalidade mais solicitada ao Mercury no X.

Cada vez mais, os fundadores conseguem obter tudo o que precisam no interior da máquina. Uma plataforma social online chamada Bookface funciona como o centro digital da comunidade YC. Nela, fundadores veteranos trocam dicas sobre quais os escritórios de advogados a contratar e as empresas que subalugam espaço de escritório, enquanto os novatos tentam angariar vendas e investidores. (A YC também gere o Hacker News, um quadro de mensagens público ao estilo do Reddit; o Bookface é privado, só para os VIP.) O fundador Rob Hunter, um empreendedor em série que já geriu uma cadeia de gelatarias no Canadá, entrou na YC com a HigherMe (Inverno de 2015), uma ferramenta de contratação para restaurantes. Em 2020, Rob Hunter respondeu a uma publicação no Bookface de um antigo fundador da YC que procurava alvos de aquisição e, em seguida, vendeu a HigherMe a esse fundador por uma quantia de oito dígitos.
Agora, recorreu ao Bookface para o seu próximo projecto: uma holding de private equity dedicada a comprar empresas da YC que não crescem suficientemente depressa para atrair mais capital de risco. «A tese é que se trata de produtos fantásticos lançados por fundadores que talvez não queiram trabalhar durante os próximos três, quatro ou cinco anos, sabendo que já não vão ser um unicórnio», afirma. Após adquirir estes alvos, Rob Hunter planeia recrutar CEO – onde mais? – na família YC.

O criador original do Bookface não é outro senão Garry Tan. Não contente em simplesmente dar conselhos enquanto foi parceiro de 2010 a 2015, Garry Tan escreveu o código para o Bookface v1.0 (o nome refere-se a uma piada sobre o Facebook num episódio de “The Office”). Na altura, o tamanho dos lotes passara de algumas dezenas de startups para quase uma centena, e os fundadores tinham dificuldade em reconhecer os seus pares. Garry Tan está agora a contratar dois engenheiros para se concentrarem no produto a tempo inteiro.
Para Garry Tan, dedicar a sua vida às startups exigiu uma conversão quase religiosa. Criado por pais imigrantes, aceitou um emprego na Microsoft após se formar em Stanford em 2003. Ganhava 67 mil euros e comprou um Honda Accord novo. «Consegui o melhor apartamento alugado na zona chique de Seattle para poder ir beber martinis com os meus amigos às sextas-feiras e sábados à noite», disse ele a Jessica Livingston no ano passado, durante uma participação no seu podcast. «Arrependo-me de tudo isso, porque, no fundo, sabia que queria criar uma empresa, mas acabei por cair na armadilha.»

Garry Tan não ficou na empresa por muito tempo. Amigos de Stanford recrutaram-no para a Palantir, onde se tornou o colaborador n.º 10, escrevendo software complexo que lhe valeu várias patentes e até desenhando o logótipo da empresa. Mais tarde, começou a trabalhar por conta própria com a Posterous, uma plataforma de blogues que simplificava as publicações. O Posterous participou no lote de Verão de 2008 da YC, e Garry Tan tem sido uma figura central na comunidade desde então. Muitas das primeiras fotografias da YC – Paul Graham com o seu pólo característico e calções de trabalho, rodeado de nerds jovens  – foram tiradas por Garry Tan. Em 2012, juntou-se a dois outros veteranos da YC, Alexis Ohanian (Verão de 2005) e Harj Taggar (Inverno de 2007), para lançar uma empresa de capital de risco, a Initialized Capital. O portefólio da Initialized inclui 27 unicórnios; 20 deles passaram pela YC. Quando Garry Tan descreve carinhosamente a YC como uma «comunidade que cria mais prosperidade», a descrição aplica-se certamente à sua própria riqueza e carreira.

