Diretor do Black Europeans apresenta queixa na Bélgica contra deputados do Chega por insultos racistas

Uma deslocação profissional que deveria decorrer de forma tranquila transformou-se, segundo o próprio, num verdadeiro “pesadelo”. Miguel Cardoso, director e coordenador nacional do Black Europeans, afirma ter sido alvo de insultos racistas, comportamentos intimidatórios e ameaças durante um voo entre Lisboa e Bruxelas.

Executive Digest
Dezembro 10, 2025
13:15

Uma deslocação profissional que deveria decorrer de forma tranquila transformou-se, segundo o próprio, num verdadeiro “pesadelo”. Miguel Cardoso, diretor e coordenador nacional do Black Europeans, afirma ter sido alvo de insultos racistas, comportamentos intimidatórios e ameaças durante um voo entre Lisboa e Bruxelas. A denúncia foi formalizada na polícia belga. A situação foi divulgada esta terça-feira e confirmada pelo Público, que teve acesso ao relato entregue às autoridades.

O episódio ocorreu durante a viagem de uma delegação de líderes comunitários e profissionais convidados pela representação portuguesa junto da Comissão Europeia. Miguel Cardoso, de 39 anos, relata que, ao longo das quase três horas de voo, “quase duas dezenas de deputados, assessores e pessoas ligadas à estrutura do Chega” adotaram comportamentos que classifica como totalmente inaceitáveis.

Na participação apresentada às autoridades, o ativista acusa diretamente o líder parlamentar do partido, Pedro Pinto, de o ter injuriado com insultos racistas e de o ameaçar fisicamente. No documento, descreve um ambiente “marcado por linguagem vulgar, grosseira e ofensiva”, usada de forma contínua e em voz suficientemente audível para incomodar outros passageiros. Acrescenta ainda que o corredor do avião terá sido propositadamente bloqueado, criando uma atmosfera que classifica como intimidatória e geradora de “stress e preocupação”.

Miguel Cardoso sublinha que, perante um grupo numericamente superior, se sentiu exposto e “potencialmente em perigo”, chegando a afirmar que o comportamento observado lhe pareceu mais próximo “de um grupo a agir de forma coordenada e agressiva do que de representantes eleitos de uma instituição democrática”.

Vídeo editado e ameaças nas redes sociais
Horas depois, já em Bruxelas, o Chega publicou nas redes sociais um vídeo gravado no interior do avião, onde se vê o ativista a responder aos insultos e a acusar os deputados de racismo. A publicação surgia acompanhada da frase: “O comportamento favorito da esquerda espelhado num vídeo. Estão nervosos porque a ‘mama’ está a chegar ao fim.”

No registo é possível ouvir Miguel Cardoso afirmar: “Eu gosto da democracia, vocês não gostam da democracia, uma cambada de racistas, um gangue de racistas.” O ativista acusa, porém, o partido de ter editado as imagens “de modo a fazer de mim o agressor”, defendendo que o vídeo não mostra o contexto nem os insultos que, garante, recebeu durante todo o voo.

O comandante do avião terá, no final do episódio, pedido calma aos passageiros situados no fundo do aparelho, informando-os de que a polícia estava a caminho. Miguel Cardoso explica que se identificou junto das autoridades e seguiu depois para o seu destino. Desde então, afirma estar a receber inúmeras ameaças nas redes sociais, que irá acrescentar à queixa que prepara para apresentar em Portugal, tanto na PSP como na Polícia Judiciária, por difamação e ameaças.

Relatos de intimidação e insultos no interior do avião
Segundo o ativista, grande parte da viagem foi passada em silêncio, apesar das provocações. A jornalista Paula Cardoso, que integrava a mesma comitiva e viajava ao seu lado, confirma que ambos procuraram não reagir às atitudes descritas. Relata ainda que, entre os passageiros, seguia uma pessoa com mobilidade reduzida e que, perante esta situação, elementos do grupo ligado ao Chega terão feito “sons de impaciência e de gozo”.

Miguel Cardoso afirma que vários insultos de carácter racista foram proferidos “em voz suficientemente alta para serem ouvidos”, embora, por vezes, como se não fossem dirigidos diretamente a si. Entre os episódios descritos, diz que alguns passageiros imitaram sons de macaco quando se levantava para ir à casa de banho. Recorda também que sentiu pressão física exercida sobre o encosto do seu assento, alegando que a comitiva do partido passou a agir em “modo gangue”. Uma das frases que diz ter ouvido foi: “Vocês acham que isto é África? A ‘mama’ está quase a acabar.”

À chegada ao destino, ainda a bordo, Paula Cardoso entoou “25 de Abril sempre, fascismo nunca mais”, enquanto colocava a música Grândola, Vila Morena a tocar. O ativista afirma que, a partir desse momento, “a situação deteriorou-se rapidamente”.

Paula Cardoso acusa o grupo de distorcer os acontecimentos e garante que, confrontados com o que classifica como discurso racista e com o “clima de ódio” que têm promovido, os deputados “mentiram” e passaram rapidamente a filmar o ativista. Na sua leitura, comportaram-se “como quem pertence a um grupo criminoso organizado”, exibindo essa postura “como factor de diferenciação positiva”.

A jornalista sublinha que dominava a ideia de que “temos toda a legitimidade para… porque as pessoas votaram”, algo que considera revelar um desconhecimento profundo do Estado de direito. Refere ainda que a participação entregue às autoridades belgas mostra que o país é “menos tolerante do que Portugal no que respeita ao discurso de ódio nas redes sociais”.

Miguel Cardoso afirma que está a ser alvo de perseguição e recorda que este não é o primeiro processo que move contra o Chega. Em Setembro, organizou em Lisboa um evento no âmbito do Black Europeans e viu André Ventura acusar nas redes sociais a iniciativa de promover racismo e de usar fundos públicos — uma alegação que rejeita. “O Black Europeans nem é uma organização portuguesa, não tivemos fundos nenhuns portugueses”, sublinha. A esse caso, já tinha juntado uma queixa por difamação e incitamento ao ódio.

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