As empresas adiam investimentos, como a gigante química Dow Jones fez com a construção de uma nova fábrica, agora susensa. As empresas também adiam as vendas; por exemplo, a Nintendo adiou as pré-encomendas da sua próxima consola. Por fim, as empresas adiam decisões: as reservas para contentores e carga aérea caíram significativamente relativamente ao ano anterior. O secretário-geral da Câmara de Comércio Internacional afirmou que este comportamento é uma prova de que as empresas estão a «adiar decisões» sobre a reestruturação da cadeia de abastecimento, enquanto observam o desenvolvimento das políticas e das relações comerciais.
Esperar para ver pode ser uma resposta disfuncional à mudança ou à incerteza se conduzir à perda de oportunidades ou a um aumento do custo ou dos eventuais riscos relacionados com as acções. No entanto, esperar para ver também pode ser uma estratégia inteligente para protelar compromissos enquanto se observa uma situação em evolução. Quando deve ser implementada uma estratégia de esperar para ver e como pode ser executada eficazmente? Vamos explorar as principais questões para os líderes empresariais.
QUANDO ESPERAR PARA VER
Na realidade, as estratégias de esperar para ver são utilizadas com sucesso muito para além do âmbito corporativo. A sua exequibilidade depende de duas condições: em primeiro lugar, esperar para ver só pode ser bem-sucedido se a incerteza for temporariamente elevada. Por exemplo, quando confrontados com um período de fornecimento imprevisível de alimento, alguns morcegos e ratos entram num estado de torpor, conservando energia ao reduzirem o movimento e a temperatura corporal. Fundamentalmente, este estado é de curto prazo e pode ser revertido rapidamente quando a incerteza diminui. Se a incerteza no fornecimento de alimento for esperada a longo prazo, a conservação de energia a curto prazo não é suficiente e os animais entram em hibernação.
Em segundo lugar, esperar para ver é particularmente razoável quando o contexto é reflexivo — ou seja, as acções tomadas podem desencadear reacções que aumentam ainda mais a incerteza ou a probabilidade de um resultado negativo. Por exemplo, na estratégia militar, uma abordagem de esperar para ver utilizou-se com sucesso quando a alternativa — o empenhamento activo — teria provavelmente levado a uma escalada indesejada. Um exemplo claro é a crise dos mísseis de Cuba, onde a Marinha dos Estados Unidos optou por criar um bloqueio em torno da ilha e observar os próximos passos dos soviéticos em vez de organizar uma invasão em grande escala, dado o possível risco de escalada nuclear.
Embora não estejamos à beira de uma guerra nuclear, o actual ambiente de incerteza política satisfaz estas condições especiais. Por um lado, a incerteza que as empresas enfrentam é deliberada — motivada por escolhas políticas. Como resultado, é razoável acreditar que a actual incerteza elevada é temporária, assumindo que o actual governo ou os futuros se estabelecem eventualmente numa direcção política mais estável ou previsível.
Além disso, muitas das políticas recentemente promulgadas são reversíveis: podem ser desfeitas pelo próximo governo ou — como já observámos em vários casos — pelo actual. Neste contexto, adiar as decisões empresariais até que novas informações venham a público pode ser sensato. Por outro lado, devem ser evitados novos compromissos difíceis de desfazer.
Além do mais, a última década mostrou que, quando as empresas se envolvem em questões políticas, existem riscos significativos de escalada. Um exemplo recente disso é a resposta rápida e crítica da Casa Branca ao alegado plano da Amazon de exibir o impacto do aumento das tarifas sobre alguns produtos vendidos no seu site. Mas este fenómeno não se limita ao actual governo ou, na verdade, ao governo em geral: na última década, muitas empresas enfrentaram reacções negativas significativas por parte do público, da imprensa e dos seus próprios funcionários pelas suas posições relativamente a questões sociais.
Em suma, num ambiente caracterizado pela incerteza política — que é temporária e onde as acções podem conduzir a reacções adversas — adoptar uma abordagem de esperar para ver pode ser vantajoso. Permite às empresas evitarem compromissos difíceis de reverter num contexto mutável e fazer decisões ou anúncios que levem a reacções políticas ou públicas negativas.
QUANDO ESPERAR NÃO É SUFICIENTE
A incerteza política não se manifesta uniformemente para todas as empresas. A maneira como uma empresa lida com ela dependerá de ter acesso a informações políticas exclusivas, se os seus negócios enfrentam uma ameaça existencial, ou se se encontram num período de incerteza prolongada.
Algumas empresas podem possuir informações políticas exclusivas ou conseguir exercer influência sobre os decisores políticos para terem uma maior certeza. Como resultado, têm a oportunidade de tomar a iniciativa — e, potencialmente, captar um lado positivo assimétrico. Exemplo disso é o desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 pela Pfizer em tempo recorde. A empresa conseguiu-o trabalhando com as entidades reguladoras para estabelecer um processo de aprovação simplificado e acelerado, onde apresentou inicialmente planos incompletos de testes de drogas e os concluiu à medida que os dados se tornavam disponíveis.