«É uma espécie de Clube para Homens», diz ele, meio a brincar, quando lhe perguntam porque é o momento certo para ele liderar a organização. «Sabe, não sou apenas o presidente. Também sou um cliente.»
Apesar dessa boa-fé, o seu mandato como presidente e CEO da YC começou com um raro caso de dissidência pública no seio da rede. Quando Garry Tan fechou a operação da fase de crescimento da YC em Março de 2023, esta ainda tinha mais de 465 milhões de euros no seu arsenal, segundo uma fonte familiarizada com o assunto. (A YC contesta esse número.) Também demitiu os parceiros que ocupavam cargos de directoria em várias empresas do portefólio do fundo, e os afectados foram surpreendidos pela mudança. «Nada nessa decisão foi fácil», confessa Garry Tan.
Cerca de 10 empresas escreveram uma carta dizendo estarem «profundamente desiludidas», incluindo a Brex, um dos investimentos de destaque da YC. «A forma como tomámos conhecimento da decisão não foi a melhor», afirma Pedro Franceschi, cofundador e co-CEO da Brex. Os fundadores que tinham no seu conselho de administração parceiros que estavam de saída solicitaram que lhes fosse permitido manter os seus lugares, algo habitual quando os fundos encerram as suas operações. Garry Tan, apesar da sua experiência na direcção de uma empresa de capital de risco, parece não ter previsto tal pedido. Na Brex, o antigo parceiro do fundo, Anu Hariharan, continua a fazer parte do conselho de administração como observador.

Embora Garry Tan se considere um evangelista da criação de empresas – «Há muito mais pessoas no mundo que poderiam ser fundadores e que ficam presas a determinados percursos de vida», declara – por vezes, pode ser duro de uma forma que sugere que o que realmente lhe interessa é fazer as coisas à sua maneira. Em Setembro, Garry Tan teve conhecimento de comentários públicos do director de outra incubadora de empresas, Ali Partovi, CEO da Neo, em que este comparava desfavoravelmente o rácio fundador/mentor da YC com o da Neo. Garry Tan publicou uma série de tweets: «É bom haver concorrência. O que não é bom é quando concorrentes como a Neo difamam a Y Combinator dizendo que “a YC não oferece aconselhamento personalizado”», escreveu. «A Neo gosta de apresentar os seus spekers [sic] a tempo parcial como “mentores”, mas será que eles estarão lá daqui a cinco anos quando precisarem de horas de expediente ou de ajuda?» Quando lhe pediram para comentar, Ali Partovi respondeu: «A Neo é o programa pequeno e selectivo para talentos técnicos de topo que a YC foi em tempos. A YC continua a ser uma empresa extraordinária que serve milhares de aspirantes a fundadores, e é um negócio particularmente bom para equipas internacionais com menos acesso a capital.»

Os alvos de Garry Tan também se alargaram, acompanhando o seu despertar político e a mudança da YC de Mountain View para São Francisco. «Porque é que Garry Tan, o novo CEO da Y Combinator, o bloqueou no Twitter?», perguntava o San Francisco Examiner, depois de alguns peritos em tecnologia terem começado a fazer circular provas de que não podiam ver
as suas mensagens. Os bloqueios foram amplamente interpretados «como um aviso aos fundadores de que se estes preten-
dem obter fundos da sua empresa, então terão de apoiar as suas opiniões políticas ou manter-se calados nas redes sociais», como referiu uma mensagem na Hacker News. Lindsay Amos, directora sénior de comunicação da Y Combinator, afirma que as práticas de Garry Tan nas redes sociais não são diferentes das de outras pessoas com muitos seguidores. «Ele bloqueia comentários abusivos, inapropriados ou de ódio», explica. «O bloqueio não deve ser interpretado como um sinal de que os fundadores têm de ter as mesmas opiniões políticas que qualquer pessoa na YC. Esse sentimento é completamente falso.»

Tal como outras figuras proeminentes de Silicon Valley (ver Marc Andreessen e o seu “Manifesto Tecno-Optimista”), Tan ficou desencantado com certos aspectos da agenda liberal. Um autoproclamado democrata de centro-esquerda, envolveu-se profundamente nos esforços para resolver as crises interligadas de São Francisco –  habitação, toxicodependência e criminalidade – através de organizações como a GrowSF, onde faz parte da direcção com o seu cofundador da Posterous.
A versão de São Francisco que ele quer que os fundadores vejam é uma «cidade brilhante de muitas colinas», como ele diz, e é por isso que se envolveu nas recentes e bem-sucedidas campanhas de retirada de membros do conselho escolar e do promotor público progressistas da cidade. Agora, ele e outros ex-participantes na YC apoiam candidatos preferidos – incluindo o fundador da YC, Bilal Mahmood (Inverno de 2018) – para se oporem aos membros mais esquerdistas do conselho municipal.

