Para Gundbert Scherf, co-fundador da alemã Helsing, a startup de Defesa mais valiosa da Europa, a invasão da Ucrânia pela Rússia mudou tudo. Se há quatro anos teve de lutar muito para atrair investimento para a sua empresa que produz drones de ataque militar e IA, agora esse é o menor dos seus problemas. A empresa sediada em Munique mais do que duplicou a sua avaliação para 12 mil milhões de dólares numa angariação de fundo em junho último.
“A Europa, este ano, pela primeira vez em décadas, está a gastar mais na aquisição de tecnologia de defesa do que os EUA”, apontou Scherf. Segundo o antigo sócio da McKinsey & Company, a Europa pode estar à beira de uma transformação na inovação de Defesa semelhante ao Projeto Manhattan — o impulso científico que levou os EUA a desenvolver rapidamente armas nucleares durante a II Guerra Mundial.
Dezenas de executivos, investidores e decisores políticos falaram com a agência ‘Reuters’ sobre como a Alemanha, a maior economia da Europa, pretende desempenhar um papel central no rearmamento do Velho Continente. O Governo do chanceler Friedrich Merz vê a IA e a tecnologia das startups como essenciais para os seus planos de Defesa e está a reduzir a burocracia para ligar as startups diretamente aos escalões superiores das suas Forças Armadas.
Moldada pelo trauma do militarismo nazi e por um forte ‘ethos’ pacifista do pós-guerra, a Alemanha manteve durante muito tempo um setor de Defesa relativamente pequeno e cauteloso, protegido pelas garantias de segurança dos EUA. Com o apoio militar americano agora mais incerto, a Alemanha – um dos maiores apoiantes da Ucrânia – planeia quase triplicar o seu orçamento regular de defesa para cerca de 162 mil milhões de euros por ano até 2029. Grande parte deste dinheiro será utilizado para reinventar a natureza da guerra, disseram as fontes.
Helsing faz parte de uma onda de startups de Defesa alemãs que desenvolvem tecnologia de ponta, desde robôs de IA semelhantes a tanques e minissubmarinos não tripulados até baratas espiãs prontas para o combate. “Queremos ajudar a dar à Europa a sua espinha dorsal”, disse Scherf.
Algumas destas empresas mais pequenas prestam agora consultoria ao Governo, juntamente com empresas estabelecidas – as chamadas ‘primes’, como a Rheinmetall e Hensoldt – que têm menos incentivos para se concentrarem principalmente na inovação, devido aos seus longos atrasos nos sistemas convencionais, disse uma das fontes.
Desde o regresso de Donald Trump à cena política e as dúvidas do compromisso dos EUA com a NATO, a Alemanha comprometeu-se a atingir a nova meta da aliança de 3,5% do PIB em despesas de Defesa até 2029 — mais rapidamente do que a maioria dos aliados europeus. As autoridades em Berlim enfatizaram a necessidade de fomentar uma indústria de Defesa europeia em vez de depender de empresas americanas. Mas os obstáculos à expansão de campeões do setor na Alemanha – e na Europa em geral – são consideráveis.
Ao contrário dos Estados Unidos, o mercado está fragmentado na Europa. Cada país tem o seu próprio conjunto de normas de aquisição para cumprir os contratos.
Segundo uma análise da Aviation Week, em maio último, os 19 maiores gastadores em Defesa da Europa — incluindo a Turquia e a Ucrânia — tinham uma projeção de gastar 180,1 mil milhões de dólares este ano em compras militares, em comparação com 175,6 mil milhões dos Estados Unidos.
Annette Lehnigk-Emden, chefe da poderosa agência de compras das Forças Armadas, destacou os drones e a IA como campos emergentes que a Alemanha precisa de desenvolver. “As mudanças que estão a trazer para o campo de batalha são tão revolucionárias como a introdução da metralhadora, do tanque ou do avião”, disse, citada pela ‘Reuters’.
Algumas das ideias em desenvolvimento parecem ficção científica — como as baratas ciborgues da Swarm Biotactics, equipadas com mochilas em miniatura especializadas que permitem a recolha de dados em tempo real através de câmaras, por exemplo.
Os estímulos elétricos devem permitir que os humanos controlem os movimentos dos insetos remotamente. O objetivo é que forneçam informações de vigilância em ambientes hostis – por exemplo, informações sobre posições inimigas.
“Os nossos biorrobôs — baseados em insetos vivos — estão equipados com estimulação neural, sensores e módulos de comunicação seguros”, disse o CEO Stefan Wilhelm. “Podem ser controlados individualmente ou operar de forma autónoma em enxames.”
A aversão ao risco entre os investidores europeus prejudicou no passado as startups, que lutaram para obter o capital necessário para sobreviver ao “vale da morte” — a fase inicial crítica, quando os custos são elevados e as vendas baixas.
Mas um aumento dos gastos com a Defesa por parte dos Governos europeus após a invasão da Ucrânia pela Rússia fez com que os investidores procurassem oportunidades. A Europa ostenta agora três startups com uma avaliação de unicórnios superior a mil milhões de dólares: a Helsing, a fabricante alemã de drones Quantum Systems, e a portuguesa Tekever, que também fabrica drones.
“Há muita pressão agora para que a Alemanha seja a nação líder da defesa europeia”, disse Sven Kruck, diretor de estratégia da Quantum.
A Alemanha tornou-se o segundo maior financiador militar da Ucrânia, a seguir aos Estados Unidos. Encomendas que antes demoravam anos a serem aprovadas demoram agora meses, e as startups europeias tiveram a oportunidade de testar os seus produtos rapidamente no terreno, disseram várias fontes.














