O Governo decidiu retirar do projeto da nova Lei da Nacionalidade o regime transitório que previa a aplicação retroativa da legislação a partir de 19 de junho, data da discussão do Programa do Governo no Parlamento. A decisão surge após vários pareceres críticos, indicou o jornal ‘Público’, e visa evitar o mesmo impasse constitucional que travou a primeira versão da Lei dos Estrangeiros.
O debate regressa esta quarta-feira à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde o Executivo tentará garantir consenso político antes da votação final.
Segundo o jornal diário, o Executivo optou também por uniformizar o período mínimo de residência legal exigido para pedir nacionalidade, fixando-o em sete anos tanto para cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) como para nacionais da União Europeia. Para os restantes estrangeiros, o prazo proposto será de 10 anos.
Segundo a ‘SIC Notícias’, o Governo mantém, contudo, a possibilidade de perda de nacionalidade para quem cometa crimes muito graves, medida que continua a dividir os constitucionalistas. O diploma preserva ainda a obrigatoriedade de um exame de língua portuguesa e de conhecimento dos princípios constitucionais do Estado de direito, além de estabelecer que o prazo de residência só começa a contar a partir da data da atribuição do título de residência legal.
Constitucionalistas divididos sobre perda de nacionalidade
Entre os pareceres enviados à Assembleia da República, o tema mais controverso continua a ser a perda de nacionalidade. Juristas como Paulo Otero, Jónatas Machado, Carlos Blanco de Morais e Catarina Santos Botelho entendem que a sanção, se aplicada por decisão judicial, respeita a Constituição. Já Miguel Nogueira de Brito, Jorge Reis Novais, Ana Rita Gil e Inês Ferreira Leite, bem como a Ordem dos Advogados e o Conselho Superior da Magistratura, consideram a norma inconstitucional.
O constitucionalista Jorge Miranda, considerado o “pai” da Constituição, foi mais longe ao apontar várias inconstitucionalidades e possíveis ofensas aos princípios da igualdade, proporcionalidade e universalidade, além de um potencial atentado à dignidade da pessoa humana, valor que sustenta a República Portuguesa.
Impactos diretos para os imigrantes
Na prática, a eliminação da retroatividade retira a possibilidade de milhares de imigrantes verem contabilizados automaticamente períodos de residência anteriores à nova lei, o que pode atrasar o acesso à cidadania portuguesa. Por outro lado, a equiparação entre cidadãos da CPLP e da União Europeia é vista como uma medida de equilíbrio diplomático, mas também como uma forma de aumentar a exigência para nacionais de países lusófonos, que antes beneficiavam de maior flexibilidade.
A introdução de critérios mais rígidos quanto ao início da contagem de residência legal poderá ainda dificultar a regularização de quem vive há vários anos em Portugal mas só obteve estatuto legal recentemente, levantando preocupações entre associações de migrantes.
Fiscalização constitucional em aberto
Resta saber se o Presidente da República seguirá a mesma linha que adotou na Lei dos Estrangeiros, enviando o diploma para fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional. Marcelo Rebelo de Sousa já admitiu que poderão existir matérias “que não são patentemente inconstitucionais”, mas que merecem o crivo do Tribunal “para garantir uniformidade na interpretação da lei”. Esta quinta-feira o Presidente vai anunciar a sua decisão.













