Aulas começam com “nuvem cinzenta”: Protestos e falta de professores preocupam pais e diretores. Sindicatos avisam que, sem recuperação do tempo de serviço, há mais greves prontas

O ano letivo começa esta semana na maioria da escolas portuguesas, entre esta terça e sexta-feira (12 e 15 de setembro mas, segundo revelam à Executive Digest sindicatos de professores, pais, encarregados de educação e diretores escolares, inicia-se com uma “nuvem cinzenta” que paira sobre o setor da Educação.

Grande parte desta ‘nuvem’, que tolda o que o ministro da Educação João Costa esperava ser um ano letivo “mais tranquilo e sereno”, é composta pela falta de professores, considerada já pela Fenprof como “estrutural”. À falta já verificada, a estrutura sindical explica, em entrevista à Executive Digest, somam-se outras agravantes, que a pouco e pouco se vão revelar.

Falta de professores e expectativas para arranque do ano pouco positivas
“Começamos já por ter, no arranque do ano letivo, 100 mil alunos que não têm o conselho de turma completo, ou seja com falta de professores. Vai ao encontro do que temos dito e os números são elucidativos… O ministro tinha dito este ano que havia 20500/20800 professores em reserva de recrutamento, os que estão a espera de eventualmente serem contratados para falhas. No ano passado foram contratadas para estas eventuais falhas, muitas delas para o ano letivo todo, 35 mil professores. Só aí são 15 mil a menos na reserva de recrutamento. Mas este ano ainda agrava: para além disto temos cerca de mais 15 mil alunos nas escolas. E depois temos um recorde de aposentação, até ao fim deste ano temos 3500 professores aposentados, e nos últimos 2/3 anos tivemos um aumento de 80% nas aposentações. E este é o panorama para os próximos anos”, indica José Feliciano Costa, secretário-geral adjunto da Fenprof, em entrevista à Executive Digest.

O responsável sindical explica que “vamos ter um ano, outra vez, com uma falta muito grande de professores”, e clarifica que já há grupos disciplinares, como o de Geografia, Informática, e mais três disciplinas “onde já não há professores dessa área profissionais, nem nas reservas de recrutamento”.

Questionado sobre se será uma evolução positiva face ao ano anterior, José Feliciano Costa indica que “será muito pior” do que no ano letivo anterior, perate as perspetivas que a falta de professores seja agravada “em janeiro e fevereiro, e também com eventuais baixas”.

Mariana Carvalho, presidente da Confederação Nacional
das Associações de Pais (Confap), partilha dos mesmos receios, e diz que a falta de professores “é talvez a maior preocupação da Confap, não só com a aposentação, mas também com professores que não estão na sua carreira.

“É necessária uma reflexão muito séria, e a criação de estratégias estruturadas para termos resultados efetivos”, explica a responsável à Executive Digest, sustentando que a Confap já levou o tema ao Ministério da Educação.

“A Confap gostaria de ter um ano letivo com estabilidade e tranquilidade é essa nossa expetativa, onde a escola possa ser lugar de crescimento de novas iniciativas e oportunidades. A nossa mensagem é de esperança e apelo ao entendimento acima de tudo. Percebemos que poderá não se verificar, por toda a conjuntura, e ‘ameaças’ que têm vindo a ser ditas, mas queremos acreditar que iniciaremos o ano letivo com tranquilidade”, relata Mariana Carvalho.

A Fenprof, por seu lado, calcula que “poderá haver jovens que vão ter o ano todo ou parte significativa deste sem professor a uma, duas ou três disciplinas”, algo que é considerado pelo sindicato como “grave”.

Já Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos de Escolas Públicas (Andaep), diz que o início do ano letivo “foi preparado ao mais ínfimo pormenor”, mas que ainda assim o problema de colocação de professores, sobretudo em Lisboa e Vale do Tejo e no Algarve continua a ser uma realidade.

“O problema não é que não há professores, é que não não concorrem a estas regiões em virtude do preço astronómico que é alugar uma casa aqui. Nestas duas situações as escolas poderão ter de usar a contratação a nível de escola, o último critério”, indica. É “expectável”, de acordo com Filinto Lima, que as aulas comecem com alunos sem professor a algumas disciplinas, sobretudo nas regiões já indicadas, mas o balanço só será feito no final da primeira semana se aulas, quando decorrem as reservas de recrutamento.

“O que pedia era que Ministério da Educação e sindicatos tornassem a renegociar. Foi a porta que Marcelo Rebelo de Sousa abriu, neste diploma sobre a carreira de professores”, assinala o responsável, em declarações à Executive Digest, referindo também preocupações com as greves, já convocadas por várias estruturas sindicais.

Greves e protestos marcam arranque do ano letivo…. e já de desenham mais no horizonte. Fenprof não abdica da recuperação integral do tempo de serviço

A Fenprof e as outras estruturas sindicais que integram uma plataforma conjunta já marcaram protestos e uma greve nacional para dia 6 de outubro, um dia depois do Dia Mundial do Professor. O Stop anunciou também greve nacional entre 18 e 22 de setembro, na segunda semana de aulas, e uma manifestação nacional no último dia de protesto, em Lisboa.

Perante esta realidade, diretores escolares, pais e encarregados de educação são unânimes em dizer que a situação do ano passado, com greves em catadupa, que prejudicaram as aprendizagens do alunos, não se pode repetir.

“O que se percebe é que paira uma nuvem cinzenta no sistema educativo, que tem a ver com o intenso braço de ferro que desde o ano passado existe entre o Ministério da Educação e os sindicatos”, começa por dizer Filinto Lima.

