O governo israelita prepara-se para votar hoje a destituição da procuradora-geral, Gali Baharav-Miara, na sequência de uma decisão tomada na quinta-feira por um comité ministerial que considera estarem reunidas as condições para o seu afastamento. A antecipação da votação deve-se à iminente demissão de um dos membros do comité, o ministro dos Assuntos Religiosos, Michael Malkieli, do partido ultraortodoxo Shas.
A medida surge após meses de tensão entre Baharav-Miara e o executivo liderado por Benjamin Netanyahu. O comité, composto por cinco ministros, acusa a procuradora-geral de ter sistematicamente bloqueado políticas governamentais, de recusar representar o governo em tribunal, de se opor a leis propostas por considerar que violam a Constituição e de impedir, em alguns casos, que o executivo tenha representação legal independente.
A procuradora, por sua vez, rejeita todas as acusações e tem-se recusado a participar no processo, que classificou como “uma audição simulada com um desfecho previamente decidido”. Numa declaração recente, disse que o novo procedimento adotado pelo governo — que lhe permite contornar a comissão independente tradicionalmente encarregue de recomendar a nomeação ou demissão do procurador-geral — representa “um golpe grave contra o Estado de direito”.
O comité, presidido pelo ministro dos Assuntos da Diáspora, Amichai Chikli, e integrado também por Itamar Ben Gvir, Bezalel Smotrich, Gila Gamliel e Michael Malkieli, afirma que a atuação da procuradora impede a cooperação com o governo, condição prevista numa resolução de 2000 como justificação para a sua exoneração. Esta resolução, até agora pouco utilizada, foi invocada após o governo ter falhado em nomear membros para a comissão pública prevista na lei, criando em alternativa um comité exclusivamente ministerial.
O líder da oposição, Yair Lapid, acusou o governo de estar a tentar “desviar atenções do fracasso na condução da guerra, da não devolução dos reféns e da evasão ao alistamento militar por parte dos ultraortodoxos”, através de “um processo ilegal conduzido por um governo minoritário e ilegítimo”. Lapid garantiu que o seu partido vai recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça caso a destituição avance. O tribunal, que até agora se tinha recusado a intervir por o processo ainda não ter sido concretizado, será agora forçado a pronunciar-se.
O cargo de procurador-geral em Israel é visto como uma das principais garantias do Estado de direito, tendo autoridade para avaliar a legalidade das ações do governo. A sua independência, reforçada por um mandato de seis anos e por um processo de nomeação técnico, tem sido considerada fundamental para o equilíbrio de poderes. A tentativa de destituição fora do mecanismo tradicional é, por isso, vista como uma ameaça grave por muitos juristas e por antigos responsáveis, como o ex-procurador Avichai Mandelblit, que já alertou para os riscos de uma politização da função.
Desde que tomou posse, no final de 2022, o governo de Netanyahu tem estado em rota de colisão com Baharav-Miara, especialmente em matérias relacionadas com reformas judiciais e a gestão da atual guerra. O desfecho da votação de domingo — caso se concretize a exoneração — abrirá um novo capítulo no confronto entre o executivo e o sistema judicial israelita.














