Portugal fala de ESG, mas investe em eficiência

Opinião de Javad Hatami, CEO e Fundador da Builtrix

André Manuel Mendes
Outubro 24, 2025
11:30

Por Javad Hatami, CEO e Fundador da Builtrix

Em Portugal e na Europa, o ESG tornou-se a linguagem dominante da sustentabilidade. Os conselhos de administração discutem o assunto, os consultores aconselham e quase todos os eventos corporativos incluem agora pelo menos um painel sobre relatórios ESG ou a Diretiva de Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD).

Nos setores imobiliário, hoteleiro e retalhista, o tema nunca foi tão visível. Os gestores de ativos falam sobre neutralidade de carbono, os hotéis promovem o turismo sustentável e os retalhistas anunciam novos compromissos ambientais.

Mas quando chega a hora de investir, a conversa muda discretamente. Os orçamentos continuam a ser destinados a projetos que poupam energia e não àqueles que simplesmente melhoram os relatórios. Em suma: o ESG ganha a atenção, mas a eficiência ganha as ordens de compra.

 

O boom do ESG

Nos últimos cinco anos, a sustentabilidade deixou de ser um tema secundário para se tornar um tema central nos negócios.

Regulamentações como a CSRD e a Taxonomia da UE tornaram a divulgação de informações ambientais uma responsabilidade do conselho de administração. Os investidores e os bancos exigem cada vez mais transparência e setores voltados para o público, como hotelaria e retalho, reconhecem que o desempenho ESG influencia a reputação e o financiamento. Neste contexto, os gestores de sustentabilidade estão sob pressão para «falar ESG». Eles devem produzir dashboards, KPIs e reports anuais. Isto cria um apetite constante por conhecimento, ferramentas e insights, explicando por que o conteúdo ESG atrai tanta atenção nos media do sector, newsletters e conferências.

Na Builtrix, observámos o mesmo padrão em toda a nossa comunicação, relatórios e interações com clientes: no sul da Europa, particularmente em Portugal, a atenção gravita em torno de temas ESG e de sustentabilidade, mas as aprovações orçamentais ainda dependem do ROI e da eficiência. É um mindset cultural moldado pelo pragmatismo financeiro.

Em contraste, no norte da Europa, a compliance, a transparência e a governança de dados são valorizadas em igualdade de condições com a eficiência. Nestes países, investir em sistemas ESG é visto como uma questão de credibilidade e gestão de risco, não apenas de retorno. Essa diferença destaca como a maturidade da sustentabilidade varia na Europa, desde o foco nos custos no Sul até o foco na compliance e na governança no Norte.

 

A realidade da eficiência

No entanto, atenção não é o mesmo que ação. Quando as organizações decidem onde gastar, a lógica financeira e operacional assume o controle. Os custos de energia continuam a ser uma das maiores despesas controláveis em edifícios. Gestores de instalações, proprietários de ativos e diretores financeiros tomam decisões de investimento com base no ROI mensurável, ou seja, na rapidez com que uma atualização se paga. Uma redução de 10% nas contas de eletricidade é tangível e imediata, melhores relatórios ESG não são.

Em Portugal, esta dinâmica é especialmente visível. Hotéis, gestores de ativos e retalhistas reconhecem a importância da sustentabilidade, mas a maioria dos orçamentos continua a ser aprovada para iniciativas que proporcionam poupanças operacionais claras como instalações solares, atualizações LED ou sistemas de dados que identificam o desperdício. Entretanto, muitas soluções ESG ainda são vistas como ferramentas de compliance ou reputação, em vez de instrumentos de desempenho financeiro.

O resultado é um desfasamento estrutural onde as empresas falam de ESG, mas agem com base na eficiência.

 

Por que existe essa discrepância?

Essa contradição não é hipocrisia é um sintoma de como as organizações e os mercados evoluem.

  1. Responsabilidades divididas: os departamentos de ESG lidam com estratégia e comunicação, enquanto as equipas operacionais gerem contas e orçamentos. Nem sempre compartilham as mesmas métricas ou cronogramas.
  1. Fraca fiscalização: Embora os relatórios ESG sejam obrigatórios para grandes empresas, as penalidades por não conformidade permanecem pouco claras. Em contrapartida, a ineficiência energética prejudica todos os meses através de custos mais elevados.
  1. Lógica de financiamento: os incentivos nacionais e da UE, desde o PRR até empréstimos verdes, ainda priorizam resultados tangíveis de descarbonização, como redução do consumo ou das emissões. Os projetos devem comprovar impacto mensurável, não apenas governança de dados.
  1. Enquadramento psicológico. «ESG» soa a ambicioso; «eficiência energética» soa a prático. Os executivos abrem e-mails sobre ESG por curiosidade, mas assinam contratos que reduzem despesas.

Em conjunto, estes fatores explicam por que razão a sustentabilidade em Portugal e no sul da Europa é frequentemente mais avançada na comunicação do que na implementação.

 

O caminho a seguir

O caminho a seguir é claro: todas as soluções ESG devem demonstrar um impacto real na eficiência. Sem um ROI mensurável e redução de custos, torna-se difícil justificar qualquer iniciativa ESG, particularmente no sul da Europa e, especialmente, em Portugal, onde o desempenho financeiro continua a ser o principal fator de decisão.

Para que as estratégias ESG prosperem neste contexto, devem mostrar, simultaneamente, quanta energia é poupada, qual a redução de custos e quanta pegada de carbono é evitada, apoiando diretamente as metas de descarbonização da organização.

Quando os dados ESG ligam estas três dimensões, os gestores de sustentabilidade, conselhos de administração, diretores financeiros e equipas de manutenção passam finalmente a falar a mesma língua. É aí que o ESG deixa de ser um exercício de reporte e se torna uma verdadeira ferramenta de gestão.

 

A oportunidade de Portugal

Portugal tem todos os ingredientes certos para liderar esta integração. Combina metas climáticas ambiciosas com uma forte base hoteleira e imobiliária e um acesso significativo ao financiamento da UE para a transformação verde. No entanto, muitas organizações ainda dependem da recolha manual de dados, folhas de cálculo e faturas dispersas, tornando quase impossível traduzir a ambição em progressos mensuráveis. Se Portugal quiser acelerar a sua descarbonização, deve simplificar o acesso aos dados ambientais e garantir que cada euro gasto em eficiência também reforça a capacidade de reporte ESG.

Nos próximos anos, os requisitos ESG da UE vão expandir-se às pequenas e médias empresas e os grupos portugueses que colmatarem esta lacuna antecipadamente terão uma vantagem competitiva – tanto em termos de preparação para o cumprimento como de desempenho em termos de custos.

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