Lagarde alerta para “crise existencial” na Europa e exige reformas urgentes para recuperar competitividade

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, lançou um dos mais duros alertas dos últimos anos sobre o estado da competitividade da União Europeia, defendendo que Bruxelas tem de agir rapidamente para eliminar barreiras internas que continuam a bloquear inovação, produtividade e investimento no espaço comunitário.

Pedro Gonçalves
Dezembro 10, 2025
12:45

A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, lançou um dos mais duros alertas dos últimos anos sobre o estado da competitividade da União Europeia, defendendo que Bruxelas tem de agir rapidamente para eliminar barreiras internas que continuam a bloquear inovação, produtividade e investimento no espaço comunitário. As declarações foram feitas numa extensa entrevista ao Financial Times, publicada esta quarta-feira.

Apesar de considerar que a economia da zona euro demonstrou “resiliência” perante choques económicos e geopolíticos recentes, Lagarde argumenta que o bloco permanece longe do seu verdadeiro potencial. “Estamos bastante próximos do potencial, mas há muito a fazer para melhorar a produtividade na área do euro”, afirmou.

A presidente do BCE apontou o dedo às barreiras internas impostas pelos próprios Estados-membros, designando-as como “tarifas autoimpostas” que distorcem o funcionamento do mercado único.
Segundo estimativas do BCE citadas por Lagarde, essas barreiras equivalem a uma tarifa efetiva de 110% sobre serviços e 60% sobre bens comercializados dentro da União Europeia — valores que classificou de “estonteantes”.

“Temos uma arte especial em fazer isto a nós próprios”, declarou, sublinhando que a fragmentação regulatória continua a condicionar a circulação de bens e serviços em mercados que, teoricamente, deveriam operar de forma integrada. “Estamos a restringir o tráfego de bens e serviços entre Estados-membros que se supõe fazerem parte de um mercado único. E isto é o que precisamos de resolver — e precisamos de o resolver rapidamente.”

Lagarde acrescentou que muitos destes entraves resultam de normas nacionais que excedem aquilo que Bruxelas exige. “Toda a gente quer adoçar, dourar e fazer só um pouco mais”, observou.

BCE fala em “crise existencial”, mas identifica oportunidade histórica
Na entrevista, Lagarde insistiu que a Europa continua a enfrentar uma “crise existencial”, embora considere que o momento atual pode transformar-se numa oportunidade decisiva.
“Continuo a acreditar que estamos no meio dessa crise existencial, mas também penso que existe um momento do Euro — e possivelmente um momento da Europa”, disse. “Se formos inteligentes e rápidos a resolver estes problemas, podemos transformar esse momento numa resposta à crise.”

Um desses pilares é a criação de uma União dos Mercados de Capitais, um projeto antigo e ainda incompleto, que considera vital para dar às empresas europeias o acesso ao financiamento de que precisam para crescer no próprio continente, evitando a dependência de capital de risco norte-americano.
“Tudo começa com dinheiro. Temos talento, temos inovadores… mas o essencial é que tenham acesso a financiamento suficiente”, afirmou, lamentando que a poupança europeia continue a fluir para os Estados Unidos.

Lagarde não evitou críticas tanto aos Governos nacionais como às instituições europeias, instando a Comissão Europeia a eliminar de forma decisiva os obstáculos que ainda impedem um mercado verdadeiramente integrado e um sistema financeiro coeso.

Presidente do BCE admite emissão conjunta de dívida europeia para defesa
A responsável do BCE mostrou abertura para uma eventual emissão conjunta de dívida por parte da União Europeia, sobretudo para financiar a defesa, evocando a resposta europeia adotada durante a pandemia.

“Fizemo-lo para a COVID porque era uma questão de sobrevivência… A defesa é igualmente uma questão de sobrevivência e emergência”, afirmou, classificando o tema como “um caso perfeito” para avançar com emissão comum.

Questionada sobre debates recentes — nomeadamente a sugestão do presidente francês, Emmanuel Macron, para que o BCE passe a incluir crescimento económico no seu mandato — Lagarde foi clara ao reafirmar os limites legais da instituição.
“Taxas de juro extremamente baixas ou QE mudariam as barreiras de que falei? Não”, respondeu. Recordou que o BCE está juridicamente vinculado à estabilidade de preços, embora considere crescimento e produtividade nas suas análises.

Lagarde alertou ainda que, apesar da crescente consciencialização política, persiste uma forte resistência dentro dos Estados-membros às reformas necessárias, incluindo a União dos Mercados de Capitais e uma integração financeira mais profunda.
“Haverá resistência de vários lados… de pessoas que dizem: ‘Estamos muito bem no nosso cantinho da Europa, deixem-nos em paz’”, afirmou.

Esta intervenção surge num momento crítico, marcado pela intensificação da concorrência global, produtividade anémica e um mosaico regulatório que continua a fragmentar o mercado interno.
A mensagem dirigida a Bruxelas, concluiu Lagarde, é inequívoca: o tempo para agir é agora.

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