“Estamos numa fase de transição em que a única certeza é que tudo vai mudar”, afirma Diretor-Geral da Jaba Recordati

O atual ambiente de inflação a que assistimos pode ser considerado como um  “desequilíbrio inesperado” e descontrolado entre a oferta e a procura. Com países a atingirem taxas de inflação de dois dígitos, é necessário perceber o que se pode fazer para chegar a um equilíbrio. A situação da guerra na Ucrânia, que já trouxe tantas perturbações aos mercados, continua também a ser uma incerteza.

Questionado pela ‘Executive Digest’ sobre quais as perspetivas da empresa em Portugal perante o atual cenário, Nelson Pires, Diretor-Geral da Jaba Recordati, refere como a situação mundial se agravou para as pessoas e para o tecido empresarial típico do português, indicando as maiores dificuldades para a sua empresa.

“A blocalização matou a globalização e criou uma disrupção macroeconómica imprevisível. Mas julgo que não traz boas notícias, infelizmente. Começou com o covid, lockdowns, problemas logísticos, aumento do custo das matérias primas e nalguns casos ruturas e abastecimento insuficiente, enormes aumentos dos custos energéticos, uma enorme revolução laboral que gerou um desequilíbrio na atração de talento, o Brexit, a guerra na Ucrânia, a tensão na Ásia-pacífico, o crescimento dos movimentos de direita no mundo, a inflação galopante e agora aumento das taxas de juro. Ou seja o mundo está diferente. Infelizmente para os cidadãos normais e para o tecido empresarial típico do português (micro, pequenas e médias empresas endividadas e descapitalizadas), julgo que para pior. As maiores dificuldades que temos são o aumento brutal dos custos das matérias primas e dos transportes que nos levam a pensar em retirar alguns medicamentos do mercado, pois os medicamentos em Portugal não podem aumentar o preço. A alta fiscalidade sobre as empresas e a imprevisibilidade da mesma é outro dos motivos de preocupação. Assim como a perda real de poder de compra dos cidadãos por causa da inflação e baixos salários, que mesmo tratando-se de medicamentos, que salvam vidas, têm que optar e não comprar alguns dos que precisam. Mas o factor que realmente me preocupa é o modelo de governance mundial a partir de agora, que acredito vá acontecer em blocos e não de forma global como até aqui conhecemos. Aumentando substancialmente os custos de contexto e as dificuldades do comércio mundial.

Em relação aos pontos neutrais, como não temos endividamento externo ao grupo Recordati, as taxas de juro não nos preocupam directamente, excepto na redução do poder de compra dos cidadãos. Assim como a manutenção do talento não é um assunto difícil pois a nossa é uma indústria bastante atractiva para os recursos humanos.

Finalmente a guerra na Ucrânia que está a afectar a minha companhia que está presente em todos estes mercados, mas em que o maior impacto é a tragédia humana que vemos todos os dias por uma ambição desmedida de um cleptocrata que quer reavivar a URSS. Não que os EUA sejam um exemplo de respeito pelo equilíbrio internacional e não pensem sempre primeiro nos seus interesses. Mas esta guerra demonstra que os blocos económicos (Europa) têm de ser auto-suficientes e não depender de outros blocos ou estados que não respeitem direitos humanos básicos e princípios ESG. E isso vai redesenhar o mapa geoestratégico mundial sem que consigamos antecipar o seu formato final, ou sequer a posição da China, Índia, Brasil, Irão, UAE, Turquia e de alguns países africanos.

Em suma estamos numa fase de transição em que a única certeza é que tudo vai mudar. A inovação será o único factor diferenciador na economia entre blocos. A autonomia vai-se conquistar de forma inovadora, com uma economia circular, a reindustrialização da Europa, a utilização de energias renováveis, um modelo de agricultura alimentar sustentável e programada, assim como a descoberta de novos recursos e novas utilizações para os existentes. A Europa tem tudo para ser o “driver” desta mudança e na “crise, enquanto uns choram, outros vendem lenços de papel”!”

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