Satya Nadella, Microsoft, está a vencer a guerra da IA das grandes tecnológicas

Por: Harry McCracken, Fast Company

Passa pouco das 9h e o CEO da Microsoft dá início à Build, a conferência anual de programadores da empresa. Os participantes encheram um prédio de Seattle, mas estão em grande desvantagem numérica face aos que o vêem via streaming. A participação não é surpresa. Durante meses, o software generativo de IA que consegue criar textos, imagens e outros conteúdos com um toque humano dominou a atenção da indústria tecnológica. E, de repente, a Microsoft está na liderança.
A Microsoft tem estado na vanguarda da corrida da IA no mundo da tecnologia devido à parceria histórica que Nadella firmou com a criadora do ChatGPT, a OpenAI, que — em troca de um investimento de 12 mil milhões de euros — dá à gigante de software direitos sobre tecnologias actuais e futuras da startup. À medida que os resultados começaram a aparecer em versões novas e futuras de produtos da Microsoft, do GitHub ao Bing, do Excel ao Azure, impulsionaram enormemente a posição da empresa face a concorrentes como a Amazon e a Google. Pela primeira vez desde o seu apogeu na década de 90, a empresa é considerada líder da próxima onda histórica de mudanças tecnológicas. «O facto de a Microsoft ter uma posição de liderança é muito importante», refere Patrick Moorhead, analista da Moor Insights & Strategy. «Se me tivesse pedido há dois anos para classificar as empresas na corrida da IA, teria colocado a Microsoft em terceiro ou quarto lugar.»

Nos bastidores após o seu discurso na Build, Nadella inclina-se para a frente na sua cadeira e enfatiza que esse aparente ponto de inflexão está em desenvolvimento há muito tempo. A Microsoft tem vindo a transformar-se para se tornar uma empresa de IA há algum tempo — de forma discreta, mas dramática. «O que aconteceu nos últimos cinco meses», explica, «foi o trabalho dos últimos 10.»
Os resultados futuros podem ser o ápice da já notável carreira de Nadella. Natural de Hyderabad, Índia, Nadella chegou aos EUA no seu 21.º aniversário para estudar Engenharia Informática, ingressou na Microsoft em 1992 e tornou-se um fã do Windows, viajando por todo o país para persuadir as empresas a adoptarem o então novo sistema operativo Windows NT. Mesmo no início, numa empresa conhecida pela competitividade agressiva e por políticas internas cruéis, a sua dedicação ao trabalho em questão era «uma lufada de ar fresco, como se ele fosse o adulto na sala, embora fosse a pessoa mais nova», nota Brad Silverberg, que supervisionou o Windows, o Internet Explorer e o Office nos anos 90.

A natureza atenciosa e o conhecimento técnico de Nadella impulsionaram-no na hierarquia até conseguir o maior cargo de todos, sucedendo a Steve Ballmer como CEO, em Fevereiro de 2014. A empresa de 39 anos ainda era muito lucrativa, mas a era do PC acabara. Em vez de se apegar às glórias do passado, Nadella encorajou a organização a desenvolver uma humilde apreciação por aquilo que ainda não sabia, procurando novos negócios como o cloud computing — e aquisições ousadas como o LinkedIn e o GitHub — de uma forma que a antiga Microsoft não teria feito. Pelo caminho, o valor de mercado da Microsoft, estagnado em 280 mil milhões de euros quando Nadella se tornou CEO, ultrapassou os 2,3 biliões de euros.
A IA generativa pode ser o motor que levará a empresa aos três mil milhões de euros  e mais além, um limite que apenas a Apple ultrapassou até ao momento. Em Junho, a McKinsey publicou um relatório calculando que a tecnologia poderia acrescentar entre 2,4 e quatro mil milhões em valor anual à economia global, tornando uma série de processos mais eficientes e eficazes. Todas as gigantes tecnológicas, incluindo rivais como a Amazon, a Google e a Salesforce, estão na corrida para obterem o seu quinhão, imbuindo os seus produtos de funcionalidades que não existiam. Mas a Microsoft, com o seu extenso portefólio de ofertas para empresas e consumidores, está numa posição formidável para rentabilizar essa promessa.

