A priorização dos Estados Unidos no combate ao fentanil contribuiu para um aumento significativo do tráfico de cocaína em diversos países da América Latina, com destaque para o Ecuador, atualmente considerado a maior rota de exportação global da droga. A situação tem provocado um aumento da violência, atentados e confrontos entre gangues e forças de segurança, afetando gravemente civis inocentes.
Embora não seja produtor de cocaína, o Ecuador serve como ponto de trânsito para grupos criminosos provenientes da Colômbia e Peru. Entre 2022 e 2023, o país quase caiu sob o controlo de um consórcio internacional de traficantes, composto por cartéis mexicanos, guerrilhas colombianas, máfias europeias e gangues locais.
Analistas e autoridades atribuem esta situação à mudança de prioridade dos EUA, que nos últimos anos concentrou recursos no combate ao fentanil, considerado mais letal que a cocaína, deixando brechas para o ressurgimento do tráfico deste último.
“A cocaína passou a ser vista por muitos como ‘má, mas não fatal’, um passo acima da marijuana”, afirmou Mike Fitzpatrick, embaixador dos EUA no Ecuador entre 2019 e 2024, explicando a perceção americana que reduziu o foco sobre a cocaína.
Violência crescente e impactos sociais
O ressurgimento da cocaína tem desencadeado uma onda de terror e insegurança, com carros-bomba, confrontos frequentes entre gangues e forças militares, e crianças e jovens sendo atraídos para as organizações criminosas.
“É uma guerra existencial”, disse Giovanni Davoli, embaixador italiano no Ecuador, comparando a situação à luta da Itália contra as máfias. “O Ecuador não é um narco-estado, mas precisa de ajuda.”
Alianças internacionais e a “supervia da cocaína”
Durante a presidência de Donald Trump, os cartéis mexicanos fortaleceram-se e estabeleceram colaborações com grupos colombianos e gangues locais, incluindo alianças com máfias europeias. Estes acordos transformaram o Ecuador numa verdadeira ‘supervia da cocaína’, com até 70% do fornecimento mundial a passar pelo país, segundo autoridades americanas.
“Os grupos criminosos parecem ter armas e fundos ilimitados”, referem oficiais equatorianos, que alertam para a facilidade de recrutamento de jovens pobres e para a corrupção endémica que dificulta operações militares eficazes.
Intervenção americana e desafios militares
Em resposta à escalada, os Estados Unidos aumentaram a assistência militar ao Ecuador, incluindo operações navais para interceptar embarcações de tráfico. No entanto, os oficiais da Marinha equatoriana relatam dificuldades devido aos recursos superiores dos grupos criminosos, à corrupção e à falta de formação militar rápida frente ao recrutamento fácil de jovens.
“Apesar do aumento dos gastos em segurança, os grupos criminosos continuam a superar os nossos esforços”, afirmou um responsável da Marinha.
O objetivo da intervenção americana não é totalmente claro, pois alguns oficiais admitem que parte do reforço militar visa também pressionar o governo autocrático da Venezuela, embora o combate ao tráfico seja o foco principal declarado.














