Por Luís Paulo Salvado, CEO da Novabase
Depois da longa vaga da Transformação Digital e num contexto global marcado pela incerteza, emerge uma nova etapa – a Transformação pela Inteligência Artificial (IA). Não é apenas mais uma tendência tecnológica: é uma mudança profunda na forma como as organizações pensam, decidem, operam e inovam.
Os avanços mais recentes na área dos dados e, em particular, na IA Generativa, abriram caminho a sistemas com capacidade de agir de forma autónoma – um salto de paradigma. Hoje, em larga escala, algoritmos analisam informação, tomam decisões e ajustam-se dinamicamente. Começa-se pela automatização das operações e, mais tarde, veremos surgir negócios inteiros baseados em IA, capazes de evoluir continuamente, aprendendo e adaptando-se a partir dos dados. Entra-se, assim, num ciclo de reinvenção permanente, abrindo espaço para novas oportunidades e modelos de negócio que hoje nem conseguimos imaginar.
Mas convém ser realista: a tecnologia está a dar passos enormes, mas ainda não atingiu a maturidade plena. O que vemos hoje são os alicerces de uma nova infraestrutura global. Só em 2025, a Gartner estima que os gastos com IA deverão atingir os 1,5 triliões de dólares (notação americana) – com destaque para centros de dados, chips especializados, modelos fundacionais e ecossistemas de agentes autónomos. É um esforço histórico, comparável à construção da Internet ou à eletrificação das economias industriais. E os progressos são quase semanais: novos modelos de linguagem, arquiteturas de agentes e ferramentas de automação surgem a um ritmo que desafia qualquer precedente.
Nem todos olham para esta revolução com otimismo. Alguns temem cenários de perda maciça de empregos, desigualdade e até o enfraquecimento do papel humano. Outros evocam as distopias dos filmes de ficção científica. No entanto, a história ensina-nos que cada avanço tecnológico substitui certas tarefas, mas cria outras – e geralmente mais qualificadas e gratificantes. Foi assim com a mecanização agrícola, a industrialização e a automação fabril. Em todos os casos, os ganhos acabaram por superar as perdas. Libertámos o ser humano do trabalho físico repetitivo; agora, talvez estejamos a libertá-lo do trabalho mental rotineiro.
A IA não é, por si, boa nem má – é uma ferramenta poderosa. O que fará a diferença não é a tecnologia, mas quem souber utilizá-la melhor. Não é a IA o adversário da humanidade, é o ser humano que não souber tirar partido dela que poderá ficar para trás. E isso traz-nos ao ponto essencial: a verdadeira transformação é humana. A tecnologia está aí – o desafio será para as pessoas.
Os primeiros casos de adoção mostram que usar IA “em cima” dos processos existentes gera ganhos de produtividade limitados – por exemplo, cerca de 20% no desenvolvimento de software – e difíceis de escalar para equipas e organizações. Os melhores resultados surgem quando se redesenham processos, funções e modelos de negócio à luz do que a tecnologia realmente permite. E, como estamos numa corrida, os prováveis vencedores serão os que mais rapidamente aprenderem e melhor se adaptarem neste novo paradigma.
É aqui que o papel das pessoas é decisivo. A IA substituirá tarefas – sobretudo as mais rotineiras – mas libertará espaço para aquilo que só nós conseguimos fazer: pensar, imaginar, sentir, criar sentido. A questão já não é “o que a IA vai tirar- -nos?”, mas “o que vamos escolher fazer com o tempo e o potencial que ela nos devolve?”
Um estudo recente do MIT propõe um quadro interessante para este novo mundo: o EPOCH Framework. Ele identifica as cinco capacidades humanas que melhor se complementam com a IA – Empatia, Presença, Juízo ético, Criatividade e Esperança (visão e propósito). Estas são as qualidades que as máquinas não conseguem replicar e o verdadeiro diferencial no trabalho do futuro. As funções que cultivam estas competências – liderança, ensino, criação, relação – são também as que mais estão a crescer. A mensagem é clara: quanto mais humana for a nossa contribuição, mais relevante ela se tornará num mundo (mais) inteligente.
Também os líderes e gestores terão de se reinventar. A liderança do futuro não passará apenas por motivar equipas humanas, mas por gerir ecossistemas híbridos, onde humanos e agentes de IA trabalham lado a lado. Será preciso aprender a atribuir tarefas, definir limites éticos, criar confiança e propósito comum entre quem sente e quem calcula.
O que está a acontecer não é o triunfo das máquinas. É o início de uma nova era em que a inteligência humana e a artificial se complementam e até reforçam. Mais do que a quem dominar a tecnologia, o futuro pertencerá a quem lhe der propósito: o de tornar o mundo mais humano, e não apenas mais inteligente.
Nota: O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 236 de Novembro de 2025













