Casos de crianças com comportamentos autolesivos estão a aumentar: “O bullying que existe nas escolas não é uma brincadeira”
As comissões de proteção das crianças e jovens estão a receber cada vez mais casos de crianças com comportamentos autolesivos, muitas delas vítimas de bullying nas escolas, alertou a presidente da comissão nacional.
“O bullying que existe nas escolas não é uma brincadeira”, alertou esta quarta-feira a presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ), Rosário Farmhouse, durante uma audição parlamentar na Comissão de Educação para analisar o dever de reporte das escolas face às suspeitas de violência sobre crianças.
Rosário Farmhouse revelou que as Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) receberam “um aumento enorme de comportamentos autolesivos, grande parte delas vítima de bullying, de qualquer tido de bullying, mas muito deste bullying que os pais não tem noção do que se está a passar, porque é mais invisível e só em casos extremados é que se apercebem”.
Farmhouse referia-se ao “bullying social”, dando como exemplos histórias em que todos os colegas da turma são convidados para uma festa menos um: “Ela percebe que foram todos a uma festa e ela foi excluída. E fazem-no sistematicamente”.
“O bullying social é mais invisível mas tem trazido consequências enormes nas crianças, principalmente com comportamentos autolesivos”, alertou, voltando a reforçar que o bullying é muitas vezes desvalorizado pelos próprios colegas, “que acham que é só a brincar”.
“Não é a brincar quando se faz um ato repetido, quando se exerce poder e quando a outra pessoa não quer, sejam humilhações, violência verbal ou física”, salientou.
Alguns destes casos chegam à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), que hoje também esteve no parlamento e disse receber em média oito denúncias por dia de famílias que se queixam de falta de apoio por parte das escolas quando sentem que os seus filhos são vítimas de um qualquer tipo de agressão.
“As crianças são confrontadas com formas perversas de violência dolorosas”, disse David Cotrim, da APAV, apontando como as situações mais comuns na escola a indisciplina em sala de aula, os comportamentos antissociais e delinquentes, o bullying e atos de agressão contra profissionais de educação.
Apesar das críticas, tanto a coordenadora nacional das CPCJ como o representante dos diretores escolares Filinto Lima, defenderam que são “casos pontuais” aqueles que não são reportados às autoridades.
No ano passado, as escolas denunciaram quase dez mil casos de crianças em perigo às comissões de proteção de menores: Houve “9.929 comunicações de perigo vindas diretamente das escolas”, disse Rosário Farmhouse, citando dados do relatório anual que será entregue ainda este mês no parlamento.
Este número revela um aumento em relação a 2022, quando houve 9.082 comunicações à CPCJ por parte de estabelecimentos de ensino, acrescentou a deputada Isabel Mendes Lopes, do Livre, partido que requereu a audição parlamentar de hoje.
Durante a audição, a presidente nacional das CPCJ aproveitou ainda para alertar para o modelo de proteção de dados que “muitas vezes protege os dados e não protege as pessoas”.
Farhmouse disse que tal como está desenhada a legislação, a comissão nacional acaba por ter muita dificuldade em ter acesso a informações básicas, mesmo “quando uma criança está desaparecida”.
Questionados por um tribunal sobre se existem processos a favor da criança desaparecida, “nós temos de dizer ao tribunal que escreva para as 312 comissões para saber se existe processo porque não temos acesso a isso”, lamentou a presidente, apelando a um modelo semelhante ao de outros países, onde “são bastante mais protetores das crianças”.
“As nossas plataformas correm o risco de serem vedadas pela proteção de dados de não termos este acesso transversal aos dados, respeitando na integra os dados das crianças, mas por uma questão de proteção das crianças termos acesso para as melhor proteger”, concluiu.