Miopia, astigmatismo e estrabismo nos negócios, pagam-se caro!
Por Gonçalo Coelho de Carvalho, Consultor em Estratégia de Negócios e Doutorado em Gestão Empresarial Aplicada
Há muitos anos que se observam práticas de gestão inadequadas que comprometem os interesses dos acionistas e o futuro das empresas. O mundo mudou rapidamente nos últimos anos, com eventos impactantes como a pandemia, a escassez de matérias-primas, a acentuada e abrupta inflação generalizada, a guerra na Ucrânia e a mais recente guerra Israel-Palestina. Nunca foi tão crucial para as empresas adaptarem-se a um ambiente turbulento e em constante mudança.
É, portanto, doloroso ver gestores a evidenciarem “falta de visão” estratégica, concentrando-se em resultados de curto prazo, negligenciando o futuro das suas empresas. Esta “miopia” de gestão leva à tomada de decisões focadas apenas nos números anuais, sem considerar as consequências a longo prazo. Muitos gestores recebem bónus de desempenho por resultados imediatos, o que desmotiva o planeamento estratégico de longo prazo. Como resultado, muitas empresas focam apenas nos resultados até 31 de dezembro e subestimam o desenvolvimento de capacidades evolutivas e a inovação necessária para garantir uma competitividade sustentável, isto é, a longo prazo.
Além da miopia, outra patologia comum é o astigmatismo, caracterizado por uma visão turva tanto ao perto como ao longe. Em gestão, isto traduz-se numa visão distorcida e pouco ambiciosa do negócio e do mercado. Gestores com esta visão falham em perceber o potencial dos seus colaboradores e não conseguem compreender a realidade do contexto externo. Esta falta de ambição resulta numa gestão complacente, que não promove a inovação nem o crescimento a longo prazo. É como se estivessem condenados a viver numa névoa constante, incapazes de ver o caminho para um futuro brilhante.
A terceira patologia é o estrabismo, ou a falta de foco. Gestores com “visão estrábica” são incapazes de alinhar as suas estratégias de curto prazo com objetivos de longo prazo. Concentram-se em manter clientes atuais e resultados imediatos, mas falham em captar novos clientes e surpreender os existentes. Esta falta de foco impede a construção de uma estratégia dinâmica e adaptativa, necessária para enfrentar os desafios do mercado. É como se estivessem sempre a olhar em direções opostas, sem nunca encontrar o rumo certo.
No entanto, existe esperança. As empresas bem-sucedidas desenvolvem um foco claro em identificar e aproveitar oportunidades, adaptando-se constantemente às mudanças do mercado. Estes gestores promovem uma cultura de inovação e excelência, transformando boas práticas em vantagem competitiva sustentável. Não se contentam com resultados medianos e estão sempre em busca de melhorias contínuas. Eles veem além do imediato e trabalham incansavelmente para garantir um futuro próspero e sustentável para as suas empresas.
Exemplos de sucesso no reverso da medalha
Vejamos alguns exemplos inspiradores de empresas portuguesas que souberam superar essas “patologias de gestão” e trilharam o caminho da inovação e da adaptação contínua.
A Delta Cafés é um exemplo brilhante de visão estratégica a longo prazo. Em vez de se contentar com a produção e venda de café, a Delta investiu na criação de uma marca forte, reconhecida pela qualidade e inovação. Adotando práticas sustentáveis e apostando na internacionalização, a Delta não só fidelizou clientes como também expandiu a sua presença global. A empresa está constantemente a inovar, quer seja na produção de cápsulas de café recicláveis ou na implementação de projetos sociais em comunidades produtoras de café.
A Uniplaces, uma plataforma digital de alojamento para estudantes, é outro exemplo de sucesso. Os fundadores perceberam uma necessidade não satisfeita no mercado e criaram uma solução inovadora que simplificou o processo de arrendamento de quartos para estudantes universitários. A empresa não parou por aí; continuou a expandir-se e a adaptar-se, integrando novas funcionalidades e melhorando continuamente a experiência do utilizador. Hoje, a Uniplaces é uma referência internacional no seu setor.
A marca de calçado Lemon Jelly, pertencente à Procalçado, é uma história de inovação e adaptação. É o típico exemplo de estratégia do Oceano Azul. Utilizando materiais inovadores como o PVC perfumado e adotando práticas de produção sustentáveis, a Lemon Jelly conseguiu destacar-se com singularidade num mercado saturado. A empresa não só criou produtos únicos e atrativos, mas também se comprometeu com a sustentabilidade, o que atraiu consumidores conscientes e fidelizou uma base de clientes leal.
Em resumo, a diferença entre uma gestão míope, astigmática e estrábica e uma gestão eficaz reside na capacidade de antecipar mudanças, adaptar estratégias e promover a inovação evolutiva. As histórias de sucesso da Delta Cafés, Uniplaces e Lemon Jelly mostram que é possível vencer os desafios do mercado atual com visão, foco e ambição, na premissa de propostas de valor com utilidade excecional em constante evolução. Só assim é possível garantir o crescimento sustentável e a competitividade a longo prazo. É uma jornada árdua, mas necessária, para transformar a visão de curto prazo num horizonte de oportunidades e de sucesso duradouro. Aprendamos com estes exemplos, a inspirar-nos para construir um futuro melhor para o nosso tecido empresarial.