Inteligência Artificial e novas formas de trabalho redefinem a formação executiva

A formação de executivos enfrenta um novo paradigma: cursos mais curtos, maior internacionalização e a integração da inteligência artificial em todos os programas.

Executive Digest
Dezembro 11, 2025
9:26

A FORMAÇÃO DE EXECUTIVOS ENFRENTA UM NOVO PARADIGMA: CURSOS MAIS CURTOS, MAIOR INTERNACIONALIZAÇÃO E A INTEGRAÇÃO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL EM TODOS OS PROGRAMAS.

Num mercado cada vez mais competitivo e globalizado, as escolas de negócios portuguesas enfrentam o desafio de se reinventar, adaptando-se às novas exigências de um mundo empresarial em rápida mutação. A inteligência artificial, as novas formas de trabalho, a longevidade e a gestão do risco político são alguns dos temas que dominam actualmente a agenda da formação executiva.

A Executive Digest falou com Nuno Moreira da Cruz, Dean da CATÓLICA-LISBON | Executives, sobre os desafios e oportunidades que marcaram 2025 e as estratégias para o futuro da formação de executivos em Portugal.

Hoje, mais do que formar executivos, as escolas de negócios formam pessoas com consciência do seu impacto. Como é que a CATÓLICA-LISBON tem integrado essa dimensão humana e ética na forma de ensinar e liderar?

Esta preocupação está presente não apenas na formação executiva, mas em toda a escola. A CATÓLICA-LISBON desenvolveu, há cerca de cinco ou seis anos, um conjunto de disciplinas a que chamamos Responsible Business, direccionadas para uma necessidade fun- damental: que os gestores do futuro com- preendam que a actividade empresarial começa no lucro, mas não pode acabar nele. Trabalhamos o conceito de que sem lucro não há condições para preocupações sociais e ambientais, mas, simultaneamente, sem essas preocupações não há sustentabilidade do próprio lucro. É um ciclo interdependente que remete para a discussão clássica da gestão: o equilíbrio entre o curto e o longo prazo.

Estas disciplinas estão hoje profundamente enraizadas na CATÓLICA-LISBON, presentes em todos os níveis: licenciaturas, mestrados, Lisbon MBA e, naturalmente, na formação de executivos. Os temas ligados ao Responsible Business estão entre os mais procurados pelas empresas nos últimos cinco anos.

Paralelamente, implementámos uma iniciativa particularmente inovadora há três ou quatro anos: as disciplinas ODS – Objectivos de Desenvolvimento Sustentável. Trata-se de um modelo completamente transversal à Universidade, que reúne alunos de todas as es- colas: Economia e Gestão, Direito, En-fermagem, Medicina, Teologia. São disciplinas abertas e opcionais para todos os estudantes.

O formato é singular: em cada semestre, focamo-nos num ODS específico. Pode ser o número 4, dedicado à educação, ou o número 1, centrado na pobreza. Convocamos depois os docentes de cada escola que podem contribuir para a discussão desse tema específico. Esta abordagem valeu-nos um prémio das Nações Unidas pela capacidade de inovação, uma vez que este modelo não existe noutras instituições.

A riqueza está precisamente na diversidade. Quando tratamos, por exemplo, o ODS número 6, relacionado com a água, temos a perspectiva jurídica, a visão teológica, a abordagem médica, o enquadra- mento económico… Áreas completamente distintas convergindo sobre os grandes desafios da humanidade. Começámos com muito poucos alunos. Actualmente, estas disciplinas nunca têm me- nos de 100 participantes, o que demonstra o interesse e a relevância do modelo.

Quais foram os marcos que definiram 2025 como um ano de viragem para a Formação de Executivos?

O balanço de 2025 divide-se em desafios externos e transformações internas.

Externamente, o ano ficou marcado por uma concorrência cada vez mais intensa no mercado da formação de executivos. A CATÓLICA-LISBON foi pioneira nesta área há três décadas, quando detinha praticamente toda a quota de mercado, mas hoje enfrenta um panorama muito mais competitivo. Há novas escolas de negócio, universidades com ofertas semelhantes e uma multiplicação de programas online que colocam as instituições portuguesas a competir com as melhores do mundo, como Harvard ou Stanford.

É uma concorrência saudável, que obriga a ser mais exigente e inovador.

Internamente, o foco passou por reestruturar equipas e definir prioridades claras. A primeira foi a internacionalização: o crescimento futuro não está em Portugal, um mercado pequeno e saturado, mas na capacidade de atrair executivos estrangeiros. Portugal está na moda e há uma oportunidade evidente de trazer cá profissionais de outros países. Apesar de nas licenciaturas e mestrados a maioria dos alunos já ser estrangeira, na formação de executivos essa realidade ainda é muito limitada – algo que a CATÓLICA-LISBON quer mudar.

A segunda prioridade foi o reajuste do portefólio. Existiam demasiados programas – cerca de 40 – e o objectivo é reduzir essa dispersão, mantendo o número de participantes, mas concentrando a oferta.

Por fim, reforçou-se a orientação para o cliente. Na formação customizada, a lógica passou a ser construir soluções à medida, partindo das necessidades concretas das empresas e não da oferta disponível. Essa atenção ao cliente já existia, mas em 2025 ganhou uma intensidade muito maior.

O que considera que mais ressoou junto dos participantes – em termos de programas, metodologias ou experiências?