Para outras empresas, a incerteza política pode criar ameaças existenciais. Por exemplo, muitas empresas norte-americanas com cadeias de abastecimento concentradas na China manifestaram preocupações de que o forte aumento das tarifas norte-americanas sobre a China significasse que os seus modelos de negócio deixariam de ser viáveis: a MGA Entertainment, a maior fabricante de brinquedos dos EUA, previu que as taxas de importação de 145% provocariam uma queda de 30% a 40% nas suas vendas deste ano, resultante da necessidade de quase duplicar os preços. Embora o recente acordo para reduzir as tarifas entre os EUA e a China tenha aliviado a pressão sobre os importadores por enquanto, os líderes não devem contar com essas reversões: em 2018, uma série de escalonamentos tarifários entre os EUA e a China causou uma queda de 75% nas importações de soja dos EUA pela China, desferindo um grande golpe nos produtores norte-americanos — e demonstrando o quão significativo pode ser o impacto das tarifas. Assim, os líderes que enfrentam uma ameaça existencial devem agir rapidamente para garantir a sobrevivência do seu negócio, libertando recursos. Isto pode significar o congelamento de despesas discricionárias e o cancelamento de projectos, ou até mesmo a alienação ou o encerramento de negócios.
Por fim, as empresas podem enfrentar um período prolongado de surpresas recorrentes, cada uma das quais com o potencial de alterar o caminho para o sucesso futuro. Quando a incerteza elevada perdura e cria uma infinidade de futuros plausíveis, a espera passiva pode tornar-se disfuncional. Neste contexto, as empresas precisam de criar opções que compensem em muitos cenários futuros diferentes do mundo. Como exemplo, considere-se a situação que as fabricantes de automóveis enfrentam actualmente, com as tensões comerciais dos EUA em constante evolução com a China e o México, e a revogação das metas federais dos EUA para veículos eléctricos e insfra-estruturas de carregamento — que os governos estaduais ou as futuras administrações ainda podem restabelecer.
Neste ambiente de “muitos futuros”, a máxima opcionalidade poderia ser alcançada, por exemplo, criando plataformas de automóveis totalmente modulares que pudessem acomodar diversos designs e ser montadas em qualquer ponto do globo. Aliado a serviços de subscrição ou troca que permitam aos consumidores alternar entre automóveis à medida que os incentivos locais se alteram, este tipo de estratégia permitiria uma maior flexibilidade nos negócios. Contudo, criar opções não tem de ser tão disruptivo; uma empresa também pode fazer uma aposta lateral mais pequena num futuro potencial. Como exemplo, a Nvidia configurou o seu serviço GeForce Now — que oferece aos jogadores acesso on-demand às suas placas gráficas — como uma opção em antecipação de um futuro em que vender hardware aos consumidores já não seja a norma. Deixando de lado o exemplo da Nvidia, tais opções são frequentemente incompatíveis com o modelo de negócio actual de uma empresa e são essencialmente protecções contra múltiplos futuros plausíveis.
COMO EXECUTAR EFICAZMENTE UMA ESTRATÉGIA DE ESPERAR PARA VER
Uma abordagem de esperar para ver pode ser considerada, de forma útil, um padrão de espera: um estado de baixa energia onde as empresas “mantêm a pólvora seca” enquanto observam uma situação em evolução. Durante este período, a empresa pode planear o seu próximo movimento — o que pode passar por apostar num futuro específico ou investir na criação de opções que rendam em diferentes possíveis estados do mundo.
Isto tem implicações importantes sobre como executar correctamente uma abordagem de esperar para ver, como descrito abaixo.
1. AFASTAR-SE ACTIVAMENTE
Esperar para ver não deve ser confundido com simplesmente deixar as coisas acontecerem. Também não significa uma paragem total da actividade. Em vez disso, se for bem feita, esta abordagem significa evitar activamente compromissos importantes para não ficar preso num caminho que pode já não ser viável em condições instáveis, minimizando o risco de envolvimento político improdutivo.
Isto envolve a realização de uma análise proactiva aos compromissos pendentes da empresa, sejam eles investimentos, expansões ou parcerias. As análises devem incidir sobre dois critérios. Em primeiro lugar, os líderes devem examinar o risco de ficarem presos a um curso de acção que se pode tornar menos atractivo à medida que o panorama político evolui — como, por exemplo, expandir a capacidade de produção numa região sob ameaça de tarifas mais elevadas. Em segundo lugar, considere o risco de que uma decisão ou anúncio possa desencadear uma resposta política negativa ou uma reacção pública.
Esta análise aos compromissos pode resultar em atrasos nos projectos, nos lançamentos de produtos ou nas remessas. Pode também levar à renegociação de contratos para incluir cláusulas de rescisão ou factores baseados no desempenho.
