Mais de 21 milhões de euros gastos pelos portugueses em novos medicamentos para a obesidade

Tirzepatida e semaglutido estão a ser adquiridos em larga escala, apesar de ainda não terem comparticipação do Estado.

Revista de Imprensa
Junho 2, 2025
10:15

Os portugueses gastaram mais de 21 milhões de euros, até abril deste ano, na aquisição de dois novos medicamentos injetáveis indicados para o tratamento da obesidade — um valor que ultrapassa largamente o total gasto em 2023 com os três fármacos anteriormente aprovados para esse fim. Os dados foram avançados pelo jornal Público com base em informações do Infarmed, revelando uma forte adesão à tirzepatida (nome comercial Mounjaro) e ao semaglutido (Wegovy), apesar dos custos elevados e da ausência de comparticipação pública.

A tirzepatida, produzida pela farmacêutica norte-americana Eli Lilly, foi aprovada na União Europeia para o tratamento da obesidade em dezembro de 2023, após já estar autorizada, desde 2022, para controlo da diabetes. Em Portugal, entrou no mercado a 1 de novembro de 2024 e destaca-se por ser o único medicamento contra a obesidade também indicado para diabéticos. Nos dois primeiros meses após o seu lançamento, foram vendidas 10.680 unidades, representando um custo de 2,6 milhões de euros nas farmácias. Já entre janeiro e abril de 2025, a despesa disparou para quase 20 milhões de euros, com a venda de 81.226 unidades. A dose mensal de manutenção (10 mg) custa cerca de 337 euros, enquanto a dose de 5 mg ronda os 244 euros.

Já o Wegovy, com a substância ativa semaglutido — a mesma do conhecido Ozempic, mas em doses superiores —, chegou às farmácias portuguesas a 7 de abril de 2025. Só nesse mês, foram adquiridas mais de 6800 unidades, totalizando uma despesa de quase 1,2 milhões de euros. A caneta injetável de 2,4 mg custa atualmente 244,80 euros.

José Silva Nunes, endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), considera os números expressivos, mas não surpreendentes. “As pessoas que sofrem de obesidade estavam ansiosas pela chegada desta nova geração de fármacos, que tem um grau de potência muito superior a todos os outros que existiam no mercado nacional até novembro de 2024”, afirmou ao mesmo jornal, sublinhando que estes medicamentos permitem perdas de peso na ordem das “dezenas de quilos”. A divulgação feita por médicos e o impacto das redes sociais, onde celebridades partilham experiências, contribuíram para o que descreve como uma “corrida às farmácias”.

Com mais de 2,3 milhões de adultos com obesidade em Portugal, Silva Nunes acredita que será necessário estabelecer critérios rigorosos de elegibilidade para a futura comparticipação dos fármacos. Recorda o compromisso da secretária de Estado da Saúde, Ana Povo, de realizar até ao final do ano um estudo de impacto económico para avaliar os custos da implementação de um regime de comparticipação. O especialista alerta ainda para o carácter crónico da doença e a necessidade de tratamentos prolongados: “Não é uma questão de força de vontade. Aquela história de ‘comer menos e mexer-se mais’ não funciona para todos.”

Carlos Oliveira, presidente da Adexo — Associação de Doentes Obesos e Ex-Obesos de Portugal —, também defende a urgência da comparticipação e promete pressionar o novo Governo da Aliança Democrática a cumprir a promessa feita. “Os números das vendas destes medicamentos mostram que há muita gente a precisar de ajuda”, disse, embora reconheça que parte da procura possa dever-se a tendências ou modas. Para Oliveira, a eficácia dos agonistas dos recetores GLP-1 é inquestionável. “Os outros medicamentos que existiam [como o Xenical] é como se não existissem”, sublinha. Enquanto presidente da Fendoc — Federação Nacional das Associações de Doenças Crónicas —, lembra que os custos da obesidade foram estimados em 1,2 mil milhões de euros em 2021 e que o investimento em tratamento pode traduzir-se em poupanças futuras em cuidados de saúde.

No entanto, a sustentabilidade financeira do sistema preocupa especialistas como Alejandro Santos, professor da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto. Numa simulação feita para o Público, estima que tratar 100 mil doentes com tirzepatida, à dose de manutenção e com os preços atuais, implicaria uma despesa de 1755 milhões de euros por ano. “Temos economia para pagar isto?”, questiona, lembrando que a tendência será tentar maximizar o número de pessoas abrangidas. Santos alerta ainda para os efeitos colaterais e para os riscos da perda excessiva de massa magra, com possível recuperação de gordura após cessação do tratamento. Para o académico, a prevenção continua a ser a melhor resposta, com alterações nos estilos de vida e reforço da educação alimentar desde a infância.

Também Carla Pedrosa, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas, defende uma abordagem integrada. Reconhecendo o impacto das novas terapêuticas, sublinha a necessidade de reforçar os recursos humanos no SNS e de garantir que os doentes tenham acesso a consultas multidisciplinares. Sobre a eventual comparticipação, considera que esta “terá que ser muito bem pensada”, de forma a assegurar que o benefício clínico justifica o custo envolvido.

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