Normalização da saúde mental: o caminho para uma sociedade mais inclusiva

Por Vasco Antunes Pereira, CEO do Grupo Lusíadas Saúde

Como acontece em todas as rentrées, no primeiro dia de trabalho somos recebidos por uma caixa de emails cheia e uma agenda que rapidamente se preenche, fatores indutores de ansiedade ou até para experienciar o que comummente se considera de “depressão pós-férias”. Em alguns casos, esta é uma sensação passageira, uma vez que os anos de experiência permitem criar mecanismos para uma melhor gestão de tempo e trabalho. No entanto, para muitos, este simples regresso ao quotidiano pode significar o retomar de uma rotina que, por diversas situações e motivos, coloca-os numa posição de pressão, responsável por espoletar sintomas que, apesar de frequentemente desvalorizados, merecem uma atenção cuidadosa. Sensações de ansiedade, burnout, tristeza e até depressão, são sinais que podem significar algo mais do que apenas manifestações passageiras do regresso a um dia-a-dia de trabalho.

Este é um dos grandes desafios da sociedade contemporânea e os números recentes comprovam-no. A gravidade e a prevalência desta problemática em Portugal são evidenciadas pelo Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, conduzido pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. Esta análise revelou que cerca de 22,9% dos adultos portugueses enfrentam perturbações psiquiátricas, posicionando Portugal como o segundo país da Europa com a maior prevalência de doenças psiquiátricas e demonstrando o estado da saúde mental dos portugueses.

Para este cenário contribuiu o facto de, durante décadas, o bem-estar psicológico ter sido ignorado e/ou estigmatizado, fazendo com que muitas pessoas sofressem em silêncio, sem o apoio adequado e necessário. No entanto, estamos a testemunhar uma mudança significativa. A saúde mental está a ganhar reconhecimento no debate público e, em particular, nas empresas, no que diz respeito à reflexão sobre o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional e o seu impacto na produtividade.

Não obstante o espaço que esta problemática tem vindo a ocupar – o que, a meu ver, ainda não é suficiente – o nosso país enfrenta um subfinanciamento crónico na área da saúde mental, com recursos limitados e falta de profissionais especializados. Este cenário torna difícil garantir o acesso a cuidados de saúde mental de qualidade para todos os que deles necessitam. Além disso, o estigma social continua a ser uma barreira significativa que contribui para o agravamento dos problemas de saúde mental.

Este contexto impede mesmo que muitas pessoas procurem ajuda por medo de serem julgadas ou discriminadas – e no ambiente de trabalho isso é ainda mais evidente, na medida em que diversas pessoas assumem que o seu problema de saúde é sinal de fraqueza ou até de incompetência. Esta realidade evidencia a necessidade urgente de um investimento mais robusto em iniciativas que promovam a saúde e bem-estar mental dos cidadãos e que combatam o estigma associado às doenças mentais. Contudo, a responsabilidade pela promoção da saúde mental não recai apenas sobre o Estado ou o Sistema Nacional de Saúde no seu todo. As empresas desempenham um papel fundamental nesta missão, sendo essenciais na criação de ambientes de trabalho saudáveis e solidários.

Na Lusíadas Saúde, compreendemos profundamente a importância do bem-estar psicológico e, por isso, tomámos medidas concretas para apoiar a saúde mental dos nossos pacientes e profissionais. O Hospital Lusíadas Monsanto, por exemplo, tem um projeto clínico diferenciador e a nobre missão de desmistificar as patologias mentais, enquanto oferece cuidados de saúde mental de excelência. É também face a esta oferta e ao nosso compromisso com a saúde mental dos portugueses que temos trabalhado para combater o estigma associado às doenças mentais e promover uma abordagem integrada e humanizada da saúde mental. Neste sentido, este ano lançámos internamente o Programa de Bem-Estar Lusíadas. Desenvolvido com base nas preocupações e sugestões dos nossos colaboradores, que temos vindo a recolher através de questionários e focus groups com as equipas, este programa aborda três dimensões essenciais do bem-estar – física, social e mental – através da realização de inúmeras iniciativas internas e conta com o envolvimento e compromisso ativo de cerca de 100 líderes do grupo em prol do seu cumprimento.

O compromisso de instituições com forte expressão nacional, como a Lusíadas Saúde, representa um passo importante, mas é crucial que este esforço seja partilhado por todos os setores da sociedade. A promoção da saúde mental deve ser encarada como uma responsabilidade coletiva que envolve não apenas o setor da saúde, mas também o Governo, as empresas e a sociedade em geral. Investir em saúde mental não deve ser visto como um custo, mas como um investimento no futuro do País. Ao promover o bem-estar psicológico, estamos a contribuir para uma sociedade mais produtiva, equilibrada e feliz, onde todos têm a oportunidade de viver de forma plena e saudável.

E, para avançarmos verdadeiramente na normalização da saúde mental em Portugal, é fundamental que cada um de nós desempenhe um papel ativo e responsável. Devemos tratar a nossa saúde mental com a mesma seriedade que tratamos a saúde física, reconhecendo e enfrentando os problemas psicológicos sem preconceitos. A naturalização dos temas relacionados com a saúde mental, através de uma discussão aberta e desprovida de estigmas, é essencial para reduzir barreiras e incentivar aqueles que necessitam de apoio a procurá-lo. Para isso, é imperativo que todos os setores da sociedade estejam comprometidos com esta causa.

Precisamos de um aumento substancial no investimento em saúde mental, de mais profissionais qualificados e de um esforço conjunto para implementar políticas e práticas que criem ambientes de trabalho e de vida saudáveis. Ao unirmos forças, asseguramos o acesso aos cuidados necessários e contribuímos para uma sociedade mais equilibrada e resiliente. A saúde mental deve ser uma prioridade coletiva por ser a base de uma sociedade produtiva, funcional e, sobretudo, inclusiva.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 222 de Setembro de 2024

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