Pôr um travão às peças novas
Por Luís Vieira, administrador da B-Parts
Estou certo de que não somos capazes de reconhecer as linhas do destino, nem mesmo quando estampadas em capas de jornais. Quantas as manchetes dedicadas às alterações climáticas? E lembra-se daquela vez em que o retrato da ativista Greta Thunberg na Time gerou milhares de outras notícias? De pouco ou nada parece servir. Afinal, os carros continuam a multiplicar-se nas estradas e, com eles, vem o trânsito, a algazarra das buzinas e, claro, as emissões de CO₂.
Dizem-nos que para combater o excesso de automóveis em circulação devemos priorizar os transportes públicos e outras formas de mobilidade partilhada. O problema é que estas soluções estão concentradas nos centros urbanos – um cenário que deixa a maioria dos cidadãos ainda dependente de veículos privados, sejam eles a gasolina, diesel ou elétricos. E, sim, o entusiasmo pelos elétricos está a crescer, mas também não devemos fechar os olhos à significativa pegada ambiental da produção de baterias e de novas viaturas.
Precisamos de uma mudança mais profunda e estrutural. O mercado de peças de automóvel em segunda mão é uma das frentes mais eficazes para prolongar a vida útil dos veículos, reduzir o desperdício e, consequentemente, diminuir o impacto ambiental da indústria. Ao invés de atribuirmos um falso “selo verde” aos carros elétricos, que tal reconhecermos que a economia circular é uma alternativa não só mais sustentável, como mais acessível? É que, pelas minhas contas, optar por uma peça de automóvel usada também permite uma poupança de até 70% face ao custo de uma peça nova.
Há ainda quem pense que o usado e o barato significam menor qualidade, mas isso está longe de ser verdade. Grande parte dos centros de desmantelamento de peças, outrora associados à imagem de sítios desorganizados e empoeirados, são hoje instalações modernas e certificadas. Muitos destes centros são locais especializados, seguros, onde as peças são testadas antes de serem colocadas no mercado, não deixando margem para preconceitos e oferecendo uma alternativa fiável para as oficinas e consumidores finais.
E ainda que as peças de maior desgaste possam, sim, ter uma vida útil mais reduzida, isso não compromete a sua funcionalidade. Em muitos casos, uma peça usada pode acompanhar o veículo até o fim da sua vida útil, que em Portugal é, em média, de vinte anos.
Em suma, mais do que apostar exclusivamente na compra de veículos elétricos e consciencializar para a utilização dos transportes públicos e da mobilidade partilhada, devemos popularizar a economia circular. É fundamental pensar neste conceito como um pilar na transformação do setor automóvel e isso implica adotar uma mentalidade que valorize a reutilização e a reparação em vez do desperdício.