Embora Sam Altman e outros ex-participantes tenham aplaudido o crescente activismo político de Garry Tan e da YC, nem todos os membros da comunidade são “aceleracionistas” tecnológicos ao estilo de Garry Tan. «Como uma mulher negra que nasceu em São Francisco – não, não somos a favor de todos os homens da tecnologia serem livres e viverem as suas melhores vidas em São Francisco», declara Phaedra Ellis-Lamkins, cofundadora da Promise (Inverno de 2018), uma plataforma de processamento de pagamentos para agências governamentais e serviços públicos, que deixa claro que ainda sente um forte apego à YC. «Para nós, a tecnologia é apenas uma ferramenta para melhorar a vida das pessoas, com as quais
nos preocupamos profundamente.»
Os membros da comunidade que conhecem Garry Tan há muito tempo apreciam o que descrevem como a sua autenticidade. «Ele quer mesmo que todos tenham sucesso», diz Christopher Golda, que passou pela YC com Garry Tan e que, depois do grupo, ficou no seu apartamento alugado em Mountain View. «As coisas que ele escreve no Twitter não são marketing.»
Contudo, com base nas contas humorística de Silicon Valley que amplificam as declarações mais agressivas de Garry Tan aos jovens fundadores, a sua fanfarronice digital é um marketing bastante eficaz. Numa noite tardia de Janeiro, Garry Tan disparou um post dirigido a sete supervisores de São Francisco, dizendo: «Morram devagar, seus merdas» e publicando os seus nomes.

Um seguidor que o apoiava pensou que Garry Tan poderia estar “com os copos”, e respondeu que sim. Tudo na brincadeira, parece ter dado a entender, partilhando uma fotografia do seu armário de bebidas privado no lounge de São Francisco, o Lion’s Den. “Garry Tan, Troll das Redes Sociais de SF. Ameaça no Twitter”, dizia a placa por baixo de garrafas de Balvanie e Macallan. Garry Tan rapidamente se desculpou, dizendo se referia à faixa de Tupac Shakur “Die Slow”.
Ao mesmo tempo que Garry Tan procura exercer o poder da YC em São Francisco, está também a fazer uma campanha nacional. Contratou o seu primeiro director de política pública: Luther Lowe, que passou mais de uma década na Yelp catalisando uma campanha global contra a Google e as suas práticas anticompetitivas. No Capitólio, considera que a missão da YC é defender as “pequenas tecnológicas”. Luther Lowe já usou a sua nova posição para lutar em nome da Beeper (Verão de 2021), uma aplicação de mensagens unificada que desafia como o iMessage da Apple exclui outros serviços, e Garry Tan convidou a presidente da FTC, Lina Khan, para falar com os ex-participante na YC no ano passado, descrevendo a sua conver-
sa como “produtiva”.
«Somos, idealmente, o antídoto para os grandes interesses empresariais que controlam tudo», explica, parecendo não ser muito diferente dos líderes das grandes tecnológicas que exaltam todos os proprietários de pequenas empresas nas suas plataformas.

Jason Kelly, cofundador e CEO da Ginkgo Bioworks, foi o primeiro recruta, ainda que relutante, de biotecnologia da YC, quando o programa abriu as suas portas, a pedido de Sam Altman, a startups de tecnologia pesada em 2014. A YC revelou-se transformadora para a empresa de biologia sintética, funda- da em 2008.
«Ensinou-nos um ritmo», diz, fazendo eco de outros fundadores e investidores que elogiam a capacidade da YC para ensinar a excelência operacional. O doutorado do MIT também aprendeu a angariar fundos. Antes da YC, a Ginkgo conseguira menos de 9,3 milhões de euros em doações em seis anos; em Março de 2015, um ano após se formar no programa, a Ginkgo estava pronta para anunciar 8,4 milhões de euros em financiamento da Série A. Em 2021, quando a empresa chegou à bolsa, atraiu 1,5 mil milhões de euros. «Podia andar por Boston durante anos a falar com toda a gente e não conseguir um euro, ou poderia ir a 40 reuniões depois da YC e angariar cinco milhões de euros», explica Jason Kelly. «Por isso, felizmente existe a atitude de assumir riscos e tudo o resto: a Ginkgo não existiria sem isso.»

