A internet transformou-se num vasto mercado clandestino onde contas falsas são criadas, vendidas e utilizadas para manipular opiniões, negócios e processos eleitorais. Redes organizadas de bots — robôs concebidos para imitar utilizadores reais — conseguem hoje operar por valores irrisórios, chegando a custar apenas sete cêntimos por conta, permitindo a criação de verdadeiros exércitos digitais capazes de amplificar mensagens políticas, difamar adversários ou simular apoio popular em larga escala.
De acordo com uma investigação noticiada pelo Diário de Notícias, um estudo da Universidade de Cambridge revela a existência de um mercado negro florescente onde conteúdos não autênticos, popularidade artificial e campanhas de influência política são vendidos abertamente. Jon Roozenbeek, autor sénior do estudo e psicólogo social computacional, descreve este ecossistema como um sistema altamente organizado e lucrativo, capaz de interferir em eleições sempre que são mobilizadas milhares de contas e investimentos de algumas centenas ou milhares de euros.
Os dados indicam que, por cerca de 100 dólares (aproximadamente 85 euros), é possível validar mais de mil contas associadas a números do Reino Unido e quase 1800 contas no Facebook. A análise identificou 17 grandes fornecedores a operar globalmente, recorrendo a bases de dados com milhares de cartões SIM e milhões de identidades falsas prontas a serem usadas. O mercado funciona de forma volátil, semelhante a uma bolsa, com preços que variam consoante a procura, sobretudo em períodos eleitorais.
O fenómeno ganhou nova dimensão com o lançamento do Cambridge Online Trust and Safety Index (COTSI), uma ferramenta que monitoriza em tempo real os preços de contas falsas em mais de 500 plataformas, incluindo redes sociais, serviços de mensagens, lojas online e aplicações de mobilidade. O estudo aponta ligações frequentes a sistemas de pagamento russos e chineses e refere indícios linguísticos que sugerem autoria russa em muitos dos sites fornecedores, num contexto em que o Reino Unido já avançou com sanções e proibiu as chamadas “SIM farms”.
Portugal não está imune a este fenómeno. Nas últimas eleições legislativas, estudos independentes identificaram uma presença significativa de perfis falsos a comentar contas partidárias, tanto para amplificar mensagens favoráveis como para atacar adversários políticos. Plataformas como o TikTok anunciaram entretanto a remoção de dezenas de milhares de contas e conteúdos associados a violações da integridade eleitoral, confirmando a dimensão do problema no espaço digital português.
O estudo conclui que este mercado clandestino segue a lógica da oferta e da procura, com aumentos de preços entre 12% e 15% nos períodos que antecedem eleições nacionais. A verificação de contas falsas é particularmente barata em países como a Rússia, Estados Unidos ou Reino Unido, podendo custar apenas alguns cêntimos, enquanto regras mais rígidas sobre cartões SIM em países como o Japão encarecem o processo. Para os investigadores de Cambridge, reforçar a regulação dos cartões SIM e as exigências de verificação de identidade é um passo essencial para travar um negócio que ameaça a confiança online e o funcionamento das democracias.














