Ficou sem 246 mil euros, mas tribunal absolve o burlão: “Nenhuma pessoa minimamente normal teria caído”

O caso remonta a novembro de 2020, quando o arguido convenceu a vítima a transferir 50 mil euros para adquirir um bungalow em El Cotillo, na ilha de Fuerteventura

Francisco Laranjeira
Outubro 12, 2025
16:30

Um cidadão espanhol perdeu 246 mil euros num alegado esquema de investimento imobiliário nas Canárias, mas a Justiça espanhola absolveu o principal suspeito. Segundo o ‘El Economista’, o Tribunal Superior das Canárias considerou que a vítima não tomou “as precauções mínimas para evitar ser enganada”, aplicando a chamada doutrina da autoproteção — e responsabilizando-a pela própria imprudência.

O caso remonta a novembro de 2020, quando o arguido convenceu a vítima a transferir 50 mil euros para adquirir um bungalow em El Cotillo, na ilha de Fuerteventura.

Nos meses seguintes, o padrão repetiu-se: novas promessas de negócios e novos envios de dinheiro. Em janeiro de 2021, o suposto mediador pediu 60 mil euros para comprar quatro apartamentos em Sardina del Sur; três meses depois, mais 48 mil euros para alegadas oportunidades em Santa Cruz de Tenerife. Em junho de 2021, solicitou novos 48 mil euros com o pretexto de necessitar de liquidez, e em 2022, obteve ainda 42 mil euros para investir em imóveis em Costa Calma.

Ao todo, a vítima transferiu dinheiro cinco vezes, num total de 246 mil euros. Só quando se sentiu defraudada é que apresentou queixa em tribunal. O acusado devolveu posteriormente 100 mil euros entre novembro de 2022 e agosto de 2023.

Tribunal diz que vítima foi imprudente

O Tribunal Superior destacou que as transferências ocorreram ao longo de um ano e meio, envolvendo “muito dinheiro, muitas operações sucessivas e muito tempo para perceber o engano”.

Segundo o ‘El Economista’, os juízes concluíram que o comportamento da vítima demonstrou “falta de prudência” e que “nenhuma pessoa minimamente normal teria caído no engano”. Assim, aplicaram a doutrina da autoproteção, segundo a qual a vítima também é responsável por adotar medidas básicas para se proteger de fraudes.

A decisão acrescenta que o caso “aponta para interesses de outra natureza”, sugerindo que pode ter havido motivações económicas ou pessoais por detrás das transações. O tribunal entendeu, por isso, que não houve conduta criminosa comprovada e absolveu o acusado.

A absolvição reabre o debate sobre o limite entre a ingenuidade e a culpa da vítima em casos de fraude. Juristas consultados pela publicação espanhola recordam que a doutrina da autoproteção, usada em várias decisões no país vizinho, parte da ideia de que a vítima deve exercer um mínimo de diligência antes de entregar dinheiro ou assinar contratos, especialmente quando se trata de somas elevadas.

Em Portugal, decisões semelhantes têm sido vistas em casos de burlas online e esquemas de investimento. Advogados alertam, contudo, que a aplicação rígida deste princípio pode deixar sem proteção pessoas emocionalmente vulneráveis ou de boa-fé, que acreditam em negócios falsos.

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