Às armas no feminino: Como a indústria militar da Ucrânia se tem adaptado à falta de homens
Na Ucrânia, enquanto muitos homens lutam na linha de frente contra as tropas russas, mulheres como Halyna Yavorska assumem papéis críticos na defesa do país. Yavorska, advogada de profissão, trocou o escritório pela linha de montagem de drones, que se tornaram essenciais para o exército ucraniano. “Quando o meu marido foi para a guerra, percebi que também queria ser útil. Ele é piloto de drones, e por isso, há cerca de um ano, decidi juntar-me à pequena produção de drones”, explicou Yavorska à imprensa.
Começando com uma produção de 70 drones mensais, a equipa cresceu de seis para 40 pessoas, das quais 10 são mulheres, conseguindo agora fabricar milhares de drones por semana. A decisão de Yavorska representa a resposta de muitas mulheres ao conflito, que, mesmo tendo permissão para deixar o país, escolhem permanecer e ajudar a sustentar a economia e o esforço de guerra.
O aumento da participação feminina na defesa
As mulheres estão a preencher lacunas em vários setores, desde a construção civil ao transporte rodoviário, mas é na defesa onde se observa um crescimento expressivo. Na Ukroboronprom, principal empresa estatal de defesa da Ucrânia, 38% da força de trabalho é composta por mulheres, e o setor privado regista percentagens ainda mais elevadas.
Para Yuliia Vysotska, diretora de vendas da Praktika, uma empresa que, antes da guerra, se dedicava à produção de cofres e vidro à prova de balas, a adaptação ao cenário de guerra foi rápida. Em 2009, a Praktika desenvolveu o seu primeiro veículo blindado, o Kozak, que agora é usado pelas tropas ucranianas na linha de frente. “Na altura, ninguém se interessou. Mas continuámos a trabalhar e, quando a guerra começou, soubemos como reorientar a produção rapidamente”, afirmou Vysotska.
Líder da Liga de Empresas de Defesa Ucranianas, Vysotska afirma que o clima de urgência no país deixou pouco espaço para preconceitos. “Nunca enfrentei nenhuma forma de sexismo nesta indústria. Temos uma mulher à frente da principal agência de aquisição de defesa e outra como vice-ministra das indústrias estratégicas… as mulheres ocupam diversos cargos, e penso que é discriminatório sugerir que devam ser tratadas de forma especial”, disse.
A necessidade urgente de trabalhadores
Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, a Ucrânia perdeu mais de 30% da sua força de trabalho — cerca de 5,5 milhões de pessoas — devido à mobilização militar, migração e ocupação de territórios. Este cenário levou à adaptação e resiliência das mulheres ucranianas, que tomaram a liderança em áreas tradicionalmente dominadas por homens.
“É crucial que as mulheres assumam um papel de liderança na economia do país. Os nossos homens protegem [a Ucrânia], e nós devemos ajudar, aprendendo novas profissões e adquirindo novas competências”, argumenta Yavorska, que agora trabalha à noite a soldar peças para drones. Apesar da dificuldade e do peso emocional, valoriza o trabalho que a mantém focada e útil, enquanto o marido arrisca a vida na guerra.
“É interessante. Aprendi a soldar. É difícil montar drones após o trabalho, mas ajuda-me a sentir útil e a não pensar constantemente no meu marido no campo de batalha. Acho que outras esposas de soldados deveriam fazer o mesmo para se distraírem”, sugere.
Resiliência e sacrifício em tempos de guerra
Valentyna, outra mulher a trabalhar na defesa, viu-se inesperadamente na linha da frente da resistência ucraniana. Presidente do conselho de uma empresa estatal de defesa, teve de interromper a licença de maternidade e, com a invasão, decidiu permanecer na fábrica que administrava, a qual abrigava cerca de 4.000 civis no seu abrigo antibombas. “Lembro-me do medo primitivo que senti ao ver o horizonte amarelo à noite. Estávamos a preparar-nos para parar o exército russo em Kyiv”, relembra.
Mesmo com o cerco à área, a produção continuou, e a escassez de alimentos tornou-se uma preocupação real. Com apenas um ovo por dia para partilhar entre alguns trabalhadores, Valentyna enfrentou dificuldades enquanto vários especialistas do setor, incluindo o seu próprio adjunto, se voluntariavam para combater, sendo substituídos por mulheres e reformados.
Hoje, grande parte da sua equipa é composta por funcionários idosos, cujo conhecimento técnico é indispensável. “O meu pessoal atual é, na maioria, bastante sénior. Sim, é difícil para eles, mas a sua experiência é inestimável, mesmo com alguns a ultrapassarem os 80 anos”, diz Valentyna.
Esperança e determinação
Após a retirada das forças russas de Kyiv, a vida na fábrica estabilizou, mas Valentyna continua a dormir frequentemente no escritório devido à carga de trabalho. Assume a responsabilidade de prover para o seu filho, que tem necessidades especiais e só consegue ver aos fins de semana, graças à ajuda da sua mãe.
Apesar das dificuldades, Valentyna destaca a importância do trabalho para a segurança do país. “Precisamos de aprender a fazer armas de qualidade, armazená-las bem e respeitá-las. As armas garantem a preservação das nossas vidas e de pelo menos mais uma geração, garantem que não nos ataquem. Afinal, o mais importante na vida é uma arma”, afirma.
Até que a segurança seja restaurada na Ucrânia, Valentyna mantém os seus planos pessoais em suspenso e está determinada em ajudar a proteger o país, reforçando a importância de uma indústria de defesa sólida e segura.
A participação feminina nas indústrias de defesa da Ucrânia tornou-se um símbolo de resiliência e resistência, com as mulheres a desempenharem um papel essencial na luta pela liberdade e na reconstrução do país.