Parlamento debate hoje alterações à lei do aborto. O que dizem as propostas dos vários partidos?

O Parlamento português discute hoje alterações à legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG), com foco no alargamento dos prazos e na eliminação de requisitos atualmente previstos na lei. O debate foi impulsionado pelo Partido Socialista (PS), que apresentou um projeto de lei visando, entre outras mudanças, estender o prazo para o aborto a pedido da mulher de 10 para 12 semanas e de 12 para 14 semanas nos casos em que há risco de morte ou lesão grave e duradoura para a saúde da grávida.

Propostas do PS e convergências à esquerda
Entre as alterações propostas pelo PS está a eliminação do período obrigatório de três dias de reflexão entre a consulta médica e a intervenção, bem como a redução do número de profissionais envolvidos no processo. Atualmente, é necessário que o atestado médico seja emitido por um profissional diferente daquele que realiza o procedimento. A proposta socialista prevê que apenas um médico seja suficiente.

As ideias apresentadas pelo PS encontram eco noutros partidos da esquerda. Livre e Bloco de Esquerda (BE) também defendem o fim do período de reflexão e propõem o alargamento do prazo para 14 semanas. O Partido Comunista Português (PCP) alinha-se com o PS ao propor a extensão para 12 semanas, mas diverge noutros aspetos.

Abordagens do Livre, BE e PAN
O Livre apresentou ainda um projeto de resolução recomendando a contratação de médicos não objetores para garantir que o aborto seja acessível em qualquer hospital público. Já o BE quer obrigar os médicos a declarar antecipadamente a sua posição quanto à objeção de consciência. Por sua vez, o PAN defende a criação de um circuito específico para a referência e encaminhamento das mulheres que solicitem IVG no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O PAN também propõe prolongar o apoio psicológico e social atualmente disponibilizado às mulheres que realizam ou não o aborto, removendo a obrigatoriedade de este apoio ser limitado ao período de reflexão.

Posições das associações
Para a Associação para o Planeamento da Família (APF), as propostas em debate são um passo positivo. “Tudo o que seja a favor de melhorar o acesso das mulheres à IVG é favorável”, afirmou Mara Carvalho, médica de família e membro da direção da APF, citada pelo Público. Carvalho também critica os três dias de reflexão e a exigência de dois médicos, considerando estas práticas desnecessárias.

A associação propõe ainda que as IVGs possam ser realizadas em unidades de saúde familiares, especialmente tendo em conta a crise no SNS. “A maioria das interrupções voluntárias da gravidez são medicamentosas, e este método pode ser realizado fora do contexto hospitalar, desde que sejam criados os circuitos adequados”, acrescentou Mara Carvalho.

Apesar de concordar com muitas das propostas, o secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, destacou que o momento político não é o mais favorável para avanços. “Por nossa iniciativa, não voltaríamos a esta questão agora, até porque consideramos que a maioria parlamentar é suscetível a recuos”, afirmou Raimundo.

Portugal apresenta atualmente um dos prazos mais restritivos para a IVG na Europa, algo que leva muitas mulheres a procurarem Espanha para realizar o procedimento após as 10 semanas. Dados divulgados pelo Expresso indicam que, em 2023, 530 mulheres portuguesas recorreram ao país vizinho para abortar.

A discussão parlamentar é acompanhada por uma carta aberta subscrita por quase 200 personalidades, incluindo políticos, ativistas e figuras públicas, que apelam ao alargamento dos prazos e à remoção de barreiras ao acesso à IVG. Entre os signatários estão Catarina Furtado, Francisca Van Dunem, Ana Gomes e Catarina Martins.

O documento insta o Parlamento a ouvir contributos de associações representativas dos direitos das mulheres e profissionais de saúde, argumentando que a legislação deve evoluir em conformidade com a ciência e as recomendações internacionais.

O aborto continua a ser um dos temas mais divisivos em Portugal, segundo um estudo realizado em 2022 pela LLYC, empresa de marketing. Desde a despenalização em 2007, o tema suscita debates acesos, e as discussões de hoje prometem reacender divergências entre os partidos e na sociedade civil.

Uma decisão sobre as propostas deverá ser conhecida nos próximos meses, com as alterações, caso aprovadas, a marcar uma nova fase no acesso à saúde sexual e reprodutiva em Portugal.