Com as luzes das ruas apagadas e as sirenes a ecoar com frequência, Kiev adapta-se a blackouts diários e alertas de mísseis. Ainda assim, mesmo em plena guerra, algumas crianças conseguem viver momentos de verdadeira magia nesta época natalícia — graças a Adelina e à sua iniciativa de Amigo Secreto, relatou esta terça-feira o ‘Kyiv Post’.
Para muitas crianças — de famílias de baixos rendimentos, oriundas de territórios ocupados pela Rússia ou que perderam um ou ambos os pais — o período festivo pode ser sinónimo de vazio e ausência de esperança.
Adelina, uma jovem de 25 anos residente em Kiev e natural de Luhansk, decidiu mudar essa realidade. Gere uma agência de viagens com a mãe, mas dedica grande parte do seu tempo como voluntária à fundação beneficente “Líderes da Mudança”, onde colabora desde o início da invasão russa da Ucrânia.
Através desta organização, Adelina criou o projeto Pai Natal Secreto, que liga crianças carenciadas a voluntários dispostos a oferecer presentes — e algo igualmente importante: esperança.
“Percebi que muitas crianças tinham deixado de esperar presentes”, explica. “Habituaram-se a não esperar nada. Quis ser um pequeno milagre para elas — e senti que tinha de agir imediatamente.”
A ideia nasceu de forma simples. Adelina conta que observava crianças a aprenderem, demasiado cedo, a não acreditar em nada de bom. “Pensei que, se pudesse criar um pequeno milagre para uma criança, devia fazê-lo. Desde os 14 anos que sonho adotar uma criança. Esta iniciativa tornou-se a minha forma de concretizar esse sonho, mesmo que apenas por um momento.”
Como funciona o Amigo Secreto
As crianças ou os seus responsáveis enviam pedidos através de formulários. Adelina analisa pessoalmente cada caso para garantir que o apoio chega a quem realmente precisa. “É emocionalmente muito difícil. Leio cada história e choro quase sempre”, confessa.
Os voluntários recebem apenas informações básicas — o primeiro nome da criança, idade, sexo e a carta escrita para o Amigo Secreto — sem qualquer dado pessoal, de forma a proteger a privacidade das famílias.
“Só este ano ajudámos 100 famílias”, explica Adelina. “O valor total dos presentes e donativos ronda os sete mil dólares. Mas nunca se trata de números. Trata-se de histórias. Cada criança tem uma história e merece ser respeitada.”
A resposta da comunidade superou largamente as expectativas. Adelina esperava cerca de uma dúzia de participantes, mas recebeu mais de 200 inscrições. “As pessoas querem ajudar. É impressionante ver como a comunidade se une”, afirma.
A magia do outro lado
O momento mais marcante é a reação das crianças ao receberem os presentes. “O tempo parece parar quando vejo os seus rostos”, diz Adelina. “Muitas não acreditam em milagres no início. Se conseguir despertar essa crença em pelo menos uma criança, pode acompanhá-la para o resto da vida.”
Os próprios doadores acabam também por receber algo em troca: fotografias, cartas e desenhos. Uma das crianças chegou a escrever a um soldado na linha da frente. “Às vezes sinto que o presente também é para mim”, admite Adelina. “Ver os sorrisos dá-me força para fazer ainda mais.”
Um trabalho exigente, mas essencial
Organizar o Amigo Secreto exige um enorme esforço logístico. Adelina transforma o seu carro numa carrinha de entregas, coordena voluntários, horários, distribuição, animadores e tarefas administrativas. Cada detalhe é planeado para que todas as crianças recebam os presentes a tempo.
“É exigente física e emocionalmente”, reconhece. “Mas não trocaria isto por nada. Mesmo que apenas uma criança receba um presente, sei que valeu a pena.”
Os donativos podem incluir brinquedos, doces ou bens essenciais, mas todas as crianças da mesma família recebem um presente, garantindo equidade. Alguns doadores preferem manter o anonimato, uma opção sempre respeitada.
Para Adelina, esta iniciativa vai muito além de ofertas materiais. “Trata-se de mostrar às crianças que são vistas, que importam e que milagres podem acontecer”, sublinha. “Mesmo em tempo de guerra, as crianças devem sentir alegria, esperança e amor.”