Hoje, a formação executiva vai muito além do que acontece dentro da sala de aula – envolve o antes, o durante e o depois. Antes, é essencial compreender as necessidades do mercado e co-criar as soluções com cada cliente, envolvendo as equipas e personalizando a experiência desde o primeiro contacto. Cada participante recebe uma mensagem individual do director do programa, o que reforça a sensação de proximidade e reconhecimento.

Durante o programa, o foco está na experiência global do participante. Não basta ter excelentes professores; é preciso garantir que todos os detalhes – da recepção à qualidade dos serviços – estejam à altura. Por isso, criámos uma área dedicada exclusivamente à experiência do cliente, liderada por uma gestora sénior.

Depois, o objectivo é fortalecer a ligação com os antigos alunos. A CATÓLICA-LISBON tem uma rede muito activa nas licenciaturas e mestrados, mas quer agora dar o mesmo peso à formação de executivos. Em 2026, será lançado um programa para dinamizar essa comunidade, começando pelo PADE – Programa Avançado de Gestão de Empresas, que celebra 30 anos. A ideia é reunir antigos participantes, promover o convívio e actualizar conhecimentos com temas actuais como inteligência artificial e sustentabilidade. Tudo isto será coordenado pela nova Customer Experience Manager, que irá assegurar uma experiência integrada em todas as fases.

Que mudanças ou tendências identificaram no perfil dos executivos que procuraram formação este ano?

O perfil dos participantes mantém-se estável, mas as suas preferências estão a mudar. O mercado valoriza hoje formações mais curtas, em horários compatíveis com a vida profissional – evitando aulas ao fim de semana ou à noite. Há também uma procura crescente por formatos online e por programas em inglês. O essencial não é uma mudança no tipo de participante, mas sim na forma como a formação é pensada e oferecida. Já no financiamento, a tendência mantém-se equilibrada: cerca de metade dos programas é paga pelas empresas e a outra metade pelos próprios participantes.

Como adaptaram a oferta de formação às necessidades actuais do mercado e das empresas?

Há temas que se tornaram incontornáveis, e a inteligência artificial é o principal deles. Temos uma equipa de professores dedicada a esta área, constantemente a actualizar conteúdos, porque surgem novas ferramentas quase todos os dias.

Um dos projectos mais relevantes é um curso desenvolvido em parceria com a Google, em Palo Alto, e a Kellogg, em Chicago – um programa exclusivo para CEO, pensado para um ambiente de pares, onde podem discutir abertamente dúvidas e desafios ligados à IA. A primeira edição foi um sucesso e novas estão já previstas, adaptadas à velocidade a que o tema evolui.

Outra área em forte crescimento é a das novas formas de trabalho, também impulsionada pela inteligência artificial. O grande desafio actual é aprender a ge- rir equipas mistas, compostas por pessoas e sistemas inteligentes. Até nas formações de liderança este tema começa agora a ser integrado, exigindo investigação e adaptação contínuas.

Que outros temas estão na agenda da formação executiva?

Outro tema em destaque é a longevidade. A professora Céline Moedas tem desenvolvido um trabalho notável nesta área, explorando os impactos financeiros, sociais e económicos de uma população que vive cada vez mais tempo. As empresas, sobretudo as seguradoras, demonstram grande interesse em compreender como reter talento sénior – algo impensável há alguns anos, quando os 55 anos eram vistos como idade de saída, e não de valorização.

Também a gestão do risco político ganhou relevância. Vivemos num contexto de desglobalização, ou “blocalização”, marcado por blocos regionais – americano, europeu, asiático –, que impõem novas dinâmicas. As empresas começaram a integrar o risco político ao lado dos riscos financeiros ou cambiais, reconhecendo o seu impacto directo nos investimentos.

E, claro, permanecem as áreas clássicas de formação – liderança, negociação, contabilidade, planeamento, marketing e vendas –, que continuam a ser a base essencial da gestão, ainda que com novas abordagens.

Quais são as novas competências que se tornaram essenciais?

Mais do que novas competências, o essencial hoje é integrar áreas emergentes e reforçar práticas que tornaram a formação mais estratégica.

Destaca-se, em primeiro lugar, a co-criação com os clientes – desenvolver programas à medida, em parceria, para responder de forma directa às suas necessidades. A segunda prioridade é medir o impacto: as empresas querem saber qual o retorno do investimento em formação, e por isso cada proposta inclui já indicadores claros de avaliação.

Por fim, a formação deve estar alinhada com a estratégia da organização. O verdadeiro compromisso nota-se no envolvimento da liderança. Quando o CEO e a administração fazem questão de estar presentes na entrega de diplomas, é sinal de que a formação é levada a sério e reconhecida como um investimento real no desenvolvimento das pessoas.

Que mensagem gostaria de deixar a executivos e empresas?

A educação continua a ser o grande factor diferenciador. Num mundo em rápida transformação, quem não se actualiza, torna-se irrelevante. Hoje, não são as máquinas que substituem as pessoas, mas sim as pessoas que sabem utilizá-las.

O exemplo está em casa: um dos nossos professores mais experientes, com 72 anos, domina várias ferramentas de inteligência artificial e continua a aprender todos os dias. A idade deixou de ser o critério – o que conta é a curiosidade e a capacidade de adaptação.

O futuro pertence a quem souber trabalhar com as máquinas, sem perder o pensamento crítico. A tecnologia concorda sempre connosco, e é aí que está o risco: precisamos de questionar, comparar e debater. Aprender nunca foi tão urgente – e é isso que fará a diferença entre acompanhar o futuro ou ficar para trás.

Este artigo faz parte da edição de Novembro (n.º 236) da Executive Digest.

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