Com o e-commerce a ganhar expressão em Portugal, quem sai a ganhar é o retalho físico

Opinião de Carlos Récio, Head of Retail da CBRE Portugal

Executive Digest
Agosto 18, 2025
10:25

Por Carlos Récio, Head of Retail da CBRE Portugal

Em Portugal, o retalho é um dos pilares que sustenta o investimento imobiliário: só no primeiro semestre de 2025, este segmento já atraiu 595 milhões de euros, o que antecipa mais um ano de forte desempenho.

Além disso, e como revela o estudo da CBRE “Realizing potential in Retail”, entre 2021 e 2023, a atividade do comércio de rua tem-se mantido intensa, nomeadamente nos eixos principais, com mais de 100 novas aberturas por ano. Ao mesmo tempo, os centros comerciais têm-se transformado em espaços cada vez mais sofisticados e que são pontos de convivio, lazer e de interação com as comunidades, onde se pode fazer muito mais do que compras, enquanto formatos como os retail parks, estão a conquistar os consumidores, principalmente em zonas de expansão urbana. Com a consolidação do retalho físico, qual é a expressão do e-commerce em Portugal?

O mesmo estudo mostra-nos que o e-commerce em Portugal tem vindo a crescer de forma consistente: passou de 2% de penetração em 2009 para 9% em 2024, contudo ainda longe da média da OCDE de 22%. No espaço da OCDE, as principais categorias que mais vendem através do comércio eletrónico são o setor do vestuário, tecnologia e mercearia. Apesar do progresso registado, a comparação com outros mercados revela a distância a que ainda nos encontramos: na Coreia do Sul, a penetração do e-commerce já atinge os 49%, enquanto nos Estados Unidos e no Reino Unido ronda os 29%.

Esta diferença não deve ser encarada como uma fraqueza, mas como uma oportunidade clara. O comércio online não é apenas mais um canal de venda — deve ser considerado um importante eixo na estratégia de retalho de qualquer marca. Em Portugal, o comportamento do consumidor evoluiu rapidamente, com um perfil mais exigente, mais informado e mais aberto a modelos híbridos de compra.

Neste novo paradigma, a loja física não desaparece — transforma-se. Deixa de ser apenas um ponto de venda e assume as funções de showroom, experiência de marca, local para recolha ou devolução de encomendas. Ora, esta redefinição obriga o setor imobiliário a ajustar-se. Os espaços comerciais deixam de ser medidos apenas pela sua rentabilidade por metro quadrado e passam a ser avaliados pelo seu papel dentro da estratégia omnicanal de cada operador. Por isso, os centros comerciais e as localizações prime nas cidades precisam de acompanhar esta transformação, sob pena de perderem relevância junto de um consumidor cada vez mais orientado pela conveniência e pela personalização.

Em paralelo, o crescimento do e-commerce está a gerar uma procura crescente por soluções logísticas ágeis, próximas dos centros urbanos, que respondam à exigência da entrega em 24 horas — ou menos. Lisboa e Porto, em particular, começam a sentir esta pressão de forma clara. O conceito de “last-mile delivery” deixou de ser teórico para passar a ser uma variável crítica na equação da competitividade. Esta realidade está a criar espaço para novos formatos imobiliários, mais compactos, tecnológicos e estrategicamente localizados.

Por isso, é importante sublinhar que o crescimento do e-commerce não tem significado um declínio da presença física do retalho. Num mercado como o português, onde o stock logístico é ainda limitado, as lojas físicas desempenham um papel crítico no ecossistema do e-commerce — funcionando muitas vezes como pontos estratégicos para operações de last-mile delivery, recolhas ou devoluções.

De acordo com o estudo da CBRE, o stock de área bruta locável (ABL) dos retail parks cresceu cerca de 15% entre 2018 e 2024, situando-se actualmente nos 620 mil m², sendo o único formato de conjunto comercial com projectos a serem construidos de raiz, em pipeline e estudo, assistindo-se mesmo a uma aceleração na taxa de crescimento. Os centros comerciais estabilizaram em torno dos 2,9 milhões de m² no mesmo período, após anos de expansão intensa no início da década passada.

Num cenário em constante evolução, o e-commerce em Portugal começa também a refletir tendências globais que estão a moldar o futuro deste setor. As marcas procuram oferecer experiências cada vez mais adaptadas aos comportamentos individuais dos consumidores, tirando partido da personalização avançada suportada por dados. Por outro lado, a preocupação com a sustentabilidade está cada vez mais presente nas decisões de compra, o que exige respostas claras em temas como embalagens ecológicas e logística verde. As marcas veem-se obrigadas a investir não só em tecnologia, mas também em conhecimento — conhecendo melhor os seus públicos, otimizando operações e oferecendo soluções de pagamento mais flexíveis, como o “buy now, pay later”, que ganham cada vez mais tração entre consumidores mais exigentes e informados.

O retalho digital já não é apenas um canal — é um reflexo direto das expectativas de uma geração que valoriza conveniência, coerência e responsabilidade em cada etapa da jornada de compra.

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