A mudança da YC para a tecnologia pesada provou que o programa poderia acelerar com sucesso quase qualquer tipo de empresa, mas, hoje, a YC é agnóstica em vez de prescritiva sobre os tipos de empresas que espera ver inscritas. Durante o café Blue Bottle, numa manhã de Janeiro, o ex-CEO da Twitch, Shear, alisa a barba e observa que «não era fã das criptomoedas». No entanto, a YC financiou muitas startups de cripto, incluindo a aposta de Garry Tan na Coinbase, que mudou a sua vida. «E foi uma aposta certa», afirma, «porque era nisso que as pessoas inteligentes queriam trabalhar naquela altura.»
Shear é agora parceiro convidado da YC. Se ele estivesse no cargo durante o boom do cripto, explica, teria felizmente deixado de lado as suas dúvidas pessoais. «A maneira mais fácil de a YC morrer é decidir: “Sabemos que esta coisa das criptomoedas é uma moda passageira.”
E depois descobre-se que – ups! É o futuro da economia. É esse o erro. O erro é a arrogância.»

Esta perspectiva distanciada permitiu à YC financiar os sonhos mais loucos de Silicon Valley, do congelamento de cérebros à fusão nuclear. Também abriu caminho para startups dependentes de trabalho contingente (todas as aplicações de entregas) ou da exploração dos limites regulamentares (todas as empresas de cripto, para começar). «Quero que a YC seja um lugar onde, independentemente da ideologia, as pessoas possam prosperar e criar algo que os outros queiram», nota Garry Tan.
Agora, as pessoas inteligentes estão aparentemente todas a trabalhar em IA. Quase metade do actual lote utiliza a IA, indo do prático (Konstructly: “Tornar os pagamentos da construção mais eficientes”) ao misterioso (Artisan AI: “Criar os primeiros trabalhadores digitais semelhantes aos humanos, chamados Artisans”). A forte visão do mundo pró-tecnologia de Garry Tan demonstra a sua convicção de que pouco deve impedir o desenvolvimento da IA.
O mundo para o qual se vão formar no Dia da Demonstração parece muito diferente dos dias iniciais que caracterizaram a maioria da história da YC. Na plataforma de negociação secundária Forge, as avaliações do mercado privado desceram 20% no ano passado. A investidora Aileen Lee, que cunhou o termo “unicórnio” em 2013, estima que 60% dos 532 unicórnios de hoje são “ZIRPicorns”, com avaliações inflacionadas da vaga de 2020 a 2022 e o dinheiro a acabar. O unicórnio da logística Convoy, que a YC apoiou através do seu Fundo de Continuidade, faliu em Outubro do ano passado. Muitos dos nomes mais valiosos do portefólio da YC, da Stripe à Brex e à gigante da logística Flexport, estão a proceder a despedimentos ou a angariar fundos a preços mais baixos do que em rondas anteriores.

Se há uma coisa de que Garry Tan tem a certeza, é que os unicórnios de amanhã não se vão parecer com os unicórnios de
ontem. Ele reflecte sobre a possibilidade de uma empresa de IA atingir o estatuto de unicórnio com apenas um punhado de colaboradores (Sam Altman aventou recentemente a possibilidade de um unicórnio de IA com apenas um colaborador). Essas empresas precisarão da YC? Perto do local onde estamos sentados, na antiga sede da Juul, está a montar um estúdio de vídeo para os conteúdos da YC no YouTube (o canal de Garry Tan tem mais de 250 mil subscritores). Uma nova sala de
reuniões e um café acolherão o “Launch Bookface Live”, uma oportunidade semanal para os fundadores demonstrarem os seus progressos aos seus pares. «O espírito de construção é muito importante na YC», afirma Garry Tan. «Desde que
estejamos à volta disso e atraiamos essas pessoas, é só isso que importa.»
Ao fundo do quarteirão, a Gusto e a Astranis (Inverno de 2016) partilham um edifício. Em torres de apartamentos próximas, os fundadores da actual fornada vivem e trabalham em Airbnbs de 12 semanas. Do outro lado da cidade, os compradores da Instacart (Verão de 2012) e os motoristas de entregas da DoorDash (Verão de 2013) apressam-se a concluir as encomendas nas ruas onde outrora operavam os veículos autónomos da Cruise (Inverno de 2014). Não admira que Garry Tan, um homem empresarial numa cidade empresarial, se sinta em casa. 

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