Formação obrigatória: o certificado que vale menos que o papel

Por Rita Maria Nunes, country manager da The Alternative Board para Portugal

Executive Digest
Agosto 11, 2025
12:47

A formação obrigatória em Portugal parte de um princípio que, à primeira vista, parece válido: garantir que todos os colaboradores têm oportunidades regulares de aprendizagem e atualização profissional. É difícil discordar da ideia de que pessoas mais qualificadas contribuem para empresas mais competitivas e para uma economia mais sólida. No entanto, a forma como este sistema está estruturado leva, na prática, a um cenário muito diferente.

O problema central é que a legislação mede quantidade e não qualidade. O que conta para cumprir a lei é o número de horas de formação realizadas por colaborador por ano. Não se avalia se o conteúdo é relevante, se as competências são efetivamente adquiridas ou se existe aplicação prática no dia a dia do trabalho. Esta lógica cria um mercado de formações de baixo impacto, muitas vezes genéricas, escolhidas apenas para “cumprir calendário” e emitir certificados que pouco ou nada acrescentam ao desenvolvimento real das pessoas.

O impacto para as empresas é significativo. E o custo é duplo: pagam a formação e pagam as horas de trabalho em que o colaborador está ausente, na formação. Em teoria, quando a formação é relevante e bem estruturada, este custo é um investimento que se traduz em ganhos de produtividade, inovação e motivação. Mas, quando a formação é apenas formalidade, o retorno é inexistente e o tempo perdido torna-se um fardo.

Há também um efeito menos visível, mas igualmente preocupante: este sistema desincentiva o investimento estratégico em formação. Em vez de direcionar recursos para programas que respondam a necessidades concretas do negócio, muitas empresas optam pelo mínimo legal, escolhendo soluções rápidas e baratas, mesmo que irrelevantes. Perde-se assim a oportunidade de usar a formação como verdadeira alavanca de crescimento.

Há alternativas. Poderia ser criado um modelo de bolsa anual de investimento em formação, atribuída a cada colaborador, com liberdade para ser usada em programas que realmente elevem competências, sejam licenciaturas, mestrados, formações técnicas especializadas, certificações internacionais ou programas executivos. As empresas cofinanciariam este investimento e receberiam benefícios fiscais proporcionais ao montante aplicado.

O critério de avaliação deixaria de ser o número de horas e passaria a ser o impacto: competências adquiridas, aplicação prática no trabalho, melhoria de resultados. Esta abordagem responsabilizaria empresas e colaboradores, estimularia o desenvolvimento profissional contínuo e eliminaria a lógica de “cumprir por cumprir”.

Formação de qualidade é um investimento estratégico. Formação apenas para satisfazer uma exigência legal é desperdício de recursos e de tempo. Se queremos empresas mais competitivas e profissionais mais qualificados, é tempo de substituir a contagem de horas pela medição de resultados. Só assim a formação deixará de ser uma obrigação burocrática e passará a ser um verdadeiro motor de transformação.

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