“Ato de ingratidão”: Comunidade Israelita de Lisboa critica Governo por fim da lei dos sefarditas

A Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) manifestou fortes críticas à proposta do Governo que prevê o fim do regime que permite a naturalização de descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV, acusando o executivo de ceder ao “populismo fácil”.

Revista de Imprensa
Setembro 2, 2025
12:07

A Comunidade Israelita de Lisboa (CIL) manifestou fortes críticas à proposta do Governo que prevê o fim do regime que permite a naturalização de descendentes de judeus sefarditas expulsos de Portugal no século XV, acusando o executivo de ceder ao “populismo fácil”. Num parecer enviado à Assembleia da República, citado pelo jornal Público, a CIL defende que uma decisão desta natureza pode ser interpretada como “um ato de ingratidão e fechamento”, com impacto negativo na imagem internacional do país como “defensor dos direitos humanos, da justiça histórica e da tolerância”.

O documento, elaborado a pedido dos deputados no âmbito da discussão parlamentar sobre a alteração à Lei da Nacionalidade, foca-se exclusivamente na chamada lei dos sefarditas. A CIL contesta a “extinção abrupta” do regime e pede que este seja prolongado por, pelo menos, três anos, permitindo a conclusão dos processos em curso, que descreve como “extremamente morosos”. Sublinha ainda que “fazer terminar este regime com serenidade e dignidade é um imperativo de correcção institucional”, frisando que uma extinção imediata traduzir-se-ia num verdadeiro “ato de ingratidão” para com os descendentes de judeus expulsos.

No parecer, a comunidade judaica recorda que a expulsão e conversão forçada dos judeus sefarditas a partir de 1496 constituiu “um crime histórico de perseguição religiosa e étnica”, e sustenta que o tempo decorrido não elimina a “responsabilidade moral dos Estados modernos em reparar os danos causados pelos seus antecessores”. A CIL reconhece que a lei possa ter um termo, mas apenas de forma gradual e devidamente planeada, dentro da atual legislatura, de modo a assegurar previsibilidade e justiça no tratamento dos requerentes.

A organização admite que tenham existido abusos no regime, nomeadamente através da atuação da Comunidade Israelita do Porto, associada a alegados benefícios financeiros e a casos mediáticos como o do multimilionário russo Roman Abramovich, que obteve nacionalidade portuguesa ao abrigo da lei. Contudo, defende que eventuais irregularidades justificariam a revisão e melhoria da legislação, e não a sua eliminação. Propõe, por isso, maior rigor na fiscalização, critérios mais objetivos e mecanismos de controlo que garantam o cumprimento do propósito original da medida.

A CIL alerta ainda que Portugal se encontra perante uma escolha clara: “o caminho do populismo fácil, da cedência ao ruído mediático e da desresponsabilização” ou o da “coragem, da legalidade e da justiça”. No documento, acrescenta: “Fazer o que é fácil pode ser tentador. Mas fazer o que é certo é o que verdadeiramente distingue os estadistas dos meros gestores da conjuntura. O mundo observa. E, num tempo em que o antissemitismo cresce, também em Portugal, é imperativo que as instituições públicas demonstrem que a herança judaica é parte inseparável da identidade nacional e que a justiça não se suspende por conveniências políticas.”

Além da CIL, também o constitucionalista Paulo Otero respondeu ao pedido de pronúncia feito pelo Parlamento. Sobre as alterações previstas para a atribuição da nacionalidade a estrangeiros, que incluem períodos de residência mais longos (sete anos para cidadãos de países lusófonos e dez anos para os restantes) e a obrigatoriedade de testes de língua e cultura, Otero considerou que as regras estão em conformidade com a lei nacional e internacional, com a exceção da ausência de equiparação entre cidadãos da União Europeia e os de países de língua portuguesa.

Já em relação à perda de nacionalidade para naturalizados condenados por crimes puníveis com mais de cinco anos de prisão, o constitucionalista não vê obstáculos legais. No entanto, discorda da norma que estabelece a aplicação retroativa das novas regras a partir de 19 de junho, defendendo que, em nome da “confiança e segurança jurídica”, a lei só deve ser aplicada a partir da sua entrada em vigor.

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