Já Mariana Carvalho, da Confap, dá voz ao que esperava: “O que queríamos era que os nosso filhos e alunos fosse acolhidos como merecem. O que ouvimos sobre greves à componente não-letiva, sem impacto direto nas aprendizagens dos alunos, aí vai de encontro ao que a Confap tem dito a essas estruturas sindicais. Já sobre o estilo de greve que decorreu no ano letivo anterior, não nos coadunamos com isso”, clarifica à Executive Digest.

A responsável diz que não é uma questão de receio de que a situação se repita, até porque, segundo defende, não pode mesmo verificar-se o mesmo cenário do anterior ano letivo.

“Nós não podemos repetir os mesmos problemas: é inaceitável, completamente inaceitável! Seria o 5.º ano letivo consecutivo dos nosso alunos sem um ano de aulas digno. Não podemos aceitar que isso seja realidade. Tivemos três anos de pandemia, um ano de greves e instabilidade, não podemos ter mais um. Alunos que vão agora para o 5.º ano nunca conheceram um ano letivo normal”, lamenta a presidente da Confap.

A Fenprof assinala que o “problema complicado” da falta de professores é já “estrutural” e que muito se deve à desvalorização da carreira docente, “envelhecida e pouco atrativas para os jovens”.

“É um problema que queremos ver resolvido, mas só acontece com uma carreira devidamente valorizada, se não a escola publica vai por aí abaixo. A falta de professores agrava-se de dia para dia e não sei como será…”, reflete José Feliciano Costa.

Filinto Lima critica que os sindicatos estejam de “costas voltadas”, com “uma plataforma que faz algo, e uma estrutura que faz uma coisa diferente”, e que este “divisionismo sindical prejudica a luta dos professores”, mas concorda que é necessária uma revalorização da carreira docente. E para isso é claro: a negociação da recuperação do tempo integral de serviço congelado aos professores é ponto assente, que poderia resolver todos os problemas.

“Uma nova negociação em torno dos 6 anos 6 meses e 23 dias, que os colegas dos Açores e Madeira conseguiram, a totalidade do tempo em que estiveram congelados na sua progressão, era um sinal para o interior da escola. Motivava os atuais professores e era também um sinal para o exterior da escola: iria atrais os nosso jovens para a que é, para mim, a mais bonita carreira de entre todas as profissões”, adianta à Executive Digest o presidente da Andaep.

Já hoje a Fenprof vai levar a cabo uma iniciativa de colocação, em escolas de Norte a Sul, de pendões com mensagens relativas às reivindicações dos professores, “para alegrar” as entradas dos estabelecimentos de ensino.

O trabalho de mobilização para a greve de dia 6 de outubro “vai decorrer durante todo o mês de setembro”, mas as atenções da Fenprof estão acima de tudo concentradas na retoma das negociações da recuperação integral do tempo de serviço congelado aos professores. No início do mês foi entregue proposta ao ministro da Educação, que até agora ainda não teve resposta.

“Vamos aguardar. Se o Ministério da Educação estiver na disponibilidade para iniciar um processo de negociação sobre esta questão do tempo de serviço, reconsideraremos as formas de luta”, sublinha José Feliciano Costa. Ou seja, se a tutela estiver disponível para dar mote a esta discussão, as greves e protestos ainda podem ser travados. Caso tal não aconteça, a Fenprof explica que, nas reuniões que teve de Plenário, Conselho nacional e Secretariado Nacional, ficou decidido que, se não houver vontade do Governo de avançar para esta negociação, irão ser convocadas mais greves “logo em outubro ou novembro”. “O que se prevê é o continuar da luta”, prevê o secretário-geral adjunto da Fenprof.

“Recordo que o Orçamento do estado (OE) está prestes a ser apresentado e, a ir ao encontro do que queremos, tem de se iniciar já a negociação, porque para haver recuperação do tempo de serviço, têm de estar previstas verbas para isso no Orçamento”, avisa José Feliciano Costa.

Filinto Lima direciona o apelo ao ministro das Finanças, Fernando Medina. “Isto necessariamente mexe com dinheiro, investimento em recursos humanos. O meu apelo é que o ministro das Finanças vire definitivamente o investimento para a escola pública, nos professores, pessoal não-docente, e que tenha ações concretas que dignifiquem a carreira docente”, sumariza, justificando que “a educação é o baluarte de qualquer Estado democrático”.

Mariana Carvalho, da Confap, apela ao entendimento entre sindicatos e tutela. “O que pedimos é que deixemos de lado, por uns temos, tudo o que não concordamos de todo, e vamos pegar no que se concorda para trabalhar. Pequenos passos podem significar grandes resultados – e há pontos em comum. Em vez de dizer não a tudo, vamos dizer pequenos sins. Pode até haver um final de negociação satisfatório para todas as partes”, diz esperançosa a representante dos pais e encarregados de educação.

“Veremos o que se passa até lá, que resposta o ministro dá”, continua a Fenprof, sobre a sua proposta de negociação. “Mas logo a seguir vamos de certeza ter uma iniciativa no dia em que ministro for à Assembleia da República apresentar o Orçamento do Estado para a educação e depois vamos analisar… Nada está posto de parte, greves, manifestações, concentrações,…”, sublinha José Feliciano Costa, alertando que a estrutura sindical não vai desistir da luta por esta reivindicação.

“Se o Ministro da Educação quer um ano idêntico ao que passou, é o que terá”, atira o responsável. “Mas esperemos que não”, termina o secretário-geral adjunto da Fenprof, em entrevista à Executive Digest

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