Esta avaliação exige que os líderes desenvolvam uma compreensão da esfera política para avaliarem os níveis de exposição e os riscos associados aos diferentes compromissos corporativos. Organizacionalmente, isto significa desenvolver uma competência adicional na área da política e das políticas públicas. Além disso, as empresas devem estabelecer grupos de trabalho multifuncionais que incluam especialistas em estratégia, políticas, direito e finanças, para formar uma visão holística sobre as implicações das decisões e dos atrasos.
As empresas devem também desenvolver uma estratégia de comunicação interna que posicione as reavaliações e os atrasos como propositados — enquadrando-os como disciplina corporativa ou postura. A empresa quer evitar parecer descomprometida ou indecisa.
2. MANTER-SE ALERTA
No modo de esperar para ver, o elemento de observação é tão importante como a espera. As empresas precisam de acompanhar continuamente os desenvolvimentos para aproveitarem as oportunidades e prepararem-se para choques. Para isso, precisam de reforçar as suas capacidades de percepção política.
Isto significa reunir uma equipa que acompanhe as alterações legislativas e os anúncios de políticas, bem como o sentimento público e as acções da concorrência — que podem sugerir crenças emergentes sobre o futuro do mundo. As informações também podem ser recolhidas mediante coligações sectoriais ou redes de especialistas.
Além disso, as empresas em modo de espera devem criar uma sala de situação — um hub centralizado que agregue informações sobre desenvolvimentos relevantes, mantenha os líderes informados e garanta decisões em tempo útil. Por exemplo, durante os primeiros dias da pandemia de COVID-19, a Pfizer enfrentou uma incerteza significativa ao começar a desenvolver a sua vacina. Em resposta, o CEO Albert Bourla organizou reuniões quinzenais entre funções e hierarquias, sem uma agenda predefinida, mas que serviam para actualizar todos os stakeholders (sobre os resultados dos primeiros testes, por exemplo) e para permitir uma tomada de decisão rápida (como quais as vacinas candidatas a prosseguir).
3. PREPARAR PARA VOLTAR
Tal como um animal que entra em torpor, uma empresa que adopta uma abordagem de espera deve incorporar uma reversibilidade rápida — ou seja, a capacidade de se voltar a envolver rapidamente quando chega o momento certo. Esperar para ver não deve ser confundido com hibernação.
Para os líderes, isto significa definir factores que despertam — decisões políticas, mudanças de liderança ou movimentos das concorrentes que justificam uma resposta. Estes factores podem ser identificados com o planeamento de cenários ou simulações. Por exemplo, as empresas podem participar em exercícios de jogos de guerra, onde pequenos grupos simulam respostas a acções regulamentares ou da concorrência para identificarem possíveis resultados.
Além disso, as empresas devem elaborar manuais para estratégias de regresso ligadas a diferentes factores. Devem incluir cronogramas, responsabilidades, alocações orçamentais e comunicações externas correspondentes. Embora as empresas considerem geralmente estes manuais como reservados para a resposta a crises, podem ser igualmente úteis para orientar o regresso quando surge uma oportunidade.
CINCO PERGUNTAS-CHAVE PARA OS LÍDERES
Se decidiu adoptar uma estratégia de esperar para ver no meio da actual incerteza política, deve explorar as seguintes perguntas e estar pronto para explicar as respostas à sua equipa.
- Estamos apenas à deriva ou activamente à espera? Os líderes devem confirmar que os atrasos e os adiamentos são uma escolha estratégica para evitar um bloqueio, reunir informações sobre uma situação em evolução e desenvolver o próximo passo. Esperar para ver não deve ser apenas um sintoma de medo, confusão e indecisão.
- Compreendemos quais as decisões que podem levar ao risco de um bloqueio ou de resistência política? Além disso, como pode a empresa reduzir ou adiar activamente estas decisões? Os líderes devem trabalhar para trazer à luz potenciais compromissos baseados em premissas políticas em mudança e decidir se e como os desencadear.
- Que confiança temos na nossa capacidade de detectar sinais sobre alterações nas políticas e na concorrência? Estas mudanças podem mudar rapidamente a perspectiva da empresa, pelo que os líderes devem desenvolver as ferramentas de detecção correctas e encaminhar rapidamente a informação para os decisores.
- Que factores precisos nos farão passar do modo “pausar” para o modo “seguir”? Os líderes devem identificar as acções ou os factores específicos que levarão ao regresso.
- Temos manuais prontos para o regresso e praticamos a sua implementação? Os líderes devem orientar as equipas para construir e testar a infra-estrutura de reversibilidade.
Num mundo caracterizado pela incerteza política — que é temporária e reversível —, uma abordagem de esperar para ver pode ser uma estratégia válida. Ao reduzirem os compromissos, as empresas podem ganhar tempo e manter a f lexibilidade. Todavia, os líderes precisam de combinar este estado de espera com atenção aos desenvolvimentos e preparativos para o regresso. Por fim, as empresas podem utilizar a abordagem de esperar para ver como um padrão de espera de curto prazo para decidir o seu próximo movimento estratégico — seja fazer uma aposta única ou desenvolver um portefólio de opções.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 232 de Julho de 2025














