A União Europeia prepara-se para anunciar esta quarta-feira uma revisão da regra que prevê o fim da produção de automóveis com motores de combustão interna a partir de 2035. A medida, votada em 2023, enfrenta agora forte contestação de vários Estados-membros e de toda a indústria automóvel, que alertam para o risco de um colapso económico no setor. Segundo o ‘El Economista’, a mudança de posição é significativa e envolve países que tinham apoiado o plano inicial.
O chanceler alemão, Friedrich Merz, defende abertamente um relaxamento da legislação e enviou uma carta à Comissão Europeia a solicitar um prazo mais longo e a exclusão de híbridos plug-in, motores a gasolina e gás altamente eficientes da proibição. Em 2023, a Alemanha tinha condicionado o seu apoio à inclusão dos combustíveis sintéticos neutros em carbono, mas, desta vez, as dúvidas são mais profundas e partilhadas por vários aliados.
Itália, Eslováquia e outros países dependentes da indústria automóvel alinham agora com a posição alemã, enquanto França e Espanha surgem como os principais defensores da manutenção das regras de 2035.
Bruxelas admite alterações, mas mantém incerteza sobre alcance da revisão
O comissário Europeu dos Transportes, Apostolos Tzitzikostas, afirmou ao jornal ‘Handelsblatt’ que está a ser preparado um pacote de medidas de apoio à indústria que incluirá alterações ao calendário da eliminação gradual dos motores de combustão. O responsável admitiu que as novas regras poderão ser anunciadas este mês, embora o processo possa prolongar-se até janeiro de 2026.
A Comissão acolheu positivamente a carta de Merz e garantiu estar “aberta a todas as tecnologias”. No entanto, especialistas antecipam negociações difíceis e um confronto diplomático que deverá ser resolvido nas próximas semanas.
O plano atual: emissões zero em novos veículos a partir de 2035
Se nada for alterado, a legislação prevê que, a partir de 2035, todos os novos automóveis vendidos na UE tenham de emitir zero CO2. Os veículos existentes poderão continuar a circular, mas deixará de ser possível fabricar carros ou carrinhas com motor de combustão, exceto os alimentados por combustíveis sintéticos neutros.
As motocicletas ficam fora deste enquadramento e mantêm-se num limbo regulatório. A proibição total dos motores de combustão está prevista para 2050, embora o calendário ainda não esteja fechado.
O impacto estimado no setor é significativo. A BMW já alertou que, com o prazo atual, a indústria europeia “pode entrar em colapso”, com perdas potencialmente superiores a dezenas de milhares de empregos. A ACEA considera que as metas são “extremamente rígidas” e “já não são realistas”.
Setor sob pressão económica e concorrência internacional
Os motores de combustão representam ainda 40% das vendas num mercado que recuou 4% no último ano e enfrenta tarifas de 15% sobre veículos norte-americanos, ao mesmo tempo que os fabricantes chineses ganham quota e já representam 13% das vendas de elétricos.
A Coface alerta que os produtores europeus “enfrentam uma reconfiguração das cadeias de valor” e que a transição mal gerida pode fragilizar toda a indústria. A McKinsey indica que 7% do PIB europeu e 14 milhões de empregos dependem do setor, estimando que uma má implementação da transição arrisque 440 mil milhões de euros até 2035.
O comportamento dos consumidores constitui outro obstáculo: apenas 20% consideram adquirir um elétrico no curto prazo, enquanto 40% preferem híbridos e outros 40% automóveis de combustão. Os elétricos continuam, em média, 20% a 30% mais caros.
A ACEA estima ainda que, até 2030, o setor possa enfrentar 25 mil milhões de euros em multas por incumprimento das metas atuais.
As mudanças pedidas por Berlim e pela indústria
A carta de Merz propõe manter o princípio da proibição, mas com regras menos estritas. Entre as alterações defendidas estão:
– extensão dos prazos;
– exclusão dos híbridos plug-in e dos veículos elétricos de autonomia estendida;
– autorização para registo de veículos com combustíveis neutros em carbono;
– aceitação de motores de combustão altamente eficientes.
A ACEA também reclama ajustes estruturais, incluindo metas mais alcançáveis, redução do custo dos elétricos, garantias de concorrência justa, isenções por incumprimento entre 2028 e 2032, transparência regulatória e harmonização fiscal no setor.
A S&P Global Mobility já considera provável um relaxamento das proibições e aponta a revisão como cenário base.
França e Espanha mantêm oposição total
Paris e Madrid enviaram uma carta à Comissão a rejeitar qualquer flexibilização e a apelar à manutenção da meta de 2035, considerando que a exclusão dos híbridos plug-in é “inaceitável”. Os dois governos defendem mais financiamento, reforço da cadeia de valor europeia e medidas contra a concorrência internacional desleal, rejeitando uma alteração súbita após investimentos públicos já realizados na eletrificação.
Pelo contrário, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, classificou a regra como “ideológica e absurda”, enquanto o líder eslovaco, Robert Fico, argumenta que o plano atual só funcionaria “numa utopia verde” e ameaça a indústria do país.
A decisão final será tomada nas próximas semanas, num dos debates mais sensíveis para o futuro da política industrial europeia.














