O dia seguinte: Opinião de Isabel Vaz, Presidente da comissão executiva da Luz Saúde

No último ano, quase 24h/dia, foram discutidas, tomadas e implementadas de forma eficiente e eficaz centenas de decisões com impacto na forma de funcionar dos hospitais, centros de saúde, unidades de cuidados continuados ou lares. Recordando Churchill, também neste caso “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”.

Nessa altura, estávamos bem longe de imaginar o quão avassaladora seria a crise sanitária que desde então estamos a viver. O sistema de saúde aguentou a primeira vaga, segurou já com sinais de exaustão a segunda, e eis que entrámos no ano 2021 já a navegar uma terceira vaga desta dimensão e gravidade, plenamente conscientes que a presente crise exige de todos nós, sem excepção, um esforço adicional e sem precedentes, envolvendo mais do que nunca o contributo de todos, públicos, privados e sociais. O sistema de saúde lida hoje com uma situação em que uma patologia única ocupa 60% a 70% da capacidade instalada, o que é dramático pois todas as outras doenças não deixaram de existir. A actividade programada está reduzida ao mínimo para que se possam continuar a salvar vidas. Os Serviços de Urgência lidam com um número avassalador de novos doentes com e sem COVID, e todos os dias se transformam em enfermarias gigantes. Os internamentos em enfermaria e cuidados intensivos COVID e não COVID sofrem uma pressão indescritível e todos os restantes serviços vão tentando não falhar aos doentes que deles precisam. As equipas de controlo de infecção não param. Todos os recursos humanos dos hospitais estão em sobre esforço e a exercer em todas as frentes, em muitos casos com quase total esbatimento da sua especialização. As áreas dos cuidados intensivos e intermédios são quem sente esta pressão de forma mais expressiva, apesar do esforço hercúleo e excepcional que se fez, tendo sido possível mais do que a duplicação da capacidade intensiva do país em apenas um ano. Um esforço de adaptabilidade, profissionalismo e competência, notáveis em qualquer parte do mundo.

As próximas semanas serão muito duras, sobretudo e inevitavelmente para todos aqueles que estão na linha da frente.

Mas, para o sistema de saúde não existe outra alternativa que não seja continuar a servir os doentes, porque, mesmo exaustos, não temos o direito de lhes falhar. Porque estes doentes só nos têm a nós. E os outros doentes não COVID também só nos têm a nós. Por tudo isto, é fundamental resolver esta crise depressa. Não é só por questões económicas e sociais, mas também por razões de saúde pública. A factura maior ainda está para vir. Numa crise sanitária e económica desta dimensão, o percurso de quem tem de liderar e decidir, a qualquer nível, é extraordinariamente difícil. Seguramente foram cometidos erros, mas também se tomaram muitas decisões correctas, muitas vezes em cenários dominados pela incerteza, assumindo e balanceando riscos de forma permanente. Apesar de tudo, e apesar de ainda não estarmos tão próximos do fim como gostaríamos, Portugal e a equipa que são todos os portugueses, poderão e deverão orgulhar-se do que fomos capazes de fazer. Dito isto, o que será absolutamente imperdoável é que não aprendamos com o processo e não aproveitemos tudo o que aconteceu – como país, nas empresas e, particularmente, no sistema de saúde – para nos reinventarmos e transformarmos esta crise numa oportunidade de sermos ainda melhores. Este é o desafio do dia seguinte. Um desafio ao qual não podemos faltar. Porque temos, desde logo, de honrar a memória daqueles que morreram vítimas desta pandemia, mas também porque é no futuro que viveremos o resto das nossas vidas. Sobretudo os nossos filhos. Nada poderá ficar como antes. Ou ficaremos para trás para sempre.

Tough times don’t last, tough people do.

Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 179 de Fevereiro de 2021

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