Por Tomé Gomes, Principal Engineer Aviation, Space, Defence da Critical Software
A próxima transformação da mobilidade urbana não acontecerá nas estradas, mas sim no ar. Há poucas décadas, a ideia de marcar uma viagem pelo telemóvel parecia ficção científica, enquanto hoje já o fazemos de forma totalmente rotineira. Mas a mobilidade também está a evoluir tecnologicamente em terra: numa das minhas últimas viagens a São Francisco, testemunhei que já circulam automóveis sem condutor e de forma perfeitamente integrada no trânsito comum. Se a transformação no transporte terrestre já é impressionante, a verdadeira revolução está agora a ganhar forma no espaço aéreo.
Mas, afinal, que invenção é essa que vai mudar a nossa mobilidade no ar? Os eVTOLs (electric Vertical Take-Off and Landing) são aeronaves elétricas capazes de descolar e aterrar verticalmente, permitindo deslocações rápidas e sustentáveis dentro e entre centros urbanos. O conceito junta a flexibilidade de um helicóptero à eficiência de um veículo elétrico, e contribui para reduzir a pegada de carbono do transporte urbano e regional e ajuda a reduzir congestionamento urbano, ao deslocar parte do tráfego para o ar. A temática dos eVTOLs não é recente, e percebe-se hoje que o desafio de os colocar em operação é grande. Empresas como a Lilium e a Volocopter foram pioneiras tecnológicas e enfrentaram grandes dificuldades, chegando à insolvência.
O principal fator técnico limitativo continua a ser a bateria. O salto tecnológico esperado não se concretizou ao ritmo necessário, implicando menor autonomia e carga útil. Não surpreende, por isso, que estejamos a ver um forte envolvimento do setor automóvel em algumas das principais empresas de eVTOL. A indústria automóvel consegue desenvolver e validar rapidamente tecnologias críticas em volumes e cenários que a aviação não consegue replicar, nomeadamente em aspetos relacionados com a condução autónoma e baterias de estado sólido. É interessante perceber, por isso, como estas sinergias entre os setores têm influenciado o ritmo de desenvolvimento destes “táxis verticais”.
Nos Estados Unidos, por exemplo, a Joby Aviation (apoiada pela Toyota) e a Archer Aviation (apoiada pelo grupo Stellantis) estão entre as mais avançadas no processo de certificação, tendo ambas já completado várias horas de voo de teste. A Honda já obteve da Federal Aviation Administration autorização para realizar voos de teste do seu protótipo na Califórnia. Também no Brasil, a Eve Air Mobility segue uma estratégia faseada: primeiro com aeronaves com piloto, depois com capacidades semi-autónomas. Na Europa, a Vertical Aerospace, no Reino Unido, já completou voos de protótipo e colabora ativamente com a UK Civil Aviation Authority e a European Union Aviation Safety Agency nos planos de certificação. Por outro lado, o programa CityAirbus NextGen da Airbus está em stand-by para reavaliação tecnológica e de negócio (à semelhança da abordagem da Textron).
O panorama é diversificado: alguns apostam em autonomia total, outros mantêm o piloto no controlo; alguns focam-se em voos urbanos curtos, outros em ligações regionais. Se a tecnologia é complexa, a certificação não é menos exigente. O processo é, por natureza, moroso. A segurança aérea não se negocia, e a ausência de track record destas aeronaves obriga a uma análise exaustiva de cada componente, sistema e modo de falha. Isto traz consigo uma nova geração de software crítico: plataformas distribuídas, comunicação V2X vehicle-to-everything, integração com sistemas de inteligência artificial e atualizações over-the-air. Tudo isto terá de cumprir os mesmos padrões de segurança da aviação tradicional, mas aplicados a arquiteturas dinâmicas. Além disso, os desafios não se encontram apenas na aeronave, mas também no espaço aéreo onde irão operar, onde não existem torres de controlo, pistas ou corredores aéreos. Este é um esforço global que tem sido feito com persistência, mas que terá efeitos muito evidentes.
Tendo em conta o salto tecnológico e logístico de que estamos a falar, é expectável que vejamos inicialmente eVTOLs totalmente operados por pilotos (ou apenas semi-autónomos) e em corredores aéreos bem definidos. À medida que a tecnologia e as regulamentações evoluírem, também a autonomia deverá aumentar gradualmente.
O potencial dos eVTOLs é inegável, tendo o potencial de reduzir congestionamentos, diminuir emissões e aproximar comunidades, nomeadamente em regiões onde a infraestrutura terrestre é limitada. Mas até ser uma realidade para o utilizador comum, serão necessários tempo, investimento e uma coordenação estreita entre fabricantes, reguladores e operadores de mobilidade.
O que estamos a assistir é a um novo capítulo da aviação, que se escreve ao ritmo da tecnologia e com a responsabilidade de sempre associada à segurança aeronáutica. Não tardará a chegar o dia em que a ficção científica se tornará realidade e em que estes “táxis verticais” serão uma realidade na forma como nos transportamos.




