«Estabilidade e capacidade de aprendizagem» são duas características que têm marcado a sua carreira, diz Manuel Maria Correia, atual CEO da DXC para a região da Escandinávia. O caminho percorrido pelo português até à Europa do Norte começou na IBM, onde esteve nove anos. «Na altura, a empresa estava em grande transformação, e começaram a contratar muitos jovens. E, de repente, começaram a precisar de novos líderes», conta à Executive Digest. Três anos depois de entrar na multinacional, passa da engenharia, onde tem formação, para a gestão – que mantém até hoje – e começou a chefiar equipas de suporte, tinha então 25 anos. «Isso deu-me a oportunidade de aprender desde muito cedo todos os desafios de liderança.» Ainda na IBM passou para a área da consultoria e a seguir para a área comercial.
Saiu da IBM como diretor comercial da área de serviços para a concorrente HP. «O primeiro grande choque aconteceu logo no primeiro dia em que entrei na HP para fazer exatamente a mesma função. Aí aprendi que as empresas podem fazer exatamente a mesma coisa, o que era o caso, mas depois as culturas empresariais podem ser completamente diferentes. Adaptei-me e acabei por estar 20 anos na empresa.»
Nesse período, tal como tinha acontecido na IBM, também passou por várias funções. Esteve em serviços para liderar a área da hardware: «Foi uma aprendizagem muito boa do ponto de vista de valências comerciais». Mais tarde, foi responsável pela unidade corporativa em Espanha. Em 2013 recebe um convite para regressar a Portugal e ficar responsável pela área que, mais tarde, viria a dar origem à DXC. Recorde-se que a HP decidiu separar os seus negócios, um processo que demorou dois anos e que deu origem a quatro empresas – entre elas a DXC. Atualmente, vive um novo desafio como CEO DXC para a região escandinava. Uma mudança de funções, mas também de estilo de vida.
O QUE DIZ MANUEL…
O que significa, na prática, liderar os mercados nórdicos?
Sou responsável por uma região da Europa que na DXC chamamos de países nórdicos e que, neste caso, engloba os mercados da Suécia, Noruega e Finlândia, e também os países Bálticos, onde neste momento não temos negócio, mas que fazem parte da região.
Na verdade, estou na chamada fase de transição que durará mais uns meses, ainda venho algumas vezes a Portugal, mas tenho base em Estocolmo. E viajo muito. Num dia posso estar em Helsínquia ou em Gotemburgo, depende muito das reuniões com clientes ou com as nossas equipas.
Encontrou muitas diferenças na estrutura da empresa?
Encontrei uma equipa muito experiente, até mais do que aquela que tinha em Portugal, e um mercado com uma dinâmica completamente diferente: é muito mais global. Em Portugal, quando as empresas têm sucesso, a tendência é expandirem-se primeiro para Espanha ou para mercados próximos e só depois começarem a pensar em termos globais. Já as empresas da região escandinava nascem com vocação global. Isso está relacionado com o facto de, individualmente, cada país não ser muito grande, mas em conjunto, e somando ainda os países bálticos, a dimensão torna-se significativa.
São conhecidas várias marcas que nasceram nesses territórios e se tornaram globais, como a IKEA, a Volvo, a Ericsson ou a Nokia. Essa ambição internacional, presente logo na construção dos modelos de negócio, foi uma das maiores diferenças que notei. Tal como Portugal, também são países periféricos – só que na outra ponta da Europa. Mas é justo dizer que Portugal tem procurado encurtar essa distância e tem feito progressos.
Quantas pessoas gere na sua atual função?
Em Portugal, era responsável pela operação da DXC – que agora está a cargo de Adolfo Martinho, que já era da minha equipa –, ou seja, desempenhava funções de country manager, às quais, nos últimos anos, se foram somando algumas responsabilidades ibéricas. Atualmente, como responsável pela região nórdica, cada país tem o seu country leader, que é o representante legal da operação e que gere o negócio e as respetivas equipas. O meu papel é gerir essa equipa de liderança. A minha função é mais agregadora dos diferentes negócios e menos interventiva no dia a dia, embora naturalmente defina as orientações corporativas e, depois, a estratégia local para a região.
Quais as maiores diferenças de trabalhar nesses países?
Muitas vezes as perceções que temos estão erradas, e fui desconstruindo algumas delas. Há diferenças na forma como as pessoas pensam e como trabalham, mas, no final, todos têm o mesmo objetivo. Portanto, às vezes, essas diferenças estão mais na forma como as pessoas se tratam, naquilo que dizem e não dizem. São todos extremamente simpáticos, e isso acontece nos três países (Suécia, Noruega e Finlândia). Mas, fazendo um estereótipo do que fui encontrando, os finlandeses são um bocadinho mais difíceis de ler. O silêncio para eles é uma coisa importante, enquanto para nós, latinos, é uma coisa desconfortável. Se estiver a conversar com um português e parar durante 30 segundos começa a ser altamente desconfortante. Para um finlandês, é uma coisa perfeitamente normal. E é uma forma de respeito. Essas pequenas diferenças culturais têm um impacto na forma como as pessoas se relacionam. Mas, no final, quando depois começam as conversas de negócios, dos clientes, da estratégia, da pressão, não noto grandes diferenças.
