Ensino Superior: Número de alunos pobres cai para metade em apenas um ano
A participação de alunos provenientes de famílias carenciadas no ensino superior sofreu uma queda acentuada, reduzindo-se quase para metade em apenas um ano. De acordo com os dados mais recentes referentes à 1.ª fase do concurso nacional de acesso ao ensino superior, apenas 3,3% dos alunos colocados eram beneficiários do escalão A de ação social escolar, representando um total de 1.655 estudantes. Este número evidencia uma redução de 41% face ao ano anterior, quando pela primeira vez foi implementado um contingente prioritário para estes alunos, que se aplica exclusivamente na 1.ª fase do concurso.
Menos vagas utilizadas para estudantes carenciados
Embora o contingente prioritário continue em vigor, grande parte das vagas reservadas para os estudantes do escalão A não foram sequer utilizadas. De acordo com os dados disponíveis, citados pelo Jornal de Notícias, 1.655 estudantes beneficiários do escalão A foram colocados no ensino superior este ano, dos quais 1.178 conseguiram entrar através do contingente prioritário. Comparativamente ao ano passado, há um aumento no número de estudantes colocados através destas vagas prioritárias, que em 2023-2024 foram 1.013 de um total de 2.810 estudantes carenciados que entraram no ensino superior.
O Ministério da Educação, em resposta ao Jornal de Notícias (JN), informou que 154 alunos que solicitaram o contingente não conseguiram colocação, o que representa 9% do total dos candidatos que recorreram a esta medida. Este número coloca o total de requerentes do contingente prioritário ligeiramente acima dos 1.700.
No entanto, quando questionada sobre o número de vagas disponíveis, a tutela foi vaga, mencionando apenas que estas corresponderam a “mais de 2% das vagas totais”, o que sugere pouco mais de mil vagas – um número significativamente inferior às 2.038 vagas oferecidas no ano passado. Alberto Amaral, antigo presidente da Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior, destacou que “uma percentagem muito significativa” dessas vagas “não foram utilizadas”.
Explicações e perspetivas para o futuro
Confrontado com esta quebra significativa, o gabinete do ministro da Educação, Fernando Alexandre, referiu que “as regras não foram alteradas entre os dois anos letivos” e que a diferença nos números “tem a ver com as candidaturas feitas e com as circunstâncias dos candidatos”, sem fornecer detalhes adicionais. Adicionalmente, mencionou que houve uma redução de 1,3% no número total de candidatos na 1.ª fase em relação ao ano anterior.
Quanto ao futuro deste contingente, que ainda se encontra em fase piloto, o ministério indicou que “os resultados serão analisados e devidamente estudados”, o que poderá conduzir a eventuais ajustes ou reforços na ação social.
O presidente da Comissão Nacional de Acesso ao Ensino Superior, Fontainhas Fernandes, destacou que, apesar da redução no número total de estudantes carenciados no ensino superior, houve um aumento dentro do contingente prioritário, o que demonstra que este mecanismo “é mais conhecido e há mais informação”. Contudo, reconhece a influência da “pressão do mercado de trabalho” nesta diminuição.
Enquanto professor catedrático da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Fontainhas Fernandes sublinha que, se o objetivo é que o ensino superior seja um verdadeiro “elevador social”, é crucial reforçar a ação social, especialmente para os alunos que necessitam de mobilidade para estudar. Defende ainda a necessidade de promover o contingente, já que muitos jovens oriundos de meios socioeconómicos desfavorecidos “têm menos informação” sobre as oportunidades existentes.
Discrepâncias nas escolhas dos estudantes mais desfavorecidos
Alberto Amaral demonstrou perplexidade com o facto de que os alunos do escalão A não tenham recorrido à totalidade das vagas prioritárias disponíveis, situação que já se verificou no ano passado. Para o ex-reitor da Universidade do Porto, as diferenças de origem social também influenciam as escolhas académicas dos estudantes. Muitas vezes, estudantes de meios mais desfavorecidos tendem a fazer escolhas menos ambiciosas, mesmo quando o seu desempenho académico sugere que teriam condições para aceder a cursos mais exigentes. Este fenómeno, que está atualmente a ser estudado pela Edulog, pode ser atribuído a uma variedade de fatores, como falta de informação, de ambição ou de recursos financeiros.
Reforma da ação social no próximo ano
O Governo anunciou que irá proceder a uma revisão do modelo de Ação Social para o próximo ano letivo. A garantia foi dada pelo ministro da Educação, que afirmou que a Universidade Nova de Lisboa irá avaliar o sistema, atualmente descrito por Fernando Alexandre como uma “manta de retalhos”. A intenção do Governo, expressa durante o encerramento das jornadas parlamentares do PSD/CDS, é criar um regime que assegure que “ninguém é excluído do Ensino Superior por razões económicas”.
Desempenho dos alunos do escalão A nos cursos mais competitivos
Um estudo adicional revela que, no ano passado, em 14 dos 71 cursos com nota mínima de acesso igual ou superior a 17 valores, os estudantes do escalão A conseguiriam entrar mesmo sem o contingente prioritário. Contudo, em metade destes cursos, não teriam conseguido um lugar. Para o concurso deste ano, ainda não há dados disponíveis.
O que é o contingente prioritário?
O contingente prioritário destina-se a estudantes beneficiários do escalão A de ação social escolar e tem como objetivo garantir que alunos oriundos de famílias com menores rendimentos têm acesso ao ensino superior. As instituições de ensino reservam 2% das vagas ou um mínimo de duas vagas por curso para estes estudantes. Este contingente encontra-se atualmente numa fase piloto, mas todas as instituições de ensino superior em Portugal aderiram à iniciativa.