Falsa professora recebeu quase um milhão de euros em salários do Estado: tribunais dizem que não tem de devolver nada
Durante três décadas, Paula Pinto Pereira deu aulas de Matemática em quatro escolas portuguesas sem estar habilitada para isso: após três denúncias anónimas, em 2021, à Inspeção-Geral da Educação, foi aberto um processo disciplinar e consequente demissão, após a docente ter atingido o escalão máximo de remuneração, com um salário superior a dois mil euros líquidos.
O Ministério da Educação assinou, em 2023, o despacho que culminou a demissão da professora e exigiu a devolução de quase 350 mil euros por danos ao Estado, invocando “enriquecimento sem causa”: no entanto, salientou a ‘CNN Portugal’, a Justiça tem dado razão à professora neste ponto.
A docente apresentou uma providência cautelar no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada, sendo que o tribunal de primeira instância acabou por lhe dar razão em parte: a demissão não mereceu dúvidas, mas a devolução dos 350 mil euros não teria de ser feita, tendo anulado o “ato administrativo” descrito no processo disciplinar que obrigava à devolução. Na decisão do TAF de Almada lê-se que a ação foi declarada “parcialmente procedente” e determinada a anulação do “ato administrativo na parte em que impõe a devolução ao Estado da quantia de €348.563,70”. Tal como considerou “a presente ação improcedente, por não provada” e absolveu “a Entidade Demandada do pedido”.
O ministério recorreu, a 21 de maio deste ano, para o Tribunal Central Administrativo Sul, sendo que em agosto último o coletivo de três juízes manteve a decisão da primeira instância. Em resposta ao canal televisivo, o ministério salientou que “a devolução ao Estado destas quantias poderá sempre ser contestada e ser realizada no âmbito do processo-crime, ainda em curso, e/ou pela via administrativa através de procedimento administrativo para reposição de dinheiros públicos, procedimento já em desenvolvimento”.
Paula Pinto Pereira ainda se poderá sentar no banco dos réus por crime de burla qualificada, depois de ter sido aberto um inquérito na Procuradoria da República da Comarca de Lisboa (DIAP), sendo este o “processo-crime” a que se refere o MECI. “A Inspeção Geral da Educação e Ciência teve conhecimento do caso através de três denúncias anónimas, a dar conta de dúvidas relativamente ao facto de a docente ser detentora da licenciatura em Matemática, ramo educacional, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa – FCUL e sobre o facto de a docente ser detentora do mestrado em Ensino da Matemática, pela Universidade da Madeira”, apontou o ministério.
“Perante as denúncias, a 01-04-2022 foi instaurado um processo de inquérito pela IGEC. Concluído o processo de inquérito, com a existência de fortes indícios da prática de infração disciplinar/criminal, foi instaurado à trabalhadora um processo disciplinar e foi feita participação crime ao Ministério Público competente, com o conhecimento do inquérito à DGAE e DGEstE, para os devidos efeitos”, salientou, garantindo que durante toda a sua carreira “o valor da remuneração processada à trabalhadora (…) foi no total de 970.895,09 €”, no entanto, o Estado apenas pede o valor calculado “de abril de 2003 a março de 2023 (últimos 20 anos)” de 348.563,70 €.
“A quantia, cuja devolução aos cofres do Estado, é imposta à A./Recorrida, resulta das verbas indevidamente e ilegitimamente recebidas, pela conduta que adotou, nos últimos vinte anos, que é o prazo ordinário de prescrição previsto no art. 309° do Código Civil, que aqui se aplica tendo em conta que decorre do processo disciplinar, claramente, que desde que A./Recorrida ingressou nos quadros da carreira docente e aí progrediu subindo de escalões, se estabeleceu uma relação laboral sinalagmática entre a mesma e a Administração Pública em que se exige o cumprimento de obrigações mútuas pautadas pela boa-fé”, apontou.