E no que respeita à metodologia de trabalho? Geralmente, a produtividade é um dos pontos de comparação.
Temos a perceção de que são muito organizados e que trabalham todos muito bem, mas acho que não. São seres humanos como nós. Tem mais a ver com a organização da própria sociedade, que funciona bem. Numa empresa multinacional, os processos são iguais em qualquer país, a grande diferença está em como cada país executa esses processos. Diria que um português, ou um espanhol, italiano ou francês, olha para um processo e executa-o da forma que acha melhor. Já o sueco, norueguês e finlandês até pode achar que há outras formas, mas executa os processos como lhe disseram para fazer. E isso, no final, pode fazer uma grande diferença na produtividade e nos resultados. Claro que puxamos dos nossos galões e falamos do famoso “desenrascar” que não é mais do que tornar alguns processos mais flexíveis e isso às vezes dá resultado. Portanto, diria que não são melhores ou piores, há sim formas de abordagem diferentes. E, obviamente, o meu papel é trazer um pouco dessa flexibilidade para a mentalidade nórdica. Acredito que as diferentes visões nas equipas é o que traz valor.
E como é que tem sido a reação das equipas por terem um português a liderar?
Não é usual uma pessoa de Portugal ir para um país nórdico com este papel. Na verdade, se calhar, podemos ir à génese da coisa, isto acontece porque em Portugal temos uma operação que foi crescendo ao longo dos anos, com uma equipa fantástica, e esses resultados passaram a ser visíveis na companhia. Portanto, quando houve a oportunidade de escolher alguém para liderar aquela operação, o meu nome apareceu como consequência natural. Não por ser melhor ou pior, mas porque, de facto, tenho um track record com a equipa em Portugal, e querem fazer o mesmo tipo de trabalho nos países nórdicos.
Tem uma filosofia de liderança?
Acredito sempre que sou apenas o elemento agregador daquilo que é uma boa equipa e acredito que a diferença está sempre nas pessoas e na equipa. O meu impacto é diminuto, do ponto de vista do valor que acrescento. Portanto, e usando a metáfora do organizador do rebanho, tenho de dizer ao rebanho que há um caminho por onde temos de ir, um trilho que vamos descobrindo, e que sabemos qual é a direção. O que faço é ir usando esta filosofia, chamemos-lhe assim. Tendo a construir equipas fortes e de muita confiança.
Como é o seu dia-a-dia em Estocolmo?
Tem uma característica que para já é inevitável: muitas horas da semana são passadas em aviões, aeroportos e hotéis. Tenho um plano para diminuir essas horas, porque isso teve um impacto direto na minha vida. Em Portugal, usava-as para fazer exercício físico, que é uma forma de balancear stress. Há uns anos comecei a correr, primeiro distâncias de 5, 10 quilómetros, depois meia-maratona, depois a maratona, por volta de 2007. Em 2013 descobri o trail (corrida em trilhos), e as ultras maratonas que ainda faço. Mas depois houve ali uma altura, entre 2017, 2018, que comecei a fazer triatlo. Atualmente, é a coisa que mais gosto de fazer.
E já participou em algum desses desafios na Escandinávia?
Acabei de fazer uma prova, na Noruega, num total de 180 quilómetros, em montanha. É uma coisa espetacular, tem altitude, nada-se em lagos frios e a corrida feita em montanha. Mas perdi um pouco desse tempo que tinha para treinar e tive de adaptar a minha vida.
Como se gere agora para o fazer?
Tem a ver com organização e com o priorizar o que se quer fazer. Tenho este desafio de logística de muitas horas da semana terem desaparecido. Fui arranjando esquemas para manter essa rotina desportiva. Claro que quando há semanas em que viajo todos os dias para um país diferente, é impossível. Esse impacto existe, não escondo que exista, mas mesmo assim consigo. Portanto, não deixei de treinar e não parei completamente. E já tenho um próximo desafio: treinar ski nórdico.
Profissionalmente, qual é o maior desafio?
Ainda recentemente, em reuniões com alguns colegas, perguntaram-me quanto tempo pensava permanecer no cargo. Respondi: 10 anos, que é o tempo que falta até à minha reforma. Não sei se estarei mesmo esse período, mas quis deixar claro que não tenho a perspetiva de ficar apenas alguns anos. O meu compromisso é tomar decisões de médio e longo prazo. As escolhas que fizer agora terão impacto direto em mim e, por isso, terão que ser as melhores decisões. O meu desafio é que, daqui a 10 anos, possa olhar para trás e ver que a DXC cresceu, que se tornou uma marca de confiança e, então, ir para a reforma com o dever cumprido.














