Nova ‘lei dos solos’ entra hoje em vigor. O que está em causa e quais as polémicas envolvidas?

O Governo português alterou o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial para permitir a reclassificação simplificada de terrenos rústicos em urbanos, por deliberação dos órgãos municipais, desde que destinados a habitação. A polémica lei dos solos entra hoje em vigor.

O Decreto-Lei 117/2024, aprovado a 30 de dezembro, permite a reclassificação simplificada de terrenos rústicos para urbanos, desde que destinados à construção de habitação. Esta alteração, que visa facilitar a criação de soluções habitacionais a custos controlados, foi promulgada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, apesar de este ter expressado reservas sobre a sua compatibilidade com o ordenamento e planeamento territorial.

A alteração ao RJIGT gerou um movimento de oposição entre organizações não-governamentais (ONGs) ambientais e partidos políticos, com BE, PCP, Livre e PAN a pedirem a sua apreciação parlamentar com vista à revogação. Estas entidades argumentam que a nova medida pode resultar em mais especulação imobiliária e prejudicar o ambiente, ao permitir a construção em solos da Reserva Ecológica Nacional (REN) e da Reserva Agrícola Nacional (RAN). Diversas ONGs, como a Quercus e a Zero, manifestaram preocupações quanto aos riscos ambientais da medida, alertando para a possível destruição de terrenos agrícolas e florestais essenciais para a segurança alimentar e o equilíbrio ecológico do país.

O Governo, por seu lado, argumenta que as alterações ao RJIGT visam facilitar a construção de habitação em terrenos que já possuem características urbanas ou com baixa aptidão agrícola, contribuindo para a redução dos preços da habitação. De acordo com o ministro da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, a medida pretende garantir a consolidação das áreas urbanas existentes e evitar a dispersão urbana. A reclassificação de solos rústicos será limitada, com restrições em áreas de maior risco ambiental e ecológico, como as zonas de proteção da REN e RAN.

Além disso, o diploma estabelece que pelo menos 70% da área total de construção em solos reclassificados deve ser destinada à habitação pública ou acessível, assegurando maior equidade social.

 

Casas podem ser vendidas acima do valor do mercado em 95% dos municípios

No entanto, as alterações ao RJIGT mantêm o conceito de “habitação de valor moderado”, o que é criticado por alguns especialistas que temem que este modelo possa agravar os preços de mercado, especialmente nas áreas metropolitanas.

O conceito de “valor moderado” determina que os preços das habitações podem ser 25% superiores à mediana municipal, desde que não ultrapassem 225% da mediana nacional. Na prática, isto significa que, em municípios como Braga e Guimarães, onde os preços são inferiores à média nacional, será possível vender casas a valores alinhados ou acima da mediana nacional. Por outro lado, em Lisboa, o limite imposto pela lei, de 3.737 euros por metro quadrado, ficará abaixo dos preços atualmente praticados, mas dificilmente se aplicará devido à escassez de solos rústicos na capital.

Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, em 2024, o valor mediano de venda de habitação em Portugal era de 1.661 euros por metro quadrado. Apesar disso, nos 295 municípios abrangidos, as habitações poderão ser comercializadas acima desse valor, contrariando a ideia de acessibilidade habitacional promovida pelo Governo. Em regiões metropolitanas como Porto, Cascais ou Loulé, o teto máximo de preços imposto pela lei também fica abaixo do mercado atual, mas a falta de terrenos rústicos limita o impacto da medida.

 

Governo entende que nova lei vai baixar 20% o preço das casas

Por outro lado, o Governo garante que a nova lei dos solos fará baixar em 20% o preço das novas casas nas áreas metropolitanas e capitais de distrito, fixando valores abaixo dos registados em Portugal em 2024, foi hoje anunciado.

Em informação enviada à Lusa, o Ministério da Coesão Territorial assinala que a “nova lei fixa para as casas novas preços máximos que estão abaixo dos valores médios das transações imobiliárias registadas em Portugal em 2024”, recorrendo ainda ao Instituto Nacional de Estatística (INE) para afirmar que “o atual preço médio do metro quadrado em casas novas é 50% superior ao da habitação usada”.

“Poder comprar casas novas em que o limite máximo de preço fica 20% abaixo dos atuais preços de mercado não só previne, como impede a especulação”, afirma o ministro Castro Almeida, citado pelo documento.

*com Lusa