No entanto, a IA também é um campo minado. Desde a sua alarmante capacidade de espalhar desinformação até às mudanças drásticas que poderá infligir no mercado de trabalho, a tecnologia irá criar problemas sociais, bem como resolvê-los. E isso antes de chegarmos a cenários distópicos que envolvem os humanos a perderem o controlo da IA e a serem vítimas dela.
Nadella, que abriu a sua palestra Build em 2017 exibindo as capas de “1984” e de “Admirável Mundo Novo” no ecrã como símbolos do potencial para o mal da tecnologia, nunca se esquivou a enfrentar o lado negro da IA. E mesmo que a Microsoft evite desencadear o desastre da IA, Nadella está certo de que esta próxima fase da sua história não será fácil. «É muito difícil para grandes empresas como a nossa, que tiveram algum sucesso, migrar para coisas novas», explica-me. Como sempre, o seu tom é comedido. Mas o desejo de conquistar a próxima fronteira da tecnologia é visceral. Parece bastante “Microsoftiano”. «Satya quer vencer», observa Silverberg.

«A derradeira interface humana»
O estudo da IA remonta a um workshop do Dartmouth College, em 1956, cujo objectivo era ensinar os computadores a “resolverem os tipos de problemas agora reservados a humanos”. Em 1991, a Microsoft formalizou os seus esforços na área, contratando algumas das mentes mais brilhantes da disciplina para trabalhar num laboratório de inovação chamado Microsoft Research.
Durante décadas, porém, o impacto da IA ficou muito aquém das suas ambições, e a Microsoft, em particular, tinha a reputação de não conseguir transformar a sua investigação em avanços no mundo real. «Eles falavam sobre como alcançaram um novo padrão de tradução automática, algum número obscuro numa escala obscura, e ninguém entendia o que isso significava», refere Mary Jo Foley, jornalista de tecnologia desde os anos 80 que escreve sobre a empresa para a consultoria Directions on Microsoft.

Nadella ficou impressionado com o trabalho da OpenAI desde o início, mas sabia que a sua opinião não significava muito. Ao tentar perscrutar o futuro da Microsoft como o seu novo CEO, Nadella ficou convencido de que as pessoas se envolveriam cada vez mais com os computadores através de experiências semelhantes a chats, tornadas possíveis pelos avanços da IA. Como ele me disse: «A inteligência interactiva é a derradeira interface humana.» Ele começou a tomar medidas concretas para colocar essa ideia no topo da lista de tarefas da empresa, incluindo reunir mais de cinco mil cientistas, engenheiros e outros funcionários num novo Grupo de Pesquisa e IA em 2016, que cresceu para oito mil no seu primeiro ano. Então, em 2019, começou a reunir os seus líderes para uma nova reunião semanal — chamada “AI 365” — que «garantia que estávamos focados nos tópicos mais importantes e a investir neles da maneira certa», diz Sarah Bird, a gestora na Microsoft responsável pelo uso responsável da tecnologia.

Esses movimentos não surtiram efeito instantaneamente: a declaração de Nadella durante a sua palestra Build de 2016 de que «os bots são as nossas aplicações» estava à frente do que a tecnologia poderia alcançar na altura. Mas deixou claro que as pessoas de toda a organização deveriam trabalhar juntas para transformar a pesquisa em IA em recursos úteis de produto.
Enquanto isso, a concorrência crescia. Após ser nomeado CEO da Google em 2015, Sundar Pichai, na sua primeira carta aos accionistas, afirmou que a empresa estava a entrar num mundo «focado na IA». Os analistas da Google descobriram que, ao debitarem grandes quantidades de materiais escritos criados por humanos, podiam ensinar um algoritmo a adivinhar palavras escondidas numa sequência de texto com uma precisão surpreendente. Esta noção de um “grande modelo de linguagem”, ou LLM, proporcionou um vislumbre tentador da inteligência interactiva imaginada por Nadella.

