Taxa ilegal sobre os combustíveis rende dois milhões de euros por dia
Apesar de declarada ilegal pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) em 2022, a contribuição de serviço rodoviário (CSR) permanece embutida no preço dos combustíveis, agora integrada no imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP). Estimativas do Orçamento do Estado para 2024 apontam para uma receita total de 675,3 milhões de euros, o que equivale a quase dois milhões de euros por dia, destinados principalmente à manutenção da rede rodoviária gerida pela Infraestruturas de Portugal (IP).
Após a decisão do TJUE, que considerou a CSR ilegal por não cumprir os requisitos de “motivo específico” exigidos pelas diretivas europeias, o Governo extinguiu formalmente a taxa no final de 2022. Contudo, já em janeiro de 2023, incorporou o valor da CSR no ISP, agravando este imposto em cerca de 10 cêntimos por litro. O impacto para os consumidores manteve-se inalterado: no final de 2022, pagavam 37 cêntimos por litro de ISP e 8 cêntimos de CSR; em 2023, passaram a pagar 47 cêntimos de ISP.
Segundo o Jornal de Notícias (JN), Nos primeiros seis meses de 2024, a IP recebeu 336,2 milhões de euros provenientes desta componente fiscal. A empresa, nos seus relatórios, refere-se à receita como “consignação de serviço rodoviário” e não como CSR, enquanto os orçamentos do Estado continuam a utilizar a nomenclatura original, inclusive no documento para 2025.
A CSR, criada em 2007, foi concebida para financiar a rede de estradas nacionais e permanece como uma das principais fontes de financiamento da IP. Em 2023, a receita anual da taxa integrada no ISP foi de 641,7 milhões de euros, e as previsões para 2025 apontam para 690 milhões de euros, um aumento de 2,3 milhões face ao ano anterior. Apesar do caráter estatisticamente extinto da CSR, o destino da receita continua o mesmo, como reconhecido nos relatórios orçamentais de 2023, 2024 e 2025.
A integração da CSR no ISP gera controvérsia jurídica. O advogado Tiago Caiado Guerreiro afirmou que, idealmente, a cobrança deveria ser considerada ilegal, mas admite que, em tribunal, seria difícil provar a absorção da CSR no ISP como um mecanismo para contornar a decisão do TJUE. Por outro lado, Rogério Fernandes Ferreira, especialista em direito fiscal, defende que a medida do Governo “removeu o obstáculo” apontado pelo tribunal europeu, tornando difícil sustentar que a taxa é agora ilegal.
Entretanto, o Ministério das Finanças, questionado sobre a legitimidade desta alteração e sobre eventuais mudanças futuras, não respondeu às questões colocadas pelo Jornal de Notícias.
Desde a decisão do TJUE, consumidores e empresas têm recorrido aos tribunais para reaver os valores pagos pela CSR. Até fevereiro de 2024, estavam registados 190 processos de contestação, dos quais 55,2% resultaram em decisões favoráveis aos queixosos. Apesar disso, a cobrança prossegue, com o Governo defendendo a sua legitimidade através da incorporação da taxa no ISP.
A CSR, agora escondida no ISP, continua a ser paga por todos os consumidores de combustíveis, sustentando uma rede rodoviária que permanece dependente desta fonte de financiamento. Embora a legalidade do mecanismo seja questionável, a arrecadação de quase dois milhões de euros por dia é um pilar essencial para a manutenção e expansão das infraestruturas rodoviárias nacionais. O debate sobre a transparência e justiça fiscal desta medida, contudo, está longe de estar encerrado.