As regras secretas e não escritas que conduziram António Costa à liderança do Conselho Europeu

Quando os cardeais escolhem um novo Papa após negociações de bastidores no Vaticano, emitem uma nuvem de fumo branco. Quando os líderes da UE se reúnem em Bruxelas para distribuir os principais cargos do bloco, publicam um comunicado de imprensa. Fora isso, os dois processos são notavelmente semelhantes.

Esta quinta-feira, os 27 líderes da União Europeia vão reunir-se em Bruxelas e deverão assinar os três cargos principais: desde terça-feira, Ursula von der Leyen da Alemanha, António Costa e Kaja Kallas da Estónia foram indicados pelos negociadores para os cargos mais altos na Comissão Europeia, no Conselho Europeu e no serviço de política externa, respetivamente.

As regras para eleger a nova liderança da UE não estão, em grande parte, escritas, refere o jornal ‘POLITICO’: à semelhança do conclave papal, baseiam-se em tradições de longa data e em acordos entre as partes.

Quando os líderes da UE resolvem a quem entregar os principais cargos europeus, só têm de “ter em conta” os resultados das eleições europeias, apesar de 373 milhões de cidadãos terem sido elegíveis para votar num dos maiores exercícios democráticos do mundo: seis negociadores de três grupos políticos – centro-direita, socialistas e liberais – já chegaram a acordo sobre o trio de líderes, esperando que os outros assinem o acordo ainda esta semana.

Para agravar a questão, existem muitas regras não escritas, salienta Steven van Hecke, professor de política europeia na KU Leuven – os líderes consideram a diversidade política, geográfica e de género dos candidatos. As regras “não estão escritas em nenhum dos tratados, mas tornam o quebra-cabeças muito mais difícil”, acrescenta Van Hecke.

Para os 27 líderes, o primeiro objetivo informal que pretendem é o equilíbrio político – e este é o único lugar onde os resultados das eleições na UE desempenham realmente um papel, embora informalmente.

O maior grupo político após as eleições na UE – atualmente o Partido Popular Europeu, o partido de Von der Leyen – apresenta um candidato para se tornar presidente da Comissão Europeia. Esta ideia de um Spitzenkandidat, ou candidato principal, deverá ajudar os eleitores europeus a ter uma influência mais direta sobre quem irá liderar a Comissão. Os socialistas, o segundo maior grupo, nomearam então Costa como presidente do Conselho Europeu, enquanto os liberais reivindicaram o cargo de política externa para Kallas.

Nem sempre é assim. Em 2019, o principal candidato do PPE, Manfred Weber, foi firmemente rejeitado pelos líderes da UE, apesar de pertencer ao maior grupo após as eleições. Desta vez, Von der Leyen não concorreu a um assento no Parlamento Europeu, pelo que mesmo os alemães não puderam votar diretamente no principal candidato do PPE.

O presidente do Parlamento Europeu é escolhido pelos 720 legisladores europeus. Mas, na prática, esse cargo também é levado em consideração pelos líderes na divisão dos cargos de topo. O objetivo é dividir o mandato de cinco anos pela metade, permitindo que a atual presidente Roberta Metsola (PPE) continue por 2 anos e meio e depois entregue a um socialista.

O segundo fator informal a ter em conta é a geografia.

Os quatro principais cargos da UE deveriam ser divididos igualmente entre as diferentes regiões do bloco. No plano atual, tanto Costa como Metsola (que vem de Malta) representam o Sul. Von der Leyen é originária da Alemanha, enquanto Kallas, da Estónia, garante um lugar para o Leste. Este pacote também proporciona um equilíbrio entre os países membros da UE, menores e maiores, e entre os Estados-Membros mais antigos e os mais novos — critérios que são menos importantes do que o equilíbrio geográfico global, mas ainda assim tidos em conta.

Em teoria, cada quebra-cabeças de cargo importante começa do zero. Mas os líderes conhecem a sua história: por exemplo, desta vez teria sido difícil reivindicar outro cargo de topo para um político belga ou luxemburguês, tendo em conta os cargos de topo o Benelux teve (a Bélgica teve dois presidentes do Conselho Europeu, Herman van Rompuy e Charles Michel, o luxemburguês Jean-Claude Juncker era o chefe da Comissão e o primeiro-ministro holandês cessante, Mark Rutte, acaba de conquistar o cargo mais importante na OTAN).

Uma terceira regra não escrita é o equilíbrio de género. No passado, isto muitas vezes se resumia a garantir que pelo menos uma mulher fosse incluída no pacote de empregos de topo. No plano atual, seriam três mulheres e um homem.

Desta vez, surgiu um quarto indicador informal: será que eles gostam um do outro?

A relação notoriamente má entre Von der Leyen e Michel não é algo que os líderes queiram que se repita. As tensões entre Von der Leyen e o chefe da política externa da UE, Josep Borrell, são menos evidentes – mas tornaram-se visíveis quando a dupla discordou sobre como lidar com a guerra no Médio Oriente.

António Costa tem uma boa relação de trabalho com quase todos os líderes da UE, incluindo Von der Leyen.

Dito isto, o PPE e os socialistas discordaram sobre o tempo que Costa serviria. O mandato do presidente do Conselho é oficialmente de 2,5 anos e depois tem de ser renovado pelos líderes da UE: cada presidente do Conselho até agora teve dois mandatos.

No entanto, o PPE queria dividir o cargo, para potencialmente trazer um líder do PPE para a segunda metade do mandato – para grande ira dos socialistas. Os seis negociadores concordaram agora que “no que diz respeito ao segundo mandato do presidente do Conselho Europeu, a intenção é seguir a prática bem estabelecida”, sustenta um diplomata da UE.

Uma regra final não escrita é quem deve arbitrar o processo. Em teoria, cabe a Michel liderar as negociações. Quando os líderes da UE se reuniram na semana passada, era óbvio que ele estava a ser marginalizado. “Ficou claro desde o início que os líderes iriam resolver isto com as próprias mãos, em vez de deixarem isto para Michel”, sublinha uma fonte.

Agora, Michel apenas recebeu um acordo fechado dos seis principais negociadores, sobre o qual foi informado pelo presidente francês Emmanuel Macron (um dos seis). “A margem de manobra de Michel era muito limitada”, refere Van Hecke. “Este é o momento em que os países da UE querem usar a influência que têm sobre Von der Leyen, para garantir bons portfólios ou influenciar políticas.”

Também marginalizada está a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, que tem estado furiosa por ter sido excluída das negociações – embora Meloni tenha recebido relatórios de progresso antes e depois das negociações, ainda poderá protestar contra as negociações secretas quando os líderes se reunirem esta quinta-feira.

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