E se a Rússia escolher atacar Portugal? Os riscos, as ameaças e as portas de entrada dos ataques

Cenário será um dos muitos a serem analisados na cimeira da NATO, no final de junho, que vai decorrer nos Países Baixos

Francisco Laranjeira
Junho 18, 2025
11:15

Pode a Rússia iniciar uma guerra pelo Atlântico, ameaçando assim física e ciberneticamente Portugal? É um cenário que não está totalmente afastado nos meandros da NATO. De acordo com a rádio ‘Renascença’, a explicação é simples: quando o foco está num só lado [Ucrânia], os restantes locais começam a ser presas apetecíveis.

“Quando a NATO está a empregar planos de defesa para controlar o leste, existe todo um flanco ocidental que continua a estar defendido, mas não tem a mesma atenção que tem o leste. Pode haver pressão sobre uma frente ocidental, comprometendo a segurança do Atlântico Norte entre Reino Unido, Espanha, Portugal e Estados Unidos da América”, indica Manuel Poêjo Torres, antigo analista da Aliança Atlântica, lembrando que assim criam-se duas frentes de conflito. “É uma forma de dividir para conquistar.” Este cenário será um dos muitos a serem analisados na cimeira da NATO, no final de junho, que vai decorrer nos Países Baixos.

Segundo Francisco Proença Garcia, tenente-coronel na reserva e diretor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP), se Moscovo virar as suas atenções para Portugal a guerra não vai começar nas ruas, mas num espaço pouco palpável. “Eles têm uma tecnologia fantástica no ciberespaço, superior à que nós temos na União Europeia. Esse outro espaço de batalha de que nós, normalmente, não nos apercebemos – porque é cibernético e são zeros e uns – é constante”, aponta. Já o coronel Assis Barbas, diretor do Curso de Defesa Nacional e investigador em cibersegurança, alerta para um aprofundamento de “ciberataques a infraestruturas críticas, como hospitais” ou tentativas de intromissão em atos eleitorais.

Também os cabos submarinos podem ganhar destaque. “É um risco que nos afetará a nós, mas também a eles. Se nos afeta a forma de comunicação, a eles acaba a afetar a forma de conseguir obter informações. É algo que os decisores estratégicos terão de ter em consideração”, explica o especialista. “De zero a dez, diria que a probabilidade de se concretizar uma ameaça é um oito. Só nos falta a ameaça física, que espero que não cheguemos lá”, defende Proença Garcia, em declarações à rádio portuguesa.

A ofensiva russa tem ficado no ar, como provam as inúmeras missões de patrulhamento a navios russos nas águas portuguesas. Desde o início da guerra na Ucrânia, e segundo números avançados pelo chefe do Estado-Maior da Armada ao jornal ‘Público’, já foram registados 143, mais de 20% com suspeitas de espionagem. “Estão a testar a nossa reação”, acredita Proença Garcia.

A ameaça será impossível reduzir a zero, numa escalada que pode conduzir a ataques aéreos. “Todas as cidades da Europa estão protegidas por uma coisa que se chama ‘missile defense’. É um projeto da NATO que está em vigor desde 2021 e protege as cidades com mais de 120 mil habitantes, mas só para mísseis não hipersónicos”, clarifica o diretor do IEP-UCP.

Nesse caso, os especialistas apontam que os principais alvos serão militares (nomeadamente as bases aéreas e navais e os quartéis de maior dimensão), os locais com maior densidade populacional, como Lisboa e Porto, e os portos estratégicos de Sines e Leixões. “É uma forma de congelar a movimentação de retaliação e de defesa do próprio país”, projeta Poêjo Torres. No entanto, também os Açores e Madeira são alvos mais fáceis de atacar. “São dois arquipélagos vulneráveis a ameaças submarinas, aéreas e estão vulneráveis a cercos que impossibilitam o reabastecimento de bens de primeira. É mais difícil cercar um território no norte da América do Sul do que um arquipélago no Atlântico. É necessário investir numa lógica de garantir a segurança do nosso triângulo de ferro. Descurar os Açores ou a Madeira é uma receita para o desastre”, avisa o especialista em geodefesa.

Se de facto for lançada uma ofensiva contra a NATO, Portugal entra em ‘modo pandemia da Covid-19’: restrições à circulação, reposição de fronteiras, controlo dos espaços aéreo e marítimo, reforço do policiamento e de militares nas grandes malhas urbanas, teletrabalho e telescola, sempre que necessário.

Conforme a ameaça, pode ainda entrar-se em estado de emergência ou estado de sítio, ao mesmo tempo que se instalam sirenes e alertas, assim como a construção de abrigos e preparação dos existentes. No entanto, segundo Manuel Poêjo Torres, não há um plano de defesa em Portugal devido a falta de vontade política, indicou à ‘Renascença’. “Existe um plano de proteção civil, que funciona, acima de tudo, para organizar a sociedade em caso de emergências e de catástrofes naturais. Portugal ainda não tem um programa de defesa total, porque, para a liderança política dos portugueses, não existe ameaça à integridade do território português. Mas isso é uma interpretação política que pode mudar como nas próximas eleições”, assinala.

Até porque a ajuda da NATO pode não ser imediata. “Nada na NATO obriga as nações a enviarem para as diferentes frentes de combate tudo o que têm. Aliás, é uma má prática. Uma boa prática é colocar o armamento certo em função das ameaças, garantido que existem reservas estratégicas. A guerra, mais tarde, pode multiplicar-se e as nações ficam desprotegidas”, conclui Poêjo Torres.

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