No espírito do avanço tecnológico, os cientistas da Google partilharam as suas descobertas, que rapidamente tiveram repercussões em toda a indústria. Entre as muitas organizações que se basearam neles estava uma organização sem fins lucrativos chamada OpenAI. Fundada em 2015 e apoiada por nomes conhecidos de Silicon Valley, como o fundador do LinkedIn, Reid Hoffman, a cofundadora da Y Combinator, Jessica Livingston, Elon Musk e Peter Thiel, o seu objectivo era «fazer avançar a inteligência digital da maneira que mais beneficiaria a humanidade, sem a limitação da necessidade de gerar retorno financeiro». Vendo um possível cliente para a sua plataforma de cloud Azure, a Microsoft ofereceu à nova empresa alguns créditos para tempo de computação gratuito. À medida que esses obséquios diminuíam, a OpenAI começou a transferir o seu trabalho para o Google Cloud, aparentemente concluindo o seu relacionamento com a Microsoft.

Nadella ficou impressionado com o trabalho da OpenAI desde o início — «em geral, fico entusiasmado com coisas novas», diz —, mas sabia que a sua opinião não significava muito. Após encontrar o CEO da OpenAI, Sam Altman, numa conferência, e debaterem rapidamente a possibilidade de uma colaboração oficial, Nadella pediu ao CTO da Microsoft, Kevin Scott, que visitasse a empresa e avaliasse o GPT com um olhar imparcial.
«Definitivamente, fui lá com algum cepticismo», lembra Scott. «Mas eles tinham uma visão clara sobre o rumo que achavam que as coisas estavam a tomar.»
Embora a Microsoft também estivesse a desenvolver o seu próprio LLM, cujo nome de código era Project Turing, Scott percebeu como o GPT podia melhorar os produtos da Microsoft. Em Julho de 2019, a Microsoft comprometeu-se a investir mil milhões de euros na OpenAI. A OpenAI obteve a infra-estrutura de computação de que os seus futuros LLM precisariam; a Microsoft tornou-se o parceiro preferencial para os comercializar.

Menos de um ano depois, a OpenAI tinha uma versão funcional do GPT-3, a terceira versão principal do seu LLM. As suas limitações eram óbvias: o texto escrito que gerava tinha tendência a transformar-se em algo sem nexo. Mas conseguia criar código em diversas linguagens de programação. Dada a grande base de programadores entre os clientes da Microsoft — e o facto de ela ser proprietária da GitHub, a principal plataforma colaborativa para equipas de software — isso foi uma revelação.
Quando o CEO da GitHub, Thomas Dohmke, viu o que o GPT-3 poderia fazer, ficou surpreendido com a qualidade do seu código. A GitHub e a OpenAI começaram a criar uma ferramenta para permitir que engenheiros de software gerassem código automaticamente, descrevendo o que precisavam em linguagem simples. 

O que o bot de criação de código poderia fazer excedeu até mesmo as expectativas de Nadella. Quando o viu pela primeira vez, o potencial do GPT para transformar o trabalho «tornou-se real para mim de forma tangível», refere. «O produto mudou a minha vida.» Sob o nome de GitHub Copilot, foi lançado como uma amostra técnica em Junho de 2021, ficando disponível um ano depois.
Quando os programadores receberam bem essa forma de assistência baseada em IA, foi «a primeira vez que a IA se juntou à força de trabalho, porque as pessoas faziam parceria com o Copilot para escrever código», observa Mira Murati, CTO da OpenAI. Segundo a GitHub, os clientes do Copilot agora usam a ferramenta para gerar 46% do código nos seus projectos de programação.

«O modelo estava a ficar confuso»
No final do Verão de 2022, os executivos da Microsoft tiveram mais uma experiência incrível quando os engenheiros da OpenAI lhes mostraram um rascunho do seu LLM mais capaz até o momento. Com o nome de código Davinci 3, gerou um texto muito mais fluido e factual do que os seus antecessores. «Devo dizer que foi um momento impressionante — ver aquilo e ver o que ele estava a fazer», relembra Charlie Bell, que ingressou na Microsoft como vice-presidente executivo após mais de duas décadas na Amazon. Em Janeiro seguinte, a Microsoft investiu 9,3 mil milhões de euros na startup para expandir a sua parceria e garantir acesso prioritário à tecnologia da OpenAI. Pouco depois, começou a revelar produtos incorporando o GPT-4.

O primeiro foi uma nova versão do Bing, o motor de busca famoso por ser o eterno segundo lugar em comparação com o Google. Oferecia um bot semelhante ao ChatGPT que entendia e respondia a solicitações como “Apresente-me cinco viagens de carro a seis horas de San Antonio”, evitando a necessidade de vasculhar os resultados da pesquisa. Um nível da própria IA da Microsoft, apelidado “Prometheus”, permitiu informações muito mais actuais e ofereceu citações com links para os sites onde foi buscar os factos.
Mas o novo Bing também estava cheio de alertas sobre o estado bruto da IA generativa. Mesmo com o GPT-4 e o Prometheus na sua essência, era propenso a criar “alucinações”. Mais estranho ainda, quanto mais se falava com ele como uma pessoa, mais ele respondia na mesma moeda. 

Questionados sobre o que correu mal, os executivos da Microsoft falam sobre os jornalistas de tecnologia que se esforçaram para se envolverem no que Jordi Ribas, vice-presidente corporativo de pesquisa e IA, chama «ataques adversários» ao bot do Bing. A verdade é que a empresa não previra que a personalidade da IA fosse vívida, explica Ribas.
Embora as especificidades do mau comportamento do Bing tenham apanhado a Microsoft de surpresa, a empresa concebeu o bot de modo a poder efectuar correcções imediatas. E controlou-o rapidamente. Um mês após a estreia do novo Bing, o Google lançou o seu próprio bot de busca, o Bard, que tinha ficado fechado no laboratório enquanto a empresa lidava com possíveis riscos à reputação decorrentes de imprecisões que gerasse. O Bard era menos imprevisível, mas também teve uma estreia instável, inclusive apresentando factos errados sobre o Telescópio Espacial James Webb na própria demonstração da Google.

No final, uma mudança fundamental nas guerras das buscas não parecia estar próxima: meses após o lançamento do novo Bing, a sua participação de mercado era de 3% contra 91% da Google, segundo a Similarweb (o Yahoo, o DuckDuckGo e o Naver, da Coreia, compõem a restante percentagem). Mas o facto de as pessoas estarem a falar sobre o tão esquecido Bing parecia um triunfo. Nadella teve um momento de satisfação em Fevereiro, afirmando a Nilay Patel, do The Verge: «Quero que as pessoas saibam que as fizemos dançar.»
A investigação pode ser uma actividade secundária para a Microsoft, mas o software no local de trabalho continua a ser peça central. Quase um terço da sua receita de 183 mil milhões de euros em 2022 veio do segmento a que chama Produtividade e Processos de Negócios. Em conjunto com o LinkedIn e o Dynamics 365, isso inclui um conjunto sólido de produtos — como o Word, o Excel, o PowerPoint e o Teams — anteriormente conhecido como Office. Depois, há o Windows, que tem mais de mil milhões de utilizadores em todo o mundo e faz parte de um segmento de 55 mil milhões de euros conhecido como “Mais Computação Pessoal”.

O Microsoft 365 domina cerca de 84% do seu mercado, de acordo com a empresa de pesquisa Gartner, derrotando o Workspace da Google. Se a IA impulsionar a Microsoft para um domínio ainda maior, poderá atrair o escrutínio antitrust do Departamento de Justiça dos EUA ou de outros reguladores. Por outro lado, se a Microsoft não apostar tudo na IA, poderá ficar novamente vulnerável a concorrentes que o façam.
Muitos dos seus produtos estão tão enraizados em tantas organizações que a IA, feita correctamente, poderá ter um impacto semelhante à transformação ocorrida quando a palavra processadores e folhas de cálculo surgiram pela primeira vez. 

Entre as antigas frustrações que a IA generativa tem potencial para resolver: parte do poder dos produtos da Microsoft está contido em recursos enterrados. Desta vez, a Microsoft equipou as suas aplicações de produtividade e o Windows com os seus próprios chatbots — aproveitando as tecnologias da empresa, bem como o GPT-4. Serão conhecidos, assim como o gerador de código da GitHub, como Copilots. Além de permitir que os utilizadores realizem tarefas descrevendo-as, esses bots terão acesso a todos os dados empresariais com os quais, de outra forma, os utilizadores teriam de lidar sozinhos. Nadella dá um exemplo de pedido: «”Pode pegar nos meus resultados trimestrais e [escrever] uma espécie de programa?” E, vejam só, consegue pelo menos criar um rascunho ao consultar todos os documentos existentes na organização.»

O potencial da IA nos negócios é enorme. Mas a tolerância dos clientes para imperfeições peculiares num software fundamental pelo qual estão a pagar será baixa. Também exigirão garantias de que a Microsoft trata as suas informações com segurança. (A Microsoft diz não usar dados de clientes empresariais para treinar algoritmos.)
«É preciso acreditar que o modelo é bom, que os dados serão bons», declara  Jaime Teevan, cientista-chefe e membro da equipa técnica. «Temos de acreditar que os dados permanecerão nos limites de conformidade. Temos de acreditar na fiabilidade da resposta.»

Dito isto, a Microsoft está a preparar os utilizadores das suas aplicações para enfrentar a tendência da IA de brincar com os factos. «É preciso analisar [criticamente] os dados, o conteúdo e o que eles oferecem», observa Colette Stallbaumer, que supervisiona o marketing do Microsoft 365 Copilot e a pesquisa da empresa sobre o futuro do trabalho. «Mas isto coloca-o mais à frente, pelo facto de lhe dar um ponto de partida.»
A verdade é que até a Microsoft só consegue antecipar até certo ponto como as pessoas usarão esses Copilots. Ethan Mollick, professor da Wharton que estuda o impacto da IA no trabalho, diz que o desejo da empresa de incorporar o GPT-4 nos produtos «irá criar uma quantidade de mudanças em todos os lugares, de uma só vez». Mollick acredita que 80% a 90% dos documentos comerciais acabarão por envolver um primeiro rascunho gerado por máquina.

A IA generativa poderá levar a experiências mais transformadoras que nem a Microsoft consegue compreender. O Windows receberá o seu Copilot neste Outono, mas Panos Panay, director de produto, já pensa além. Com o tempo, «a ideia do que é um PC e o modelo de interacção do que é o Windows evoluirão dramaticamente», constata.
Graças à relação com a OpenAI, a Microsoft também poderá oferecer a outras empresas que desenvolvem serviços de IA acesso exclusivo à sua infra-estrutura alimentada por GPT através da sua plataforma Azure. É uma vantagem revolucionária: a Microsoft ganhará dinheiro com inúmeros produtos que não incluem o seu nome. Isto pode dar ao Azure uma nova vantagem face à Amazon Web Services, que ainda lidera a categoria. Ao todo, a IA pode adicionar entre 46 e 90 mil milhões de euros à receita anual da Microsoft até 2027, previu Kirk Materne, analista da Evercore ISI, em Junho. Representaria uma recompensa significativa para a parceria com a OpenAI, que não deixa de ter os seus contratempos.
Nadella não parece atormentado pela incapacidade da empresa de criar algo tão potente quanto o GPT-4 por conta própria. «Estou entusiasmado com tudo o que construímos acima, abaixo e em torno da OpenAI», comenta o CEO da Microsoft, enquanto diz: «Por isso, não olho e digo: “Gostaria mesmo de ter desenvolvido a OpenAI.” Penso nisso como: “E se não tivéssemos feito o que fizemos com a OpenAI?” Ter-me-ia arrependido muito mais disso!»

«Vamos encontrar os casos em que quebra»
Em “Faça Refresh”, o seu livro de 2017 sobre a sua carreira na Microsoft, Nadella escreveu sobre Zain, o filho que nasceu com paralisia cerebral grave em 1996. Nadella explicou que cuidar de Zain e tentar ver a vida pelos seus olhos o tornou uma pessoa mais empática e um líder melhor. Zain Nadella morreu em Fevereiro de 2022. Questionado sobre a perda, Nadella menciona: «Muito do que acontece connosco como seres humanos não está sob o nosso controlo», declara. «Mas o que nos permite enfrentar a situação é a gentileza das pessoas ao nosso redor. Zain teve uma vida muito difícil. Nasceu enquanto eu trabalhava na Microsoft. Faleceu enquanto eu trabalhava na Microsoft. Por isso, faz parte do meu trajecto aqui.»

Com a IA aparentemente à beira de uma omnipresença que mudará uma era e com os receios crescentes sobre as suas consequências, a sensibilidade de Nadella em relação ao papel da Microsoft no mundo nunca foi tão importante. No Edifício 34, no campus da empresa em Redmond, Washington, onde trabalha, as paredes exibem grandes fotografias que retratam aplicações inspiradoras da tecnologia, como uma aplicação para smartphone da Microsoft que ajuda pessoas com deficiência visual.
Independentemente do que está por vir, a Microsoft pode afirmar que começou a levar a sério a ética da IA muito antes de se tornar uma prioridade em todo o sector. Em 2016, quando a empresa criou um bot no Twitter chamado Tay, os trolls descobriram como fazê-lo exprimir comentários racistas e anti-semitas. O fracasso resultante fez com que a Microsoft quisesse compreender os riscos da IA e superá-los.

Em 2018, a Microsoft estabeleceu seis princípios de IA responsável: responsabilidade, inclusão, fiabilidade e segurança, justiça, transparência e privacidade, e segurança. A empresa diz que não olha para o lado quando as coisas correm mal.
Ainda assim, a abertura da Microsoft para as questões éticas da IA aumentou o escrutínio que enfrenta. No início deste ano, quando demitiu 10 mil funcionários, Zoë Schiffer e Casey Newton, do boletim informativo Platformer, levantaram dúvidas ao relatar que a Microsoft havia dissolvido uma equipa dedicada à ética e à sociedade da IA. O vice-presidente e presidente da Microsoft, Brad Smith, afirma: «Eliminámos seis empregos numa reestruturação. Veremos mais nesta área nos próximos 12 meses.» A empresa tem hoje com 350 funcionários envolvidos na IA responsável, 129 dos quais só dedicados a ela. Mesmo que as intenções da Microsoft sejam louváveis, controlar a IA pode ser como moderar as redes sociais em grande escala — uma tarefa impossível. 

Tal como a OpenAI e outras, a Microsoft afirma que acolhe com agrado a intervenção governamental na forma de novas leis que limitam o que as empresas podem fazer com a tecnologia. A União Europeia já aprovou um projecto da sua Lei da IA, embora se sigam meses de deliberação. Smith refere que os EUA também poderão intervir em breve.
Contudo, o progresso mais rápido pode advir de um código de conduta voluntário para a IA, que os governos dos EUA, UE, Reino Unido, Índia e de outros países estão a elaborar. «Se fizerem isto, será a primeira vez que realizarão algo desta magnitude desde o fim da Segunda Guerra Mundial», indica. Em Julho, sete empresas, incluindo a Microsoft, a Meta, a Google e a OpenAI, juntaram-se ao presidente Biden na Casa Branca para anunciar a sua conformidade voluntária com uma série de salvaguardas de IA.

Quando pergunto a Nadella o que mais o preocupa na IA, faz uma pausa. Depois confessa que está preocupado com o facto de a indústria perder tempo com aplicações “frívolas”, quando a tecnologia tem tanto potencial para fazer bem a tantas pessoas. E tem um exemplo favorito: numa recente viagem à Índia viu como um agricultor usou o WhatsApp para perguntar a um serviço que usa GPT sobre um programa de subsídio governamental — e depois preencheu os formulários numa língua que não falava.
Nadella está tão bem posicionado como qualquer outro para divulgar a oportunidade que a IA pode oferecer — embora esteja consciente de que a concorrência que se avizinha será intensa e que a liderança actual da Microsoft poderá ser passageira. E, apesar de todos os sucessos da sua primeira década como CEO, o que ele faz com a oportunidade que tem pela frente pode definir a marca que deixa